Minha Querida Princesinha

Itaituba – Pará, 04 de Abril de 2007.

Minha Querida Princesinha,


     Eu sei que você nunca lerá esta carta, mas mesmo assim vou escrevê-la, eu preciso falar, são anos de muitas lembranças, lembranças que turvam a minha mente e que me fazem chorar em silencio.
     Quero falar da minha imensa saudade, eu lembro de tudo, do dia em você nasceu, é claro que você não lembra deste acontecimento, nós morávamos naquela cidade pequena e sem recursos, foi quando eu tive as primeiras dores. Eu viajei com você na barriga e naquele dia chovia muito, fui sozinha, éramos eu e você.
     Dentro do barco superlotado, não havia lugar para armar uma rede, então eu me acomodei no chão, a dor já começa a incomodar, era tão lancinante que meu corpo se contorcia em mim mesma, eu percebi que você chegaria naquele dia, não teríamos tempo de chegar à cidade para onde íamos, você queria vir ver este mundo e ser minha companhia.
      Foi então que eu falei com a cozinheira do barco e disse o que sentia, ela me pegou pela mão e me levou até o seu camarote e lá nós ficamos, a cozinheira se encarregou de anunciar que havia alguém prestes a chegar.
   Depois de algum tempo, uma senhora foi prestar-me socorro, ela já havia trabalhado num hospital e fiquei feliz em saber disto, mas sabe filha, uma coisa me preocupava muito, o fato de não ter ainda, comprado nada para seu nascimento, é que eu ainda pensava que faltava um mês para você nascer, mas errei as contas, enfim, não havia mais nada que eu pudesse fazer, além de esperar, aqueles foram momentos muito angustiantes, eu pensava em tudo, no lugar onde eu estava, muito frio, o colchão da pequena cama todo molhado pelos borrifos da chuva que entrava pela pequena janela sem proteção, pensava no risco de contaminação, porque vi baratas percorrendo o chão, pensava no que eu ia vestir em você, em como cortaria o teu cordão umbilical.
Viajamos a noite toda debaixo de uma chuva torrencial, o barco, ainda encalhou num banco de areia por três vezes e isto foi ruim, porque tirou minha esperança de chegar a um hospital a tempo.

     Quando o dia estava prestes a clarear, então você chegou e para minha surpresa você era uma menina, só tive tempo de sentir você sendo colocada em cima de minha barriga e então desmaiei, não sei por quanto tempo, mas o fato é que quando voltei, procurei por você, e você gemia baixinho ainda sobre mim, talvez sentisse frio, eu lhe envolvi por inteiro, e vi que você estava vestida, algum bebe também viajava naquele barco, sou grata a ele e à sua mãe.
     Sabe filha, o barco inteiro festejou sua chegada e lhe chamaram Leolina, uma homenagem por teres nascido dentro de um barco chamado Leão II.
Depois que chegamos à cidade, fomos levadas para o hospital e lá ficamos, examinaram você e a mim, aplicaram-me soro, eu estava com hemorragia, mas isto tudo passou, você estava bem.
Quando saímos do hospital, o mais incrível é que no mesmo dia nos deram alta e nos mandaram embora para casa, ficamos hospedadas na casa do irmão de seu pai. Mas poucos dias filha, eu comecei a sentir o rosto todo dolorido, os olhos não podia nem tocar, e numa tarde eu estava em pé quando sentir uma ânsia enorme, corri ao banheiro e vi que estava provocando sangue, olhei-me no espelho e vi que meus olhos também eram só uma pasta de sangue, então filha fui levada a um hospital e lá foi constado uma hemorragia facial, causada pelas condições do parto, eu quase morri, fui medicada e fiquei boa.

     Voltei com você para a nossa cidade. Você cresceu, tinha os cabelos encaracolados, caiam em cachos no teu ombro pequeno, você tão pequena, mas tão terna, toda vez que ia dormir, você dizia: Boa noite mamãe, durma bem, toda noite era assim.
     Quando você, ficava brava e eu brigava com você, depois você vinha e dizia: Desculpa mamãe! A gente se abarcava, se beijava, você era tão doce.
Você gostava de dormir até tarde, mas naquele dia você passou do horário que normalmente acordava, então eu fui até você, e você estava queimando, os olhinhos tão tristes ainda sorriu para mim, rapidamente eu peguei o termômetro e tirei sua temperatura, era muita febre, oh dia difícil filha, numa cidade sem médico, quarenta e cinco dias sem água e sem energia, eu quase enlouqueci, às quinze horas e quinze minutos, você deitada me disse: “Mamãe, me leve ao médico, eu to muito doente”.

     Filha, eu queria lhe dizer, que quando você me disse isto, eu já estava toda arrumada para viajar com você para outra cidade e lhe levar ao médico, mas isto filha foi a última frase que ouvir, não deu tempo, você teve convulsão terrível, teve parada cardíaca, ver teu corpo sendo retorcido pelas convulsões, maltratou minha alma, deveras ainda hoje elas vem em minha mente como um filme de terror, talvez até hoje filha meu grito de socorro e de desespero ainda seja ouvido no infinito, eu só tinha você de filha, você teve meningite, doença terrível, naquele dia eu corri para todos os lados á procura de uma ampola de dipirona e plasil, para fazer baixar a febre, ah meu amor, não sabes, o terror que vivi ao ver o termômetro ultrapassar a marca dos quarenta e dois graus.
     Hoje estou aqui filha, para dizer que sinto muita saudade, mas que também já aprendi a viver com ela e me lembrar sempre dos lindos quatro anos que comigo você ficou. Quando você fez 15 anos, eu imaginei tantas coisas, tantos risos, chorei, apenas chorei.
Ver você e seu irmão partir, foram os momentos mais loucos que já vivi.

     Filha, naquela época as coisas já estavam difíceis, mas hoje minha querida e meiga menina, o mundo mudou bastante, e o coração de muitos se petrificou mais ainda, especialmente o coração daqueles que deveriam fazer por nós o que prometem quando querem o poder, deveriam fazer, não como dever, mas como uma obrigação e um compromisso com o bem estar maior de um povo.
Para você minha, eterna saudade
Você sempre será lembrada em cada dia da minha vida.
Um eterno beijo!
Tua Mãe
Edith Lobato

Minha filha, Leolina Helena Lobato Alves, faria este ano no dia 18 de Dezembro de 2007, 22 anos, foi vítima da negligência que reina neste País e da saúde precária que se arrasta por tanto tempo e por tantas décadas e só vemos os melhores tratamentos aos poderosos que podem pagar os olhos da cara por exames em hospitais mansões.