Diário de viagem: 2003

Diário de viagem: 2003

Quando estive no México para o XI° encontro de “Mujeres poetas en el Pais e las Nubes”, acreditava que as pessoas de lá, os nativos, pudessem compreender meus poemas, quando eu os lesse nos encontros, em Português. Foi um dos maiores engodos que me aprontei. A língua espanhola me parecia “parecida” com a língua portuguesa, afinal são neolatinas. Tinha amigos argentinos entranháveis aqui no Brasil, mas eles viviam no Brasil, e percorriam as fronteiras entre as línguas. No entanto, português e espanhol são profundamente diferentes e misteriosos em suas diferenças. Assim, tinha meus poemas inúteis, que em português não me serviriam, e toda uma semana pela frente, para me desesperar. Ou retornar antes ao Brasil, com o rabo entre as pernas.

A poeta Norma Segades-Maniás me salvou. Os poemas que levei em grande parte, estavam publicados em dois livros. E não seriam necessários mais que seis ou oito poemas traduzidos, pois seriam lidos em pueblos diferentes e para diferentes públicos. Norma não me deixou ler nenhum poema em português, me convencendo que não seria compreendida. Tinha razão. Bendita amiga! Á noite nos reuníamos as quarenta poetas em um bar simples e simpático onde comíamos nossos lanches.

Foi neste bar, no Pueblo de Emílio Fuego, que Norma e eu, isoladas, nos debruçamos sobre os poemas. Dedicada, os traduziu incansavelmente. Um trabalho inesquecível a quatro mãos, quatro olhos, dois corações, e a presença de duas mulheres se aventurando entre dois idiomas diferentes. A primeira noite praticamente acordadas, varando a madrugada. Trabalhamos em outras noites também, trabalho extra, pois por essas horas estávamos exaustas. Trabalhávamos de manhã ao fim da tarde, o que adorávamos, pois nossos trabalhos era levar poesia ao povo do lugar.

Começaram as apresentações dos poemas pelas poetas, e com as traduções de Norma Segades-Maniás em minhas mãos, sentindo-me abençoada e salva! E feliz, é alegre ser acompanhada e olhada. Então, eu lia o poema na língua portuguesa, e uma poeta de língua hispânica o lia por sua vez, em espanhol. Experiência única, para cada uma de nós, e para o público. A língua desconhecida, para nós, é pura musicalidade, tratando-se de poemas. Bons poemas, por sinal. Escutei poemas em mixteca, hebreu, danês, inglês e espanhol.

Foi por esta ocasião que me dei conta do quanto os idiomas português e espanhol são distintos entre si. E como foi possível encontrar uma irmã de alma, na poesia, em Norma.

Quando minha filha mais nova foi viver em Madrid, onde se casou e teve uma filha, compreendi ainda melhor a diferença entre os idiomas. Fora do âmbito familiar, em Madrid me compreendem no trivial, mas não posso conversar profundamente com quase ninguém. Uma das exceções sempre foi Norma, com quem, nem sei como, pudemos avançar as fronteiras dos sentimentos e emoções. Um desses mistérios. Hoje, Norma se aventura pelo português... o que ainda não fiz quanto ao espanhol.