O SHEIK

Me ame quando eu menos merecer, pois é quando eu mais preciso. Provérbio chinês

Há muito tempo atrás, num lugar muito distante, vivia um sheik. Havia assumido o comando da sua cidade após a morte do seu pai e como era de costume, todo o harém deveria ser substituído, somente as mães dos filhos do velho sheik sobreviveriam, as demais mulheres seriam mortas ou escravizadas e enviadas para outros reinos. Mas dessa vez o novo sheik liberou todas as mulheres para que seguissem seus caminhos. Livres.

Deu a cada uma delas uma quantia em ouro para que pudessem sobreviver. Uma delas, a mais nova das concubinas do seu pai, tocou sua mão e disse que enquanto estivesse viva seria agradecida a ele e quando precisasse era só pensar nela que viria socorrê-lo.

Essa atitude do Sheik causou grande espanto entre os nobres daquele reino, mas quem o conhecia intimamente, sabia que sua benevolência era maior que sua própria riqueza. Desde criança gostava de viver entre seu povo, disfarçado, passava o dia no mercado, correndo entre as bancas e camelos. Adorava ficar olhando a maneira como os mercadores comercializavam as mercadorias, ouvir as histórias dos viajantes, sentado em volta de uma fogueira ou no alto de algum prédio, sentado apreciando toda dimensão do reino de seu pai. Nunca imaginara ser um Sheik e ter que cuidar de tudo e de todos, mas a sua hora chegara.

Sua maior conselheira era a mãe. Uma mulher ainda linda, apesar de sua idade. Foi a primeira esposa do velho Sheik e teve que esperar por dez anos antes de engravidar. O menino crescera e atingira seus trinta anos e agora teria que se casar e formar seu próprio harém. Apesar de contrariado aceitara a missão de escolher uma esposa e várias concubinas para ocuparem seu harém.

Não muito longe do castelo, vivia Tamira, esposa de um grande mercador de tapetes e jóias. Sonhadora e romântica, mas desiludida com seu casamento. O marido era bruto e desatencioso, apesar de supri-la em tudo que precisasse, ainda assim passava a maior pare do seu tempo com os cotovelos na grande janela e um olhar perdido no horizonte, como se esperasse um príncipe encantado. Numa tarde seu sonho se realizou. Uma pequena nuvem de areia despertou sua atenção. Quem a produzia era um lindo cavalo branco ocupado por um cavaleiro em roupas negras e douradas. Cada momento crescia a imagem do cavaleiro e cavalo se aproximando. De repente ele parou, como se aguardasse alguma coisa. Era outro cavaleiro, um pouco menor, montado num cavalo negro e brilhoso. No alto da duna os dois ficaram admirando o horizonte sem notarem o par de olhos fixados neles. Ela nem imaginava que aquele cavaleiro fosse o jovem Sheik com a sua pretendente e imaginou sendo ela o outro cavaleiro com seu príncipe e prontos para partirem para uma viagem sem destino. Como se a imaginação e alma de Tamira atingisse o jovem Sheik, ele voltou sua cabeça para a vistosa construção e pode ver um rosto entre o quadrado da janela. A distância e a poeira impediam que ele focalizasse o rosto envolto por um lenço vermelho. Como se atraído puxou a rédea para a esquerda e cutucou a barriga do animal levemente. Parou próximo a uma tamareira e saltou, depois ajudou o outro cavaleiro a descer e como se procurasse um balde para pegar água no poço, caminhou até a janela. Ao mesmo tempo em que descobria seu rosto, movimentava a cabeça para baixo em sinal de respeito.

- Boa tarde, minha jovem! Posso matar a sede dos meus cavalos. Disse o Sheik sem tirar os olhos daquele rosto jovem e radiante.

- Claro, Sheik! Disse ela se levantando da sua cadeira e saindo pela porta aflita e desconcertada pela visita inesperada do nobre.

- Acalme-se, senhora! Eu mesmo vou me servir. Basta me dizer onde posso encontrar o poço.

- Ali. Disse ela apontando sem tirar seus olhos do belo homem.

O Sheik agradeceu e puxou a companheira até o poço, encheu um dos baldes e colocou próximo a boca de seu cavalo. Pelo canto dos olhos ficou acompanhando a silhueta da linda jovem. Ainda podia sentir o perfume de almíscar que ela devia estar usando.

