O Oportunista - Parte I.

Já era alta madrugada e eu ainda não tinha conseguido pregar os olhos, estava preso dentro daquele mísero cubículo a qual minha mãe insistia em chamar de lar. O pior de tudo é que eu me via obrigado a ter que levantar todos os dias exatamente as quatro e meia da manhã, tomar um banho rápido, me arrumar, mal dava tempo de tomar um cafezinho chupado e tinha que me apressar se não quisesse perder o ônibus que me levaria até a estação de metrô, em seguida teria que tomar um outro ônibus que me deixaria a dois quarteirões do meu emprego que por sinal não era lá grande coisa, o meu salário era tão miserável que mal dava para pagar as contas de água, luz, aluguel e comprar alimentos; nunca sobrava um tostão para entrar numa loja e comprar um tênis, uma calça bacana ou uma camisa transada, o máximo que eu conseguia era comprar em brechós, isto quando as peças estavam em liquidação. Os parentes distantes quando me viam, diziam que tinha tido sorte por ter conseguido passar no vestibular e estudar Administração numa universidade pública, sempre que eu ouvia algo parecido, eu fechava os olhos e pensava comigo a respeito do assunto, só Deus sabia o quanto eu tinha me esforçado passando noites em claro para não deixar a oportunidade de estudar escapar dos vãos de meus dedos e quando passei e comecei a estudar, foi mais difícil ainda conseguir assimilar tanto conteúdo, trabalhos e provas, aguentando firme para conseguir concluir a minha graduação sem ceder a vontade de trancar a matrícula. Enfim, foram anos exaustivos, contudo consegui me formar. Ilusão foi ter acreditado que um diploma superior me abriria as portas da esperança, passei meses fazendo entrevistas e nada de conseguir uma colocação no mercado de trabalho, a concorrência era tanta que os selecionadores sempre optavam por um outro candidato que tinha mais bagagem profissional. Diante das frustações e desespero do filho, minha mãe conversou com o patrão dela, seu Mercedes, e ele aceitou me dar uma oportunidade de estágio na matriz de sua rede de supermercados. Foram seis meses de avaliação e finalmente consegui a efetivação como auxiliar, ou seja, eu seria um faz tudo.

Por mais que a situação fosse crítica, eu jamais poderia culpar a minha mãe pela nossa desgraça social, ela não teve culpa se o safado do meu pai tenha a engravidado, liquidado a sua conta bancária e fugido levando não só o pouco que ela tinha, como também a sua dignidade e o sonho de se tornar uma professora. Foi muito difícil para ela ter que trabalhar fora, criar e sustentar uma criança e mesmo não podendo dar tudo o que eu precisasse, pelo menos ela pôde me dar amor e educação.

Por mais que eu sempre tenha amado a minha mãe por todo sacrifício que ela tenha feito por mim, verdade seja dita é que desde a infância, eu nunca consegui aceitar tanta pobreza, principalmente quando ela me levava para o trabalho, aos fins de semana e feriados na casa da dona Berta, sua patroa, que fazia questão de deixar bem claro que eu não poderia passar da porta da cozinha onde era o local para a criadagem. Brincar com seus filhos era inadmissível, tanto que o seu filho mais velho, o Lucas, que tinha a mesma idade que eu, fazia questão de fazer travessuras e ao ser questionado sobre a autoria das diabruras, apontava o dedo para mim e sua mãe me expulsava de sua presença e ele a abraçava rindo de mim pelas costas dela, pois sabia que eu não passava de um nada o que não deixava de ser verdade.

Minha mãe sempre sabia da verdade, mas com medo de ser demitida, acatava as ofensas de sua patroa, me pegava pelo braço e colocava sentado numa cadeira da cozinha até dar o horário de voltarmos para casa. Vanessa, a filha caçula de dona Berta, era apenas dois anos mais nova do que eu e nunca me tratou com indiferença, ela era sorridente e meiga, acredito que essa qualidade ela tenha puxado do pai que nunca me lançou se quer um olhar de desprezo, sempre foi simpático e me dava um presente em meus aniversários, sua esposa não aprovava o fato de ele ter mais simpatia por mim do que pelo seu próprio filho, acredito que ela sentia um pouco de ciúmes e tomava as dores por parte de seu filho mimado.

Quando Vanessa completou 17 anos, sua mãe a enviou para os Estados Unidos para estudar moda em Nova Iorque que era seu sonho desde menina. Lembro que teve um dia em que ela tentou me fazer de manequim para testar suas criações e eu fiquei muito engraçado com todas aquelas peças espalhafatosas, nós nos divertimos tanto que ela resolveu tirar uma fotografia de nós dois juntos para guardar de recordação. Depois da viagem, eu vagamente tinha informações sobre ela já que a minha mãe era muito reservada e não costumava se intrometer nos assuntos de seus patrões.

O Lucas se formou em Economia, mas nunca se interessou em ingressar na área, raramente visitava os supermercados de seu pai e quando ia era só para paquerar as funcionárias novatas que se iludiam acreditando que poderiam se tornar nora do chefe. O que ele gostava mesmo era torrar o dinheiro do pai indo para as baladas e voltando bêbado para casa praticamente todas as noites.

Quando comecei a estagiar, conheci Beatriz, uma operadora de caixa linda, que acabou me conquistando com o seu olhar tímido e sincero, ela era sonhadora e como todo pobre, só ficava no sonho mesmo, porque diferente de quem tem boas condições financeiras, por mais que o pobre se esforce, sempre surge algum tipo de imprevisto e ele vai adiando os seus planos, e quando percebe o tempo passou e ele acabou nadando e morrendo na praia. Começamos a sair por um tempo e decidimos namorar, fui até a sua casa para conhecer os seus pais e ao adentrar a porta, percebi que ela havia conseguido me superar no quesito de pobreza. Algo dentro de mim me deixava inquieto, por mais que eu gostasse dela, não conseguia idealizar um futuro junto dela, ela era conformada demais, talvez agradecida demais por ter tão pouco e conseguir ser feliz. Infelizmente eu não era.

Mesmo contrariado, talvez envergonhado por me relacionar com uma moