HISTÓRIA EXTINTA


Com essa mania de escrever minhas situações, acabei me vendo prestes a publicar um livro.
 
A história que vivi com alguém que trombei em um site de relacionamento virou algo delicioso de ser vivido, e quando passei a escrever tudo o que acontecia, tudo tornou-se ainda melhor com meu toque de deslumbramento.
 
Ele é o tipo de cara que me chama a atenção falando-se de aparência, e dentre muitos com quem falei e troquei contatos, foi o único que não me assustou e que não foi escroto nas palavras que usou.
 
Começamos a sair com regularidade, sempre para o mesmo destino, e nossas transas eram boas, mas descritas por mim tornaram-se maravilhosas e perfeitas, e eu passei a adora-lo, a endeusa-lo e a ignorar o fato de que ele não sentia nada por mim.
 
Quanto mais eu lia as histórias que contavam meu dia a dia com a presença do cara, mais eu ficava apaixonada, mais eu fantasiava uma vida ao lado dele, mais eu me sentia envolvida por suas palavras, manias e seu jeito único de ser.
 
Sentia-me inspirada o tempo todo, mesmo na maior parte do tempo quando estávamos longe um do outro, sentia que ele estava comigo, sentia que ele poderia estar pensando em mim, fiz dele um personagem real, alguém que não existia mas eu podia ver e tocar, e hoje posso enxergar isso.
 
A diferença dessa história para as outras que sempre escrevi, é que passei a enviar a ele tudo o que eu escrevia, e ele gostou, concordou que eu continuasse escrevendo e enviando as novidades para ele, mas isso porque eu ia fundo no erotismo, detalhava nosso sexo da forma que eu sentia, que eu via, o que para ele era trepação para mim era uma história de paixão, algo que ultrapassava os limites das quatro paredes, algo muito especial.
 
Vi-me perdidamente apaixonada por ele e pelas poucas horas que ele podia me oferecer, os e-mails e mensagens, era só isso e nada mais, não havia amizade ou qualquer tipo de compromisso de sua parte, era só esperar a próxima semana e não sair com mais ninguém, e ele é talentoso para isso, sem que ele precisasse me cobrar eu estava a sua mercê, nem sonhava em olhar para outros homens, fui toda dele.
 
Eu estava condicionada a não cobrar e nunca perguntar nada, sentia vergonha das respostas que ele dava quando eu arriscava saber um pouco mais sobre sua vida e rotina.
 
Já eu era literalmente um livro aberto, aproveitava que ele era leitor de minhas histórias para falar sobre mim, escrevia sobre o que eu esperava dele, sobre meus sentimentos e anseios, tentava fazer com que ele se misturasse mais comigo, ou que sumisse de uma vez, mas tudo era sempre igual, ele não comentava o que eu escrevia, pegava minha mão e me levava sempre ao mesmo lugar para fazer as mesmas coisas, mas mesmo assim, aos meus olhos e com minhas resenhas, eu fazia daquela rotina algo espetacular de ser vivido, e ao contrário dos meus planos, minhas resenhas só convenceram a mim mesma.
 
Escrever sobre nós me fez muito feliz, e eu não queria mais perder aquela felicidade mesmo sem resposta as perguntas que eu fazia, mas mesmo assim não pude deixar de ser eu, e acabei me despedindo por mais de uma vez.
 
Ele nunca relutou, nunca se negou a se afastar de mim, escrevia palavras bonitas para corresponder minhas despedidas, palavras que hoje sei que eram copiadas de outras mensagens enviadas anteriormente para outras mulheres.
 
As respostas às perguntas que eu fazia a ele finalmente vieram, oito meses após nosso primeiro encontro, mas não de sua boca.
 
Em sua rede social ele mantinha contato com as mulheres com as quais sustentava um relacionamento duradouro, uma não sabia da outra e nenhuma publicava nada que deixasse em evidência a relação que mantinham com ele, incrível seu poder de persuasão, o cara é ninja nisso, fiquei chocada.

Mas suas armações foram descobertas, e alguém, que creio ser uma delas, montou um 
perfil falso e entrou na rede social enviando mensagens anônimas para "as namoradas" dele, inclusive para mim.
As mensagens diziam que ele filmava suas “rolinhas” durante o sexo, e mostrava os vídeos para outras pessoas, tirando o maior barato da cara de todas, e eu, sabia que ele tinha mesmo essa tara de filmar o ato, e a notícia caiu em mim como uma bomba.
 
Ninguém pode imaginar o que eu senti, um ódio gigante por ele atravessou minha garganta, como ele poderia ter sido tão frio com quem só fez adora-lo? Era inacreditável, mas ao mesmo tempo, toda aquela armação era mesmo a cara dele.
 
A partir disso passei a receber contato de duas das mulheres que também recebeu as mensagens anônimas, e motivada a fazer ele se ferrar por ter sido tão filho da puta, passei a tramar contra ele, estava unida a elas em busca de algo que provasse as acusações contra ele, e falou-se até em denúncia legal.
 