Terminou de dar água aos cavalos, ajudou a moça a subir no seu cavalo e foi até Tamira.

- Que Alá a proteja! Disse ele curvando o corpo em respeito.

- Que Alá o acompanhe! Respondeu.

- Que ele traga meu caminho mais vezes até aqui.

Sem resposta apeou em seu cavalo e seguiram para o castelo. Naquela noite duas almas ficaram apreciando o céu estrelado e a lua esplendorosa.

Por dois dias, Tamira continuou ali presa naquela janela, na esperança que Alá guiasse aquele homem até sua casa. Ficou envergonhada com seus pensamentos e devaneios, mas não conseguia parar de imaginar nos braços daquele jovem.

No terceiro dia, já desesperançosa, avistou novamente a poeira aumentando no horizonte e a silhueta de cavalo e cavaleiro se aproximando. Seu coração disparou, não sabia se de emoção ou desejo, ajeitou vestido e lenço e saiu a espera do visitante. Era ele. Agora vestido num traje branco e dourado, como se fosse um anjo. Baixou os olhos em respeito. O Sheik amarrou o cavalo na tamareira e seguiu até onde estava Tamira.

- Que bom vê-la novamente e bem! Disse ele curvando a cabeça.

- O mesmo, meu Sheik! Deve estar sedento com tanta poeira e calor.

- Se puder me servir um pouco de água fresca.

- Não preferes um suco de tâmara?

- Seria bem melhor.

- Então entre, meu senhor e seja bem vindo a essa simples moradia.

O Sheik não conseguia tirar os olhos daquela mulher. Os olhos negros eram como os de uma serpente quando enfeitiça sua presa antes de devorá-la e o corpo forte e esguio e a ponta do cabelo negro saindo pelo xale. Quis se aproximar mais e abraçá-la, conteve-se.

- Aqui está, meu senhor.

- Obrigado. Como chama?

- Tamira.

- Um lindo nome para uma linda mulher. Mora aqui sozinha?

- Não! Meu marido e minha dama de companhia.

O Sheik ficou decepcionado. Aquela linda mulher já possuía alguém que a aquecesse e a amasse. Deixou escapar um sorriso de decepção, notado pela jovem, que ficou rubra e estremecida. Sentiu um certo interesse da parte dele por ela. Ele então como se estivesse apressado, devolveu o copo, ainda com metade do suco e agradeceu. Saiu pela porta e subiu em seu cavalo, acenou com a cabeça e esporeou mais forte o cavalo.

Duas luas, e o Sheik ainda estava frustrado e amargurado. Não acreditava que a única mulher, dentre tantas, que despertara em seu coração uma agonia jamais sentida. Ficara isolado naquele quarto da torre, de onde podia ver ao longe a vila onde ficava a casa da jovem mulher. Comera pouco e nem comparecera nas festividades para o anúncio do seu casamento. Deixara a mãe e os conselheiros afoitos e preocupados, afinal a princesa que seria sua esposa estava para chegar e assinar os conformes para o casamento. Ele não queria ver ninguém, lamentava-se junto a Alá pelo seu destino e quanto mais se lamentava mais sentia falta daquela mulher. Tinha que tentar esquecê-la.

Na manhã seguinte mandou arrear seu alazão negro e foi cavalgar sozinho, dispensou sua guarda pessoal e voou em direção da casa da jovem Tamira, mas antes de chegar mudou de direção e foi seguindo para os campos de trigo no vale. Só não notara que a jovem estava em pé junto a porta e pode ver quando ele mudou de direção, frustrou-se, queria tanto que ele tivesse a coragem de seduzi-la e possuí-la, mas não se conteve, montou em seu cavalo e foi em direção da poeira.

O Sheik descera do cavalo e puxando-o pelas rédeas caminhava por entre os cabos dourados do trigo e não percebeu que um pouco atrás uma jovem também descia do seu cavalo e seguia a mesma trilha. Quando ele ouviu o bater dos cascos no chão, parou e viu a jovem que soltava as rédeas e corria em sua direção. Dois corpos se chocaram e os lábios selaram um beijo longo e acalorado. Os corpos caíram entre os ramos dourados, formando uma cama natural e entre beijos e uivos silenciosos foram se desnudando até que seus líquidos se encontraram e explodiram num orgasmo alucinante e inesquecível, para ambos.

