O GRANDE AMOR DE GONÇALVES DIAS

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Notas Biográficas

 

Bernadine Healy, médica americana que acompanhou vários pacientes em seus últimos momentos nesta terra de Deus, escreveu: "Nos seus últimos momentos, as pessoas que encaram a morte não pensam nos diplomas que conseguiram, nem nos cargos que ocuparam, nem na riqueza que acumularam. No final o que importa é quem você amou e quem amou você".

Teria o nosso poeta, naquela fatídica noite de três de novembro pensado em quem ele amou e quem o amou? Teria ele pensado em Ana Amélia?

Segundo o depoimento do comandante da embarcação, "que ao avistar-se terra, o doente tendo pedido para ser levado ao tombadilho, no que foi satisfeito, sentiu tamanha emoção com o prazer experimentado naquele momento, que lhe sobreveio uma síncope, e todos julgaram que ele ia falecer: e que de então até a hora do naufrágio havia seu estado piorado muito. Na verdade o náufrago já era um moribundo." Eu imagino que após avistar sua querida terra natal, prostrado no catre daquele veleiro, sentindo a vida esvair-se, o poeta Gonçalves Dias, tenha repassado toda a sua vida. E nessas reminiscências, por certo ele voltou ao ano de 1846.

Foi o ano em que ele a viu pela primeira vez, em São Luís do Maranhão. Era ainda uma menina, mas sua beleza e graça juvenil fascinaram nosso poeta, a ponto de lhe inspirar os poemas que escreveu para ela, Leviana e Seus olhos:

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,

De vivo luzir,

Estrelas incertas, que as águas dormentes

Do mar vão ferir;

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,

Têm meiga expressão,

Mais doce que a brisa, - mais doce que o nauta

De noite cantando, - mais doce que a flauta

Quebrando a solidão,

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,

De vivo luzir,

São meigos infantes, gentis, engraçados

Brincando a sorrir.

[...]

Eu amo seus olhos que choram em causa

Um pranto sem dor.

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,

De vivo fulgor;

Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,

Que falam de amores com tanta poesia,

Com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,

Assim é que são;

Eu amo esses olhos que falam de amores

Com tanta paixão.

Formado em Direto pela Universidade de Coimbra em 45, Gonçalves Dias retorna ao Brasil e a São Luís do Maranhão e pouco foi sua demora na província natal, no mesmo ano que conheceu a menina Ana Amélia, viaja para o Rio de Janeiro. Só irá tornar ao Maranhão cinco anos depois.

Será que nesses cinco anos as primeiras impressões que teve de Ana Amélia foram digeridas, de seu espírito, pelo tempo?

Em suas reminiscências, volta agora, nosso poeta, ao ano de 1851, quando recebe do governo a imcubência de examinar o estado de instrução pública no Norte do país, para onde parte. E, em São Luís do Maranhão, reencontra a menina Ana Amélia moça feita, em pleno explendor de sua fascinante beleza. O poeta é tomado, não pelo mesmo encantamento de 46, mas por uma ardente paixão pela moça Ana Amélia. E é correspondido com a mesma intensidade de sentimento. Enamoram-se.

A notória timidez de Gonçalves Dias é vencida pelo desejo de ter Ana Amélia junto de si, para todo o sempre; e, assim,   pede-a em casamento à familia.

“A família da linda Don`Ana - como lhe chamavam - tinha o poeta em grande estima e admiração. Mais forte, porém, do que tudo era naquele tempo no Maranhão o preconceito de raça e casta. E foi em nome desse preconceito que a família recusou o seu consentimento.

Por seu lado o poeta, colocado diante das duas alternativas: renunciar ao amor ou à amizade; preferiu sacrificar aquela a esta, levado por um excessivo escrúpulo de honradez e lealdade, que revela nos mínimos atos de sua vida. Partiu para Portugal. Renúncia tanto mais dolorosa e difícil por que a moça que estava resolvida a abandonar a casa paterna para fugir com ele, o exprobrou em carta, dura e amargamente, por não ter tido a coragem de passar por cima de tudo e de romper com todos para desposá-la! (Onestaldo de Pennafort, in Antologia poética da fase romântica, Manuel Bandeira)

Oh! Se lutei!... mas devera

Expor-te em pública praça,

Como um alvo à populaça,

Um alvo aos dictérios seus!

Devera, podia acaso

Tal sacrifício aceitar-te

Para no cabo pagar-te,

Meus dias unindo aos teus?

[...]

Que me enganei, ora o vejo;

Nadam-te os olhos em pranto,

Arfa-te o peito, e no entanto

Nem me podes encarar;

Erro foi, mas não foi crime,

Não te esqueci, eu to juro:

Sacrifiquei meu futuro,

Vida e glória por te amar!  (Ainda Uma Vez Adeus!, Fragmentos)

 “E foi em Portugal, tempos depois, que recebeu outro rude golpe: Don`Ana, por capricho e acinte à família, casara-se com um comerciante, homem também de cor como o poeta e nas mesmas condições inferiores de nascimento. A família se opusera tenazmente ao casamento, mas desta vez o pretendente, sem medir considerações para com os parentes da noiva, recorreu à justiça, que lhe deu ganho de causa, por ser maior a moça. Um mês depois falia, partindo com a esposa para Lisboa, onde o casal chegou a passar até privações.

Foi aí, em Lisboa, num jardim público, que certa vez se defrontaram o poeta e a sua amada, ambos abatidos pela dor e pela desilusão de suas vidas, ele cruelmente arrependido de não ter ousado tudo, de ter renunciado aquele que com uma só palavra sua se lhe entregaria para sempre. Desvairado pelo encontro, que lhe reabrira as feridas e agora de modo irreparável, compôs de um jato as estrofes de ‘Ainda uma vez, adeus!’, as quais, uma vez conhecidas da sua inspiradora, foram por esta copiadas com o seu próprio sangue." (Onestaldo de Pennafort, ibidem)

Enfim te vejo! - enfim posso,

Curvado a teus pés, dizer-te,

Que não cessei de querer-te,

Pesar de quanto sofri.

Dos teus olhos afastado,

A não lembrar-me de ti!

A dor do poeta foi grande e incurável. No entanto, lhe inspirou os mais sinceros e profundos poemas dos Novos Cantos; em especial: A Sua Voz, Se se Morre de Amor!, Não me Deixes e Ainda uma Vez, Adeus! Se em suas reminicências quase tudo é tristeza, conforme os versos que escrevestes: “Sentir amor e só topar frieza, / Cismar venturas e só encontrar dores”.

Que é a morte, poeta? É o fim dos males. Dorme-se e tudo morre.®Sérgio.

Veja Também (clique no link):

Os Infortúnios de Gonçalves Dias.

Agonia e Morte de Gonçalves Dias.

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Ajudaram na composição do texto: BOSI, Alfredo – História Concisa da Literatura Brasileira, 3ªed., São Paulo, Cultrix. / VERÍSSIMO, José – História da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro, Record, 1998. / BANDEIRA, Manuel – Seleta de Prosa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997.

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