Matilda, e a magia do amor

Ao que tudo indica eu morrerei amanhã. Mas entre ficar trancada e morrer, eu prefiro morrer.

Me chamo matilda e estou trancada na própria aflição da minha alma. Na verdade estou trancada em um porão porque sou uma feiticeira. Nunca fui uma feiticeira ruim, sempre gostei de rosas, de gatos de todas as coras, luzes, música calma e detesto sapos.

Tenho apenas 15 anos. Morava com a minha avó, desde que minha mãe morreu do parto no qual eu nasci. Ah, eu nasci... Minha mãe deveria ter ficado e eu partido. Bom, não importa, agora eu também vou.

Minha avó morreu faz alguns meses- não sei exatamente quantos- o tempo que eu estou aqui, neste porão velho. Me escondi, eram caçadores de bruxas. Disseram que minha avó tinha feito um feitiço para o rei... Não acredito, minha querida avó jamais faria algo para prejudicar alguém, só usava feitiços para cuidar dos animais e das plantas, quando eu me feria, ou algo assim. Era mais fácil eu ter feito o feitiço... Nem sei o que fizeram para aquele rei velho. Não gosto dele, nem mesmo a própria mulher gosta dele, ele é feio e malvado. Alguém deve ter dado o troco por algo que ele fez... Não vou dizer bem feito, por respeito à minha avó.

Minha avó não era uma bruxa, ela era uma feiticeira, ela estava me ensinando a ser uma ótima feiticeira. Se eu não fosse morrer amanhã, gostaria de ser como ela, como minha mãe, como as mulheres da família: todas grandes feiticeiras do bem.

Minha avó me falava muito a respeito de amor. Ela dizia que tudo que eu fizesse deveria ser feito com amor. Que o amor era a magia mais poderosa de todas, que era o sentimento mais brilhante, o ato mais forte. Mas que eu deveria tomar muito cuidado para não deixar que o excesso deste sentimento tão forte, me segasse, me fizesse andar sem saber onde piso, fazer escolhas mal feitas.

É por amor que estou aqui... Por amor à minha avó e minha mãe. Quando eu sai correndo para buscar ajuda naquele dia em que tiraram a vida da minha avó, não havia ninguém que me ajudasse, todos se afastavam de mim por eu ser de família de feiticeiras. Eles iam me pegar também, os cassadores, os guardas, até mesmo o povo. Não tive outra escolha a não ser me trancar no porão secreto do castelo antigo. Usei de magia para me trancar no porão do castelo do rei, pois queria ficar sozinha. Não sabia o que estava fazendo, só fiz, no desespero do momento.

Usei de magia para que os guardas não precisassem me tocar. Mas não pensei, fiz e pronto. Me joguei na minha própria prisão. Não sei sair daqui, se não, fugiria para bem longe. Amanhã eu morrerei, o povo pede isso, ninguém se importa comigo, pois para eles eu sou uma bruxa e são todos indiferentes aos meus sentimentos. Tenho apenas 15 anos, não encontrei um grande amor, estava apenas começando a aprender a viver como mulher. Eu sempre quis ser uma grande mulher. Mas não terei tempo, amanhã tudo acaba.

Eu trouxe comigo meu caderno e alguns lápis na bolsa em que carregava no dia, o livro de magia ficou lá. Eu não sei muitas, se não poderia fazer alguma para desaparecer. É o que mais desejo... Desaparecer, simplesmente sumir, até para mim mesma. Sinto falta de quem eu amo, de quem me amava, então nada mais faz sentido.

A rainha ficou apenas a olhar enquanto os guardas se aproximavam de mim, quando o rei quase me tirou a vida quando descobriu que eu estava aqui trancada. Ela veio atrás dele, vinha com lágrimas nos olhos, implorando para que ele não fizesse nada. Ele não fez, apenas ficou me encarando, olho à olho, depois virou as costas e saiu andando. A rainha demorou um pouco, deixou uma lágrima escorrer, e depois saiu. Ouvi quando ela pediu para que os guardas não se aproximassem de mim, que mantivessem distância, que me deixassem em paz, pois já estou presa e sou uma criança.

Eu era uma criança para ela...

Não estou com medo do amanhã. Se eu pudesse, se tivesse algo para medir o tempo, eu contaria os minutos. "Preparar-me para a morte não significa que me rendas, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue". Eu devo ter lido isso... Não é minha, mas me cabe.

Passo o tempo escrevendo, não há mais nada que eu possa fazer. Tenho meu caderno todo escrito. Não como diário, pois não há muito o que colocar em um diário quando se está presa. Escrevo pensamentos, histórias que invento, misturo fatos com ficção. Eu poderia ser escritora se algum dia ficasse viva. Mas não, só escrevo porque estou presa. Quero esquecer de tudo! Não quero lembrar de mais nada, nem de ninguém. Nem da minha avó, nem da minha mãe, nem da rainha... Quero esquecer, por Deus.

Quando eu parar de escrever quero esquecer que existe um hoje e que existirá um amanhã. Quando eu parar de escrever quero apenas dormir. Que me levem dormindo! Que eu não acorde por nada.

Estou com medo...