A essas alturas as resenhas não existiam mais, a leitura daqueles textos cheios de fantasia e paixão só me faziam lamentar o fim de tudo o que vivi, apaguei tudo de forma a não conseguir recuperar, eu me conheço bem, mais dia ou menos dia eu iria resgatar e ler novamente.
 
Engraçado ter tido contato com elas, acabei descobrindo muito mais do que quis descobrir, tudo o que ele fazia e dizia a elas, o tipo de relação que ele mantinha com cada uma, parecia que elas mediam forças, dizendo uma para a outra tudo com detalhes, e eu que achava estar vivendo algo tão bom e único, era uma imbecil entre muitas outras que já estavam com ele há anos.
 
Ah sim, ele ainda me acusou de ter bolado o perfil falso, disse que minha forma de escrever se parecia com as mensagens anônimas, isso porque uso gírias, e mais ainda, ele fez com que elas acreditassem nisso também.
 
E assim ele se safou da confusão, as namoradas passaram a brigar entre si, e eu fiz a única coisa inteligente desde que o conheci, afastei-me dele e delas.
 
A confusão ainda rola, ainda recebo mensagens, na certa de uma delas tentando se certificar que não estou mais no páreo, como alguém pode querer viver com um homem assim?
 
Em um instante ele dizia me adorar, em outro me tratou com a mais incrível frieza, como se eu tivesse feito algum mal a ele ou a quem quer que fosse.
 
Tudo foi uma encenação, tudo o que ele dizia e escrevia era falso, era copiado e usado para diferentes situações, ele respondia perguntas diferentes e de mulheres diferentes com os mesmos textos, nem o nome ele precisava mudar, porque tratava todas por apelidos carinhosos, era só copiar e colar.
 
Quando finalmente coloquei minhas idéias no lugar e a paixão, raiva e vergonha não me assolavam mais, pude ver que fiz de um cara vazio e incapaz de gostar de alguém, um verdadeiro deus, fui eu e não ele, fui eu que fiz daqueles dias e meses algo inesquecível e perfeito, ele nunca teve qualquer respeito por mim, qualquer carinho ou consideração, eu ainda estava sozinha e não percebia.
 
E foi após as coisas se acalmarem que recebi o contato de alguém interessado em publicar minha história.
 
Sua história é apaixonante e escrita de maneira única, disse o cara!
 
Eu escrevia por partes, quase em sincronia com os dias em que saíamos, e todos os textos juntos formavam a história que foi escrita até um dia antes das mensagens anônimas começarem a chegar, quando eu escrevia mais quatro ou cinco páginas, mandava tudo completo para ele, fiz até um blog com a intenção dele acompanhar quando quisesse, deixei que outras pessoas tivessem acesso e em poucos dias o blog bombou de visualizações.
 
Mas eu me desfiz de tudo, não fazia mais sentido ler ou escrever mais, apaguei os e-mail que enviei a ele, que recebi dele, as mensagens anônimas, os e-mails e mensagens das namoradas dele, tirei o blog do ar de forma a não recupera-lo mais, e nada restou.
 
Mas e a publicação do livro?
 
O cara da editora tem uma prévia, não tem tudo, e eu não poderia simplesmente dizer a ele que apaguei tudo o que eu tinha, além disso ser um tanto infantil, ele poderia aproveitar e publicar como obra dele, que prova eu teria para dizer que fui eu que escrevi?
 
Fiz o que qualquer um teria feito no meu lugar, entrei em contato por e-mail com o garanhão para pedir que ele me enviasse o ultimo texto que enviei a ele, o que estava completo.

Hesitei muito, porque embora o assunto fosse formal, eu ainda estaria falando do que vivi, o que achei que ele também vivia, estava insegura quanto ao que ele responderia e se responderia, e no fundo imaginei que ele se mostraria diferente da ultima vez em que tivemos contato.
 
Ele foi breve, respondeu com meia linha, disse apenas: “Não os tenho mais”.
 
Ainda insisti mais uma vez, apagar meus e-mails com os trechos da nossa história, não era algo que eu esperava que ele pudesse fazer, eu realmente vivi toda aquela intensidade sozinha?
 
Eu queria sim que ele se lembrasse de mim às vezes, achei que os textos serviriam para isso com o passar do tempo, e saber que ele apagou tudo me surpreendeu de forma ruim.

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Enfim, com exceção das primeiras 30 páginas que achei no meu computador pessoal, a história que escrevi está extinta e o livro não vai rolar, mas a história que vivi, essa está impressa em mim, jamais será apagada, não sinto mais tristeza e raiva, não quero mais esquecer, quero somar a outras histórias tão perfeitas quanto essa (até certo ponto), cada uma do seu jeito, cada uma com seu coadjuvante, e daqui por diante, eu serei a personagem principal.
 
Todas as histórias onde eu estiver presente serão perfeitas se eu assim quiser.


NeiaFreitas
Enviado por NeiaFreitas em 19/10/2014
Reeditado em 22/12/2014
Código do texto: T5004333
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