UM AMOR SERENO
 
 
Num passeio casual à beira-mar, perto da localidade onde morava, a Parede, a meio caminho na linha de Cascais, Carlos travou conhecimento com uma loura inglesa, originária do Yorkshire, mas que falava muito bem português. Ela estava radicada há bastantes anos em Portugal, tinha apenas um ligeiro sotaque que na maior parte das vezes passava impercetível.
Chamava-se Carol, tinha menos três anos que ele e morava numa rua paralela à sua.
Conheceram-se de forma fortuita, como costumam ser todos os conhecimentos de café. Foi numa esplanada com vista para o mar, a propósito do jornal que Carlos transportava debaixo do braço, um vespertino. Ela sentiu a sua atenção alertada pelos títulos do jornal e pediu-lho emprestado. Comentaram uma das notícias e a partir daí estabeleceu-se conversa, pois estavam sentados lado a lado, embora em mesas contíguas.
No dia seguinte encontraram-se na mesma esplanada, o que se repetiu em muitos dias. Com a continuidade das conversas, algo que lhes agradava, Carlos ficou a saber muita coisa sobre ela, no entanto ele, de forma algo calculista (ou seria apenas cauteloso) só deixou escapar o básico.
Soube que Carol era viúva de um coronel do exército inglês desde os trinta e nove anos e ficara com uma excelente pensão por parte do defunto, para além de ter rendimentos de família. Devido à humidade da sua terra natal, escolhera Portugal para residir, sempre era mais agradável. Aquela zona da linha de Cascais fora recomendada por amigos e gostava muito de ali morar, confidenciou-lhe num dos muitos Irish Coffees que tomaram juntos. Ela era grande apreciadora dessa bebida e Carlos também ficou fã, embora soubesse que era bastante calórica, mas guloso como era, não resistia. E a companhia também era relevante para essa tentação.
De uma das vezes, Carol contou-lhe que tivera um namorado durante cerca de ano e meio, mas ele revelou-se uma total desilusão, e resoluta, acabou com a relação sem problemas. Era muito determinada, algo que Carlos sempre apreciou nas mulheres, para além da meiguice.
Dele confidenciou que não tinha companheira sentimental mas resguardou-se de pormenores sobre o seu passado.
Por seu lado, Carlos ficou também a saber outros pormenores, nomeadamente que Carol tinha duas irmãs mais velhas, ambas também viúvas - seria apanágio da família?- e que residiam respetivamente em Londres e no Sussex.
Carlos sempre tivera alguma aversão a pessoas afetadas, esse era o retrato que fazia dos ingleses e surpreendeu-o agradavelmente a sua elegância e simplicidade. Apesar da idade mantinha bastantes traços de beleza, quando mais nova teria sido muito bonita, tinha um cabelo extraordinário, que mantinha curto e lhe dava ainda mais encanto. Talvez fosse um pouco magra, algo que noutros tempos seria desagradável para o seu gosto pois sempre gostara de mulheres rechonchudas, mas já tinha ultrapassado a fase dos físicos curvilíneos. Ligavam muito bem um com o outro, sem qualquer margem para reparos e isso era o mais importante. Além disso, bem vistas as coisas, Carlos também já não era, nem por sombras, um Adónis.
A amizade aprofundou-se progressivamente e como seria de esperar, passaram a ser visita constante um do outro. Carlos começou a gostar dela e secretamente concluiu que sentia por ela algo mais que amizade.
Em casa de Carol eles nunca estavam sós, tinha uma cadela golden retriever, muito meiga e que o adotara: sempre que ele se sentava no sofá da sala, lá vinha ela abanando alegremente a cauda, trepava para o assento e descansava o focinho na sua coxa, olhando-o com um olhar doce, quase irresistível. Elas foram um par extremamente meigo que o acompanhou ao longo desse ano e parte do seguinte.
Em casa de Carlos ouvíam música até tarde, desde jazz até música clássica, ela era devota de Debussy. Conversavam horas a fio sobre imensos assuntos, depois, galantemente, ele acompanhava-a a casa, despedindo-se respeitosamente com um beijo na face.
Muitas vezes, aos fins-de-semana, caminhavam pelo passeio ao longo do paredão marginal, passeando a cadela e respirando o ar forte do mar, deliciando-se com esse aroma húmido e tão peculiar. Aí, despreocupadamente, andavam de mão dada, como miúdos.
Nunca houve sexo entre eles, nem um único beijo ou outra carícia mais íntima, apenas um profundo bem-estar que ambos sentiam na companhia mútua, algo que Carlos sequer imaginou quando era mais novo mas que lhe foi muito benéfico, uma experiência inesquecível. Afinal, nem só de sexo vivia o homem...
Infelizmente, em finais desse ano, Carol teve de ir a Londres porque a irmã que lá morava adoeceu gravemente. Escreveu-lhe duas semanas depois dizendo que precisava de ficar por lá uns tempos pois a irmã falecera e a outra irmã não queria vir para Portugal, estava desolada. Era a única parente chegada que tinha e Carlos compreendeu a situação. Deixou de ter notícias dela, o tempo foi passando, não respondia às suas cartas e então sentiu o vazio, a falta da sua companhia, Carol tornara-se uma presença diária na sua vida.
Por fim convenceu-se que ficaria esquecido para sempre em Portugal. Ela deveria ter avaliado a sua situação e seria mais importante ficar com a irmã do que vir ter com ele.
Viveu muito tempo triste e nunca mais teve companhia feminina.



 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 25/02/2015
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