A carta ( Só se der...)

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Pedra das Flores, em um dia qualquer de um ano qualquer.
 
Oi,
 
Até para começar esta carta estou tendo dificuldade. Não consegui decidir como começá-la. Até mesmo escrever seu nome acho esquisito, então vai assim mesmo, um simples Oi, como você começou aquela carta em que me disse adeus, como se não tivesse coragem de encarar-me. Começo assim, mas não é seguindo a Lei de Talião, uma retaliação, na base do olho por olho, dente por dente. É porque realmente não quero falar com você. Passou. Acabou.
Pensei muito. Cheguei a pensar em não responder, esperando que o meu silêncio falasse mais alto do que qualquer palavra que eu  pudesse lhe escrever. Pensei em fazer com esta carta o mesmo que fiz com a outra e com as lembranças palpáveis de nossa vida em comum: enterrá-la.  Mas fugir da raia não é  mais do meu feitio. Além do mais, a falta de resposta poderia supor que nossa história fosse um fato inacabado, como se ainda pudesse haver alguma esperança. No entanto ela é um fato acabado. Como uma fogueira em que não existe mais nenhuma brasa e as cinzas já tivessem sido espalhadas pelo vento.
Na carta que enviou- me pede uma resposta rápida e, no caso de uma negativa, uma explicação. Não acha muita petulância? Não me lembro de, na carta que me enviou, ter me dado nenhuma explicação. E sinceramente nem mesmo pensei em pedir-lhe. Certos acontecimentos, em uma relação, não precisam de explicação. O que acabou simplesmente acabou e não mais existe. 
 
Nada  para ser feito. Só se der um nó em minha cabeça eu mudarei de idéia e esse  nó teria que apagar os anos em que tenho  vivido praticamente sozinha, neste povoado ausente de qualquer mapa, mas onde descobri que a verdadeira solidão não tem nada a ver com estar sozinha em algum lugar. A verdadeira solidão consiste em estar acompanhada de alguém que, mesmo estando ao seu lado, vive em outras esferas.
Nem mesmo espero que compreenda, se der para compreender, melhor, se não der para mim não faz diferença.
Até qualquer dia, 

                P.
 
 
 
 
(Mais um capítulo de A mulher ensombrada)