O Bar do Ernesto – Paixão e Memórias entre Quatro Paredes

Eram dezenove horas quando Miguel deixou o escritório onde trabalhava. Caminhava observando tudo ao seu redor: as folhas que caíam das arvores outonais, os pedestres que corriam apressados a seus compromissos e o trânsito que agitava a pacata rua dos Girassóis. A noite caía de modo pacato e timidamente uma estrela brilhava no horizonte, indicando que a noite seria agradável e convidativa para uma ida ao famoso bar do Ernesto.

A algumas quadras, com a cabeça cheia de pensamentos e tropeçando em seus próprios monólogos, Julia procurava respostas das quais não podia dar. O escritório de arquitetura e os problemas daquela semana a consumiam de tal maneira que dormir ou comer eram um luxo a mais. Por descuido quase foi atropelada por um carro vermelho de luxo que transitava nas transversais da avenida Limeira. Recobrada do susto e com a cabeça mais fresca, decidiu andar mais algumas quadras e tomar um bom drink no Ernesto. Seus problemas poderiam não ser resolvidos, mas aquele momento era só seu e isso nem o trabalho nem ninguém poderiam atrapalhar.

O ambiente no bar do Ernesto era diversificado. Jovens de classe média se aglomeravam por um chope gelado aliás o melhor na região sul da cidade. O ambiente pequeno porém aconchegante era uma espécie de refúgio a todos que saíam do trabalho no final do dia. De corretores da bolsa a empreendedores, todos gostavam do tratamento que o senhor já sexagenário e seus funcionários davam. Foi neste clima amistoso e sem se conhecerem que a sua maneira, Miguel e Júlia entraram no bar, cada um por um lado e pedindo por uma cerveja gelada e sentaram próximos um ao outro.

A final de um campeonato europeu de clubes fazia com que o ambiente do Ernesto fervilhasse. Gritos, a risada alta e a famosa resenha fazia com que os aplicados garçons tivessem trabalho para atender a demanda dos apaixonados pelo esporte bretão. Aguardando por sua cerveja há quinze minutos, Miguel decidiu levantar-se e ir pedir no balcão. Enquanto caminhava de encontro ao bar, fitou com curiosidade a ruiva que estava sentada a sua frente. Seus olhos castanhos e lábios finos porém bem contornados com batom fizeram os batimentos de seu coração acelerarem e aguçaram o instinto de aproximar-se. Chegando ao balcão e fazendo seu pedido, escreveu um bilhete singelo pedindo ao garçom que fizesse a entrega. Em poucos instantes, um sorriso malicioso saía dos lábios de Júlia, que graciosamente respondia o bilhete com seu nome e telefone ansiando por um retorno. A noite corria normalmente com os fanáticos por futebol ainda discutindo os lances polêmicos e as jogadas que haviam levado o Bayern de Munique ao primeiro campeonato mundial. Em um clima de mistério e sedução, Miguel e Júlia já familiarizados trocavam mensagens animadas e já agendavam um próximo dia para se encontrarem.

Duas semanas depois, as vinte e duas horas, Júlia, atrasada quinze minutos cruzava os salões do Chateau de La Fondue em busca de Miguel para jantarem. Usava um vestido azul escuro que em contraste com sua pele branca a deixava garbosa. Seus cabelos ruivos presos por uma presilha lhe davam ar de menina moleca enquanto a boca fina, bem desenhada com gloss e batom tratava de desmistificar a mulher que andava com passos decididos. Rodou por cerca de cinco minutos até que o garçom do local percebendo que estava deslocada a indicou a mesa onde Miguel trajando uma calça cáqui e camisa branca cuidadosamente escolhida para a ocasião lhe esperava com um sorriso doce, quase infantil.

As horas seguiram entre conversas amenas, discussões acaloradas e dicas profissionais. Com paladares aguçados provaram as delícias da culinária francesa da entrada ao prato principal. Enquanto um cantor piegas arranhava cantar La Vie en Rose, uma das mãos cuidadosamente macias de Miguel acariciava o rosto roborado de Júlia. Apesar daquele jantar, não estava acostumada a encontros românticos e seu último affair durara apenas algumas semanas por conta do atribulado trabalho que tinha. Arriscando gestos e trejeitos que aprendera nos filmes, Miguel que também não era um conquistador profissional tentara ser o mais natural possível. Ao fim da sobremesa e café cremoso, cuidadosamente preparado pelo chef, saíram de mãos dadas rumo apartamento de Júlia a poucas quadras dali para continuarem o animado papo. Caminharam através das transversais da avenida Paulista, entre jovens que buscavam diversão, executivos que ainda trabalhavam até tarde da noite, prostitutas em busca de um amor barato e ambulantes buscando um lugar para exibirem suas mercadorias. Chegaram às portas do Edifício John Zigg sem perceber o quanto haviam caminhado e subiram ao décimo terceiro andar, no apartamento 1330 onde Júlia morava.

