As Noites Brancas-Capítulo 6:Arrancando os sorrisos dos desesperados

Eu não sou do tipo de pessoa que costuma frequentar boates ou clubes.Na verdade,eu nem gosto de ir para lugares como esses.A ideia de ir para um local fechado,cheio de luzes coloridas,com pessoas se entupindo de álcool e algumas drogas ilícitas (tenha isso em mente) e dançando ao som da maioria das porcarias que passam na rádio não me atraem.

Várias me pessoas me chamam de chato por causa disso.Não reclamo disso.São muitas as vezes nas quais eu duvido se eu sou mesmo um idoso no corpo de um jovem.

Mas enfim.

Eu decidi começar falando isso porque eu nunca tinha ido para uma boate antes.Até agora.

Tente imaginar isso:Eu,sentado no banco de trás de um carro,ao lado de Marcela e a amiga dela no banco do motorista.Até aí nada de especial.

Mas eu estava morrendo de ansiedade.Aquele tipo de ansiedade que você sente quando você faz pela primeira vez uma coisa bem distante da sua rotina.A cada curva e a cada palavra vinda da Marcela e da amiga dela que eram direcionadas à mim,eu ficava mais perto de pintar o interior do carro com o meu almoço.

E eu não estou exagerando.

Pra falar a verdade,essa ansiedade ficou me corroendo desde que a Marcela me convidou para ir com ela e uma amiga dela para uma boate.Fiquei alguns minutos pensando se essa seria uma boa ideia,mas falando de uma forma sincera,eu aceitaria qualquer coisa para esquecer o que ela disse quando fomos comprar vinho e a Rebecca.Principalmente a Rebecca.Eu poderia lidar com uma mulher sem emoções numa boa.Ou pelo menos acho que posso.

Enfim.

Por um breve momento,o banho frio que tomei conseguiu me acalmar.E foi bem triste ver essa tranquilidade quebrar quando eu vi as duas pararem na porta da minha casa.Desci as escada com as mãos no bolso.Uma tentativa inútil de tentar acabar com a tremedeira que as assolava.Abri a porta e eu as vi.A amiga de Marcela tinha um tom de pele pardo,um cabelo castanho e encaracolado e usava uma mini-saia roxa e uma camisa branca com uma pintura borrada de Marilyn Monroe.E Marcela,sempre bela,tinha a sua habitual maquiagem e um simples vestido negro,acompanhado por um decote que deixaria até o mais hábil dos pistoleiros invulnerável.

É.

Parece que estou bem acompanhado.

Bom,aonde eu estava mesmo?

Ah,lembrei.

O foguete Almoço 1 tinha se preparado para decolar do meu estômago.Ele só precisava de uma deixa.Para poder impedi-lo,tentei lotar a minha cabeça com pensamentos felizes e positivos.Cachorrinhos,cachoeiras,macaquinhos,filmes sem-graça de Sábados à noite...Fui tentando até não poder mais.Não tinha certeza absoluta se isso iria funcionar.Por precaução,tinha um dos dedos pousados sobre o botão da janela.

Por incrível que isso possa parecer,minha ansiedade foi rapidamente cortada quando nós chegamos na boate.Eu quase me embananei quando saí do carro,de tão surpreso.Entramos na boate de forma tranquila.As duas andavam ao meu lado.

A boate era bem grande.Havia uma área destinada ao bar,uma pista de dança com uma plataforma de DJ no centro e várias mesas ao redor.Algumas eram próximas à parede da boate.E antes que eu esqueça,TUDO,absolutamente TUDO na boate era pintado com um tom de azul.Até as luzes da pista de dança eram azuis.Pelo jeito,até o nome desse recinto tem azul no nome.

Para uma primeira vez,eu me acostumei rápido com uma boate.Deveria vir aqui mais vezes.Mas não deixar de ser chato por causa disso.

Enquanto as meninas iam para o bar para pegar umas bebidas (e uma água para mim) eu fui procurar alguma mesa vazia.Acabei achando uma próxima à parede.O sofá estofado da mesa conseguiu dar um pouco de calma ao meu corpo,visto que a música alta pertubava os batimentos do meu coração.

E como a vida é uma metralhadora de surpresas e ‘’poréns’’,que são jogados freneticamente na sua cara até você deitar no chão e implorar por misericórdia ao mesmo tempo que usa ‘’chega’’ como vírgula,tinha que ter algum problema.