Ficaram ali por horas, nus, amando, acariciando, deixando que promessas se perdessem em lábios úmidos e prensados, juras de amor apertavam as mentes da mesma forma que os braços envoltos nos corpos. O tempo tinha que parar, mas o sol já teimava em se esconder e eles precisavam voltar cada um para o seu mundo real.

Assim o tempo foi passando, e todas as manhãs, o jovem Sheik se dirigia para a casa da bela jovem Tamira, sempre aguardando as viagens do marido, conforme combinado um lenço vermelho seria colocado no galho da tamareira para informar que o caminho estava livre. Todo cuidado era pouco, pois o crime de adultério naquele reino, era a morte por apedrejamento, nesse caso o Sheik estaria livre, pois nenhum nobre era atingido por essas leis. Tamira, sim, seria apedrejada até a morte.

Três primaveras se passaram, e o amor crescia como as areias do deserto, os dois não tinham mais as preocupações de perigo, no palácio, a esposa do Sheik pouco o via e quando o procurava em sua cama era repelida com desculpas de cansaço ou algum mal estar. Do outro lado era a mesma coisa e sem perceber despertou desconfianças em seu marido, que contratou um homem para vigiar a esposa, as escondidas, enquanto viajava. E não demorou muito para receber informações que um nobre visitava sua esposa sempre que ele viajava e o sinal era um lenço vermelho na tamareira.

Na noite seguinte o marido colocou o lenço vermelho na tamareira, e não viajou, ficou ali na sala esperando o sedutor. Tamira estava presa em seu quarto aflita pelo que poderia acontecer com seu amado, implorava pelo perdão de Alá. Mas já era tarde, pode ouvir o abrir da porta de entrada da casa.

O marido armado com sua cimitarra afrontou o visitante, mas a deixou cair aos seus pés quando viu o rosto do Sheik. Caiu de joelhos e as estendidas em respeito.

- Levante-se homem!

- Perdão meu Sheik. Achei que fosse uma outra pessoa.

- Eu sou quem você esperava.

O homem sentiu correr pelo corpo um ódio e ao mesmo tempo um temor em tomar qualquer atitude. Levantou-se e encarou o nobre Sheik.

- Como tiveste a audácia de invadir meu lar e maculá-lo. Disse o homem com a mistura de ódio e desespero.

- Não posso negar meu ato pecaminoso, mas não a renegarei. Diga o que quer para libertá-la de seus deveres.

- Como ousas achar que a mulher que vive em minha casa, é uma mercadoria que pode ser comprada. A minha honra não tem preço.

- E o que pretende fazer?

- Não posso acusá-la, pois eu também a perderia e o senhor continuaria a sua vida de riquezas e prazer.

- Não a tenho por mero prazer. É por amor. Nunca amei outra mulher como amo Tamira e quero levá-la para o palácio comigo e podermos viver nosso amor até o fim de nossas vidas.

- Quer dizer que sofrerias com a ausência dela em tua cama?

- Morreria de tédio e solidão.

- Então esse será o castigo para os dois amantes. A solidão e o desejo deverão queimar a carne e o coração. Essa será a minha vingança. Se visitares essa casa novamente eu a entregarei ao ulemá para ser apedrejada e ter seu nome riscado do livro sagrado.

O Sheik sentiu uma leve tontura de tamanha angústia, pensou em matar o marido, mas recuou em sua reflexão, o amor deles não valeria nada se estivesse as mãos manchadas com o sangue de um inocente. Deixou que as lágrimas escorressem pelo seu rosto e saiu da casa. A partir desse dia o palácio virou uma prisão para o jovem Sheik. Não se alimentava, adoecera e causara um rebuliço entre os astrólogos, médicos e adivinhos da corte.

Quanto a Tamira fora considerada uma criminosa pelo marido, que a condenou a vestir trajes velhos e rasgados e fazer todo o trabalho domestico, antes feito pelas escravas. Mas ainda assim ele temia que ela fugisse e se refugiasse no palácio, não confiava em ninguém e não colocaria nenhum homem para cuidar dela. Assim em suas viagens encontrou um feiticeiro persa muito renomado e procurado, contou sua história e em troca recebeu uma poção. Essa poção duplicaria a sua idade se caso ela cometesse o pecado da luxúria e do adultério, mesmo que fosse somente com o coração. Desiludido e desonrado aceitou a poção, sabendo que ela ainda pecava em pensamentos, com certeza ela teria cinquenta nos em breve.

