Carta para Kalena


Lavras, 10 de dezembro de 2008

Oi Kalena,

          Quando li seu comentário senti vontade de escrever-lhe perguntando: por que você não me escreveu uma carta e a publicou no Recanto? Ai,pensei e achei que melhor que dar-lhe esta sugestão seria eu a escrever-lhe uma carta.Para agradecer o comentário e continuar o papo gostoso. Porque o seu comentário foi como uma conversa entre amigas que tem inúmeras afinidades embora você seja uma jovem iniciando a vida e eu uma mulher madura.

          As coisas são muito interessantes: eu nunca tinha ouvido falar de Baubo e nem lido sobre ela embora sempre tenha gostado de Mitologia. Tenho até um poema que escrevi há muitos anos atrás, quando eu era, talvez, até mais jovem do que você é hoje. Chama-se Escandalosamente e vou transcrevê-lo para você:

Meu nome de grega me levou a amar os mitos,
Me interessando pelas histórias antigas,
Em busca dos profundos mistérios da natureza humana e,
Principalmente,
A não ver nada de feio ou degradante
Nas gravuras dos livros de arte
Que se enfileiravam no fundo mais escuro da biblioteca
Porque mostravam homens nus,
Completamente nus.

          Bem, como eu ia dizendo, eu nada sabia sobre Baubo e você chegou inclusive a comprar uma estátua dela! Maravilha! Curiosíssimo você dizer que o outro nome dela era Lamba, advindo daí a palavra lambança. Muito sugestivo. Em Mulheres que correm com os lobos, Clarissa Pinkola Estés cita seu antigo nome como Iambe, que de uma certa forma é parecido com Lamba. Se você ainda não leu este livro é uma boa sugestão. É um livro para se ler devagarinho, um capitulo hoje, outro quando puder. Mas cada capítulo certamente ampliará a sua compreensão do arquétipo feminino.

          Mais interessante ainda do que a história de Baubo é a história que você cita dessa escritora gaúcha – Maria Benedita Bormann. Também nunca ouvi falar dela e achei fascinante. Devia ser uma mulher muito além de seu tempo porque além de escrever sobre assuntos obscenos o fazia em inglês e francês. Tinha mesmo é que usar pseudônimo. Tal como a você, geralmente livros obscenos também não me agradam. Nem mesmo piadas. Mas venhamos e convenhamos, em uma roda de mulheres acaba se transformando em uma catarse. Você precisava estar em nossa oficina para ver algumas delas contando suas piadas. Não conseguiam esconder nem o constrangimento nem o rubor. Mas no fim todas nós acabamos rindo como se fossemos as mais despudoradas das mulheres. 

          Você foi abençoada no lar que nasceu. Não tive esse privilégio, o de nascer em uma casa onde os livros dominavam o ambiente, mas tive o privilégio de ter uma mãe, que embora de origem pobre e praticamente sem estudos criou esse mundo para mim: hoje, o que mais tenho em casa são livros. Tantos que sei que vou morrer sem lê-los todos. E o que mais me fascina é quando descubro algo que não sei. Talvez seja por isso que Baubo me fascinou. Era uma deusa da qual eu nunca havia ouvido falar. E agora essa escritora, a tal que usa Délia como o nome de pena.

          Por seu comentário ficou patente que você, ainda jovem, já tem assunto para escrever centenas de crônicas. Faça isso. Você, tão jovem, repito, já tem um mundo de lembranças tão grande que não deve e não pode deixar perder.

       Interessante é que outra de minhas grandes amigas virtuais e excelente escritora aqui do Recanto também sabia sobre Baubo, pensou em escrever sobre o assunto mas ficou com medo de ser mal interpretada. O que me deixou feliz foi constatar que apesar de tomar cuidado com as palavras eu não tenho mais medo de ser mal interpretada. Sabe por que? Eu escrevo. Quem interpreta é que o faz bem ou mal. Depois que escrevo o texto não é mais meu. Se dane quem tem cabeça suja porque a minha é limpa. Sugiro a você que dê uma olhada em outros comentários em meu texto. Como você mesma disse é muito bom conversar com gente que sabe conversar.

          Um abraço admirativo da 
                                               Maria Olímpia