Feridas Ocultas

Quando uma nuvem negra de melancolia paira repentinamente sobre nós, a luta violenta para conservar a alma impassível e os olhos enxutos é esforço vão. Uma boa memória é a sentinela mordaz que me obriga à reconstituição de eventos dolorosos e de sórdidos pormenores que demonstram apenas o aspecto menos nobre de minha natureza: sou escrava das lembranças inúteis, refém de um passado moribundo do qual não consigo me desvencilhar.

(São tantas as verdades incômodas que gostaríamos de esquecer!)

Não houve espaço para justificativas covardes, afinal, decência seria não persistir em erros que insisto cometer - alguns pecados não podem ser redimidos e certas falhas não serão perdoadas pois não merecem o direito à retratação. Mesmo uma punição justa e bem aplicada não é capaz de dissipar as mágoas que tornam-se feridas gangrenadas alojadas em nosso espírito.

(Existem enfermidades incuráveis!)

Sem resquícios de satisfação interior, optei simplesmente por me afastar dos escombros a passos largos e com fria determinação. Porém, a fuga cobra o seu preço: o remorso é uma moléstia que aflige, que maltrata o coração. Apesar da legitimidade do sofrimento, certas escolhas determinam o nosso destino e conviver com a turbulência de emoções é apenas a consequência dos amores mal resolvidos, fantasmas que nos assombram cada vez que olhamos para trás.