Sono profundo

Tivera uma noite mal dormida, acordou várias vezes durante a madrugada. Há tempos não vinha se sentindo bem. Passada a semi-insônia, levantou-se mais cedo do que de costume. Tentou abrir a porta da sala e não conseguiu. Súbito mal-estar fez com que quase desistisse; mas quando finalmente deu por si, já estava em plena rua. Aproveitou então para fazer uma caminhada. O dia ainda estava por clarear. As luzes decorativas do Natal continuavam acessas, e o céu fundia-se com as cores cinzentas, em contraste com o que restava do negro noturno.

Caminhou pela avenida Monumental, vazia àquela hora. Passou em frente à Rodoviária, pela igreja de São Bendito e, por fim, ficou estático diante do palco de eventos. Um cenário meio diferente do atual, acentuado por um certo movimento de pessoas, chamara-lhe a atenção. Dezenas de pessoas com trajes e figurinos antigos transitavam pela praça. Claro, como bom observador que era, concluiu que só poderia ser um ensaio ou uma encenação teatral; talvez um filme de época sendo gravado logo às primeiras horas da manhã, sem noticiar a cidade; assim seria mais fácil a produção... Ponderando nisso, ficou a observar todos os movimentos e rostos.

O que mais lhe impressionava eram as cores tão naturais dos figurinos. Lembravam os Anos Dourados, o fim da década de 50, quem sabe entre 1955 e 1958?

O som um tanto baixo e muito peculiar à tal época saíra pelos alto-falantes da praça.

Mas o sol não chegava. Cadê o Sol? O dia estava inerte; o relógio, parado. Os carrilhões também não apresentavam nenhum movimento.

Percebeu algo estranho. Saudosos familiares e amigos foram surgindo. Sua imaginação fértil mais uma vez despertava. Sempre brincara com a morte. Com os mortos. Sempre!

Um medo e um arrepio o percorreu pelas espinhas; os pêlos dos braços começaram a se arrepiar. Quando, de repente, por meio um toque muito suave, sentiu, na sua, uma outra mão apegar-se. A seguir, uma voz doce lhe disse: “Não se assuste. Seja bem-vindo... e fique entre nós!”

Entendeu que era um sonho. Acreditava piamente que era um sonho!

Tentou acordar mas não conseguiu. Desesperadamente, não conseguia!

Por fim, escutou a voz de sua mulher:

–– Bem, acorda! Bem!! Acorda!!! Deixe de brincar de morto!

A voz dela transformou-se num grito desesperado:

–– Filho! Filho, vem cá! Venha logo!! Seu pai não que acordar!!!

Reinaldo Cabral
Enviado por Reinaldo Cabral em 19/02/2009
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