Foi um dos guardas que veio me avisar que seria amanhã o grande dia. Disse isso enquanto me trazia comida e água, depois saiu, me deixou.

A rainha... A rainha deveria fazer alguma coisa, ela é mulher, não tem filhos, é apenas uma rainha, não tem mais nada além de seu trono e de sua coroa. Do que vale apenas um trono e uma coroa? Não muito... Estou desesperada! Nem sei mais o que penso e o que digo. A rainha, eu vinha trazer seus legumes, ela adorava os legumes e frutas que minha avó produzia. E eu era quem entregava, ela me agradecia sempre, com um beijo na testa, dizia que eu era uma boa menina, que seria uma linda mulher. Foi ela quem me deu o caderno e o lápis em um dos dias de entrega de legumes e frutas. Ela me lembrava a minha mãe... Não parece, mas acho que minha mãe seria tão gentil quanto. E tão linda quanto.

Ouvi dizer que ela não pode ter filhos. Que teve uma menina, mas perdeu a criança quando essa tinha 2 meses de idade, por uma doença grave. Agora ela não pode mais ter filhos, se não morreria no parto igual a minha mãe.

Eu só teria esperança e desistiria da morte se a rainha viesse. Mas é um sonho, estou febril, ela não pode, ela não vem, por mais que quisesse... Ela não vem... Eu amo a rainha! Não tenho mais a quem amar, por isso amo a rainha com todas as minhas forças agora.

Vou dormir, deve estar chegando o amanhã. Quero apenas estar dormindo. Que me levem dormindo!

Estou febril...

Alguém me carrega... Ou devo estar delirando. Não, sinto uma respiração, alguém me carrega mesmo. Não consigo abrir os olhos, estou com frio, sinto medo. Deve ser um dos guardas, já deve ter chego o grande dia.

São muitos passos. Ainda não consigo abrir os olhos. Talvez seja melhor, eu pedi para estar dormindo. Que seja!

... Acho que morrei de tanto medo. Eu disse que não queria lembrar de nada, mas lembro de tudo e não durmo completamente. Não é justo!

...

É ela! Se não estou delirando, é a rainha quem me carrega. Sinto seu cheiro misturado com suor. Me carrega com dificuldade, como uma mulher carrega algo pesado. Não é um homem, claro que não.

Por Deus, que não seja delírio, que eu não esteja sonhando!

Ela me coloca no chão, sinto minha pele tocar a grama... Estou fora daquele porão horrível. Ela coloca algo molhado em minha testa, passa as mãos em meus cabelos, limpa meu rosto.

Ela diz: "Matilda, sou eu, a rainha. Não me deixe, eu te tirei de lá, vamos ficar bem. Juntas, querida. Cuidarei de você".

Ela pegou a minha mão. Eu abri os olhos e apertei a mão dela. Ela sorriu. A rainha estava com um lindo vestido prata. Estava sem sua coroa, um pouco suada, com os cabelos um pouco desarrumados... Era uma pessoa, era uma rainha normal, linda.

Ela deitou-se ao meu lado na grama. Vi que carregava uma grande bolsa ao lado, tirou um pano e me cobriu. Falou que tínhamos que descansar, pois havíamos andado muito. Ela disse que iríamos para bem longe, que um bom cavalheiro iria nos levar à cavalo para um lugar seguro, onde ninguém nos acharia. Disse ainda que seríamos felizes, que viveríamos como mãe e filha, se eu quisesse. Eu apenas sorri... Ainda estava fraca. Ela levantou-se e me fez sentar em seu colo, me deu uma maga para me fazer ficar mais forte.

Ela disse que havia comprado um vestido para mim, que eu precisava me trocar porque o que eu estava usando estava tão sujo e rasgado que dava medo. Ela sorriu... Depois me deu um beijo na testa.

O cavalheiro chegou com dois cavalos. Eu já estava melhor, conseguia ficar sentada sozinha sem ficar tonta. Já estava trocada, com um vestido rosa e branco. Ele me pegou no colo e me colocou no cavalo, pegou a bolsa que a rainha havia trago com ela e colocou nas próprias costas. Fomos eu e a rainha no mesmo cavalo preto, o cavalheiro foi ao lado no seu cavalo marrom. Ele era bonito, parecia gostar da rainha, eles pareciam ter a mesma idade... Disse que ficaríamos bem juntos, que iríamos para uma vila bem distante e que todos já nos aguardavam por lá.

Fizeram, o cavalheiro e a rainha, um plano para fugirem juntos e me levarem. Eles tinham um romance escondido do rei, ela queria cuidar de mim, como uma filha, queria deixar o palácio, deixar o reino, me salvar e ir embora sem que ninguém percebesse. Foi o que fez! E deu certo. Estamos bem, estamos juntos, vivos.

Nunca quero esquecer a minha avó, nuca quero esquecer de nada... Tudo me faz ficar forte. Minha avó é um espelho, ela é minha inspiração.

É nos momentos de desespero que pensamos que a morte seria melhor que a vida. Pode até ser que seja, mas quando temos a oportunidade de viver para lembrar e estar ao lado de quem amamos, para escrever novas páginas, para experimentar novos dias, para crescer... Fica mais que claro que a vida vale à pena.

Bruna Gonçalves.