Três luas cheias foram o suficiente para suportar a solidão e a dor da separação, iria roubá-la do marido e fugir para outro lugar, longe de tudo e de todos. Sorrateiramente escapou pelas paredes do palácio e facilmente saiu com seu alazão em direção da casa de Tamira. A casa estava as escuras, mal iluminada por um ou dois candeeiros, circundou a construção para certificar que o marido não estava ali. Não estava. Forçou a porta e entrou. Uma velha senhora estava sentada e mal iluminada pela luz do candeeiro ao seu lado.

- Senhora! Não temas! Só preciso falar com Tamira.

- Não me reconheces, meu amado. Disse ela tirando o lenço que envolvia seu rosto.

Por alguns segundos, o Sheik ficou ali parado com o olhar fixo naquele rosto envelhecido, com rugas em volta dos lábios e dos olhos, o cabelo mal tratado e grisalho, mas foi pelos olhos que o fez cair de joelhos. Com as mãos cobrindo seu rosto desesperado, deixou a cabeça cair no colo largo da velha senhora, o seu amor Tamira.

- Levante-se meu senhor e parta! Não quero a vergonha aumentada com a tua visão.

- Não é a vergonha que me faz ficar desesperado, mas sim o castigo a ti aplicado.

- Vá embora, meu senhor. Por favor! Gritou Tamira em prantos.

- Mas não vou sozinho. Virás comigo ainda quero viver esse amor que está em nossos corações.

- Prefiro a morte a ter que ser olhada por você, meu senhor! A morte!

O Sheik se aproximou dela e a abraçou com o mesmo carinho e afeição, beijou seus cabelos grisalhos e disse:

- Você não vai morrer, não agora! Ainda quero viver os minutos que faltam te amando e te desejando.

- Como poderás me amar uma velha?

- Ficaríamos velhos de qualquer maneira, nunca conseguimos quebrar o tempo.

- A velha sou eu e não nós, meu senhor. Parta por favor!

- Meu amor! Se acreditavas que o único motivo que me trazia até tua casa, era a jovialidade do teu corpo, então ainda não aprendestes o que é amar. Eu te enxergo pela alma, pelos sentidos, pela batida de um coração que derrama uma paixão incontrolável. O meu amor por você vai além de um efêmero gozo, vai contra a natureza, que tenta te imitar na beleza, contra o Sol que teima em ter teu calor, contra a Lua que em vão procura a mesma luz do teu olhar, contra a distância que insiste em me cansar, esse amor jamais vai findar por causa de uma travessura do tempo, farei dos teus cabelos grisalhos a mesma cama de ramos de trigo na primeira vez que te possuí, farei das tuas rugas os sinais que indicam onde fica a boca com o mais doce néctar ou olhos que me salvam da solidão e do desespero. Vou te possuir como um alazão no cio e sentirás o meu amor e dedicação todos os momentos da tua vida.

Sem dizer mais nada, o Sheik a puxou pela mão, ajudou com sua subida no cavalo e a levou para o alto da torre, onde havia passado os piores dias da sua vida.

No dia seguinte mandou um emissário a procura do mercador e o fez entregar um baú com pedras preciosas e uma carta, onde explicava que se ele tentasse qualquer acesso a Tamira, teria seu corpo desmembrado e dependurado por toda cidade. No final dava-lhe outro ultimato, que morreria se fosse visto naquelas terras. O mercador recebeu a recompensa e rasgou a carta, afinal aquela velha mulher rendera bem mais que os próximos vinte e cinco anos de trabalho e partiu para sempre.

Daquele dia em diante, o Sheik ficou com Tamira no alto daquela torre, queria viver até o último momento de suas vidas, amando-a, enaltecendo-a e zelando. Apesar da idade avançada, Tamira remoçava a cada noite de amor com o Sheik, banhos com óleos importados, massagens orientais, chás afrodisíacos tudo isso parecia uma fonte de juventude, mas o que eles não sabiam é que o antídoto era acionado no corpo dela toda vez que o sangue dos dois se encontravam nos gozos e fundiam em um só. A cada noite de amor ela reverteria um dia da sua velhice.

Kiko Zampieri
Enviado por Kiko Zampieri em 03/08/2015
Código do texto: T5333071
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