O apartamento de Júlia era pequeno e funcional. Uma pequena sala em divisória com a cozinha de formato americano que atendia suas necessidades. Um corredor que dava para os dois quartos e banheiro e uma lavanderia com grande janela de onde podia avistar todo o verde do bairro de Cerqueira César. Pelas paredes, quadros de Pop Arte misturados a fotos de momentos distantes e recentes davam vida ao ambiente. Preparando um whisky com pouco gelo e uma dose de Club Soda, caminhou até a sala onde Miguel já a esperava. Tomaram mais alguns goles discutindo sobre as arquiteturas da vida e como o ser humano chegou a perfeições jamais vistas.

A meia luz tornava o momento em que viviam ainda mais aconchegante e romântico, Júlia percebendo que a situação fugira de seu controle, apagara mais um dos abajures deixando a luz ainda mais baixa. Com cuidado e lembrando-se dos filmes que vira, Miguel cuidadosamente beijou seus lábios, passando pelas bochechas coradas, orelhas e nuca. Deslizou suavemente as mãos pelas costas procurando de forma direta o zíper do vestido azul da moça ruiva. Enquanto baixava o zíper com cuidado exemplar, sussurrava coisas inteligíveis no ouvido de Julia que tinha os pelos eriçados pelas palavras. O que se seguiu noite adentro foram gemidos, urros de prazer e corpos exaustos de tanto se amar. Como em uma cena de filme, após o ápice do prazer, Júlia vestiu a lingerie preta cuidadosamente escolhida para a ocasião e a camisa de Miguel, fez um coque com os ruivos cabelos e caminhou em direção à janela com um cigarro na mão. O breu no quarto, iluminado apenas pela noite clara, era perfeita para que o rapaz contemplasse a silhueta de Julia e imaginasse mais uma ou duas obscenidades. Ao apagar o cigarro, caminhou de volta a cama larga que muitas vezes testemunhou sua solidão e por mais algumas horas ficaram ali, se amando, se acariciando, como se o tempo claro lá fora não fosse o bastante.

Amanhecia um lindo domingo de outono quando Miguel levantou-se sem fazer o menor barulho e contemplou pela última vez o sono de Julia. Seus rosto calmo era a imagem angelical que buscava em seus sonhos e que idealizara nas trovas que compunha nos momentos solitários. Ficou ali por mais ou menos meia imóvel como se aquele momento fosse único e inesquecível. Passada a contemplação, juntou suas roupas, tomou um rápido banho e deixou um recado com dizeres doces à Julia que o leu horas depois. Contemplou as palavras com os olhos brilhando e continuou ali imóvel em meio aos lençóis que testemunharam todo o amor que tinha para oferecer.

O apartamento ainda foi testemunha de outras cenas tórridas de amor, de brigas, desentendimentos, retornos, idas e vindas, foi o ninho de amor e discórdia do casal unido pelo bar do Ernesto. Júlia mudou-se, foi morar em Londres após o término definitivo do romance e atendendo um desejo pessoal de mudar definitivamente de ares para esquecer os momentos que ali viveu. Pintou os cabelos de negro, ganhou uns quilos extras graças a dieta de fish and chips e cerveja Heineken e vive uma lua de mel consigo mesma rodando todos os pontos possíveis da Europa fugindo de seu passando que segue a assombrá-la. De seu ex amor só leva boas recordações e um nobre sentimento que ainda carrega consigo. Por terras brazucas, o bar do Ernesto continua servindo o melhor chope da zona sul e ainda é o point dos jovens de classe média. Miguel finalmente tornou-se dono da empresa onde trabalhou por anos como empregado. Nos fins de tarde, ainda segue a rotina de descer a rua dos Girassóis e fazer o happy hour no local onde encontrou Julia pela primeira vez. Entre um chope e uma dose de whisky com clube soda, os momentos vividos entre aquelas quatro paredes se torna vivo em suas retinas como se fosse um filme ao vivo. Atormentado pelas lembranças e pela despedida melancólica, ainda atravessa as alamedas da avenida Paulista em direção ao Edifício John Zigg e o apartamento 1330. Chegando lá, observa a mesma fachada de mármore preta e as janelas que seguem céu acima até do vigésimo andar. Enquanto minuciosamente procura o décimo terceiro andar, lágrimas teimam em lhe saltar dos olhos, trazendo à tona todos os momentos vividos no aconchegante apartamento. Um piscar de luzes é suficiente para que caia em si e volte a caminhar sem rumo a caminho de casa, deixando todas as emoções que um dia sentira nas esquinas e alamedas da mais Paulista das avenidas.

Marcelo Almeyda
Enviado por Marcelo Almeyda em 29/04/2016
Código do texto: T5620513
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