E esse problema foi:Enquanto eu observava o ambiente da boate (sério,um dia eu vou ter um papo com um boçal que fundou esse troço),eu virei o rosto levemente e vi Rebecca em uma mesa.Com um homem.Pele negra.cabelo raso.Exuberante barba.A sós.

Saco.

Não faz muito tempo que eu a esqueci e ela já aparece de novo.E para me causar ciumes.Ou tentar me esquecer de vez.Ou os dois.

Antes de pensar mais alguma coisa sobre isso,as meninas chegaram na mesa com suas bebidas (e a minha água).Elas começaram uma conversa comigo.Tentei usar a conversa delas para me distrair.Não funcionou.Não i9mportava o quanto elas queriam saber de mim ou o que eu achava sobre tal assunto.Eu carregava este par de pistolas que chamo de olhos e disparava um olhar para a mesa de Rebecca a cada piscada de olhos e a cada batida do meu coração.Cada troca de carícias e palavras de amor (Eu sou ruim de leitura labial,porém eu tenho certeza de que a maior parte do que eles falavam eram palavras de amor),sentia um calor fulminante corroer cada centímetro dos meus ossos e tremer a minha pele.Havia momentos nos quais eu simplesmente esquecia a conversa das meninas e transformava os meus olhares rápidos em encaradas esquisitas.

E não demorou para rolar um beijo de língua entre os dois.Quase catapultei um palavrão da minha boca.Apertei a garrafa de água na minha mão com tanta força que a água transbordou da garrafa e molhou a mesma.Uma das meninas me chama.Eu olho para elas.Marcela me pergunta se eu estou bem.Falo que estou com a cabeça quente.Foi difícil olhar para as expressões assustadas das duas.Elas se viram e conversam por sussurros.Enquanto isso,eu olho para a minha mão molhada e tento limpá-la com a camisa.E quando estive perto de finalmente limpá-la,Marcela se aproxima de mim e fala isso no meu ouvido:

‘’Nós vamos dançar agora.Quer ir com a gente?’’

Claro que sim.Abanei a cabeça.

Ela sorriu.Pegou a minha mão seca e me levou para pista de dança.

A pista de dança,embelezada pelas luzes azuis do chão e pelas lâmpadas,fedia a cerveja barata e a tabaco.Pelo menos eu iria dançar.

Só que eu não sei dançar.Eu nunca dancei na minha vida.

Tentei resolver isso rapidamente.Olhei ao redor e tentei fazer o que a maioria estava fazendo.Marcela riu de mim ao ver o quão desconfortável eu me sentia ao dançar.

Mas tudo bem.

Não havia como não estar gostando daquilo.Estar realmente num momento divertido com a Marcela.Tinha me esquecido do que ela me disse no outro dia sobre ela não sentir nada.

Porém,nem mesmo o mais simples momento de diversão foi o bastante para desviar a minha atenção de Rebecca.Toda vez que eu a via enquanto eu dançava,ela olhava para a pista,mas não olhava para mim.O homem que a acompanhava mantinha o braço por cima de seus ombros.Ele olhava para uma direção oposta.Rebecca tinha uma estranha expressão de curiosidade.Como se ela esperasse por algo.Ou por alguém.

Marcela me puxa para perto dela e quebra a minha atenção.Ela coloca seus belos e delicados lábios perto de um dos meus ouvidos.Ela diz:

‘’É ela,não é?’’

Eu não queria,mas eu acenei a cabeça para sinalizar que sim.

‘’O que acha de despertamos ciúmes nela?’’

Antes de pelo menos tentar responder,ela me beijou.Um beijo de língua.Um beijo de língua bem dado.Ela beija bem.

Confesso:Apesar de não estar esperando por isso,eu gostei.E eu deveria não ter gostado do fato de que a Marcela queria causar ciúmes na Rebecca.Mas eu gostei disso também.

Resultado:Quando o beijo acabou,vi que Marcela tinha um sorriso sutil no rosto;a amiga dela tinha um sorriso de orelha a orelha,como se ela tivesse esperado por aquilo;olhei para a mesa de Rebecca e a vi olhando para mim,com uma cara de surpresa misturada com decepção e,por último,senti que meu rosto ficar vermelho como fogo.

Não sou um especialista,porém acho que a Rebecca não gostou disso.

Nem um pouco.

Pois bem.

A única coisa que eu fiz a respeito disso foi:Ir ao banheiro.

Sim.Ir ao banheiro.Acabei de ser beijado por uma menina pela qual estou interessado.E foi ela quem começou o beijo.Isso porque eu dei atenção demais para uma menina que já gostou de mim.E a única ação que veio á minha cabeça foi ir ao maldito banheiro.

Adoro minha cabeça.

Enfim.

Foi fácil achar o banheiro.Fiquei um tanto quanto surpreso ao ver o oceano de azulejos brancos que cobria as paredes do banheiro.Uma das poucas partes da boate que não é inundada pela cor azul.Passei um pouco de água no rosto e vi o contraste entre o vermelho intenso do meu rosto e os azulejos brancos atrás de mim.Um branco limpo.Um branco inocente.Respirei bem fundo e refleti sobre como eu cheguei naquela situação.Em um dia,eu conheci uma menina que achei que valeria a pena.Poucos dias depois,ela me revela o tipo de pessoa que ela é.E,mais alguns dias depois,ela me beija de repente só para causar discórdia.

Como estar jogado numa praia do Caribe num dia e estar morando sozinho num iglu no Polo Norte no outro.

Finalmente me recompôs.Saí do banheiro e passei perto da pista de dança.Marcela não estava mais lá,mas a amiga dela ainda dançava.

Andei até a nossa mesa.Andei com medo.Medo de ser surpreendido.Surpreendido de novo.

Vi Marcela sentada nela.Tinha uma garrafa de cerveja barata nas mãos.Ligeiramente embriagada.

‘’E aí?Gostou do que eu fiz?’’

De uma certa forma,o desconforto que eu experimentei ao ouvir aquilo foi imediato.Principalmente pelo fato daquilo ter saído da voz dela.

Respondi que sim.Um não era impossível.

Reuni coragem para falar o que eu realmente queria falar desde aquele beijo inesperado porém bem-vindo.

‘’Eu não entendo’’,minha voz contida disse.

‘’O quê você não entende,meu querido?’’,ela disse enquanto se aproximava.A empatia na sua voz ilustrava o quanto se preocupou.

‘’Lembro muito bem de você ter me dito que não sente emoções.Mas por quê tu me beijou?Por quê ainda fala comigo?Você realmente sente alguma coisa por mim?’’

Minhas perguntas a afetaram como uma bala de canhão.Por um momento,ela não soube o que falar.Só quando ela deslizou sua fina mão pelo meu cabelo,as suas palavras engatinharam.

‘’Porque não sentir nada é um saco.Sabe,já me envolvi com outro antes de você.Nenhum deles conseguiu fazer com que meus sentimentos acordassem.Mas você é especial pra mim.Você é interessante.Eu espero muito que você apague essa estranheza dentro de mim.Eu sei que tu pode.’’,suas palavras fluíam como lágrimas de uma dama implorando por uma gota de vida.

‘’Tá,e por quê você me beijou?’’,não tinha necessidade de perguntar isso,mas eu perguntei de qualquer forma.

‘’Porque eu cheguei perto de sentir amor por você.Mesmo que fosse só um pingo,cheguei bem perto.E além disso,te acho bonitinho.’’

Isso respondeu (e muito) a minha pergunta.

Depois de sua resposta,a amiga de Marcela se aproximou da mesa e disse que estava cansada.Queria ir embora.Marcela parecia bem abatida.Ainda mais depois das suas confissões.Eu também preciso recarregar as minhas baterias.

O trajeto até a minha casa foi recheado com o absoluto silêncio.Não falamos nenhuma palavra.Quando o carro chegou na minha casa,me despedi de Marcela com um beijo em sua testa.Como se fosse uma garantia de que eu iria quebrar o feitiço jogado sobre ela.

E como de costume,tem sempre aquele momento no qual estou deitado na cama porém a minha mente não entra em Modo Descanso e fica refletindo sobre várias coisas.

Como é possível que uma pessoa como ela consegue viver com todo esse veneno no seu interior?

Será que eu vou conseguir tirar esse veneno dela?

Enquanto eu tentava arrancar alguma resposta para essas perguntas,os meus olhos iniciaram o seu merecido descanso.Me lembre do beijo dela.Frio,assim como o seu toque,mas com um estalo de calor.Só um estalo.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 04/02/2016
Código do texto: T5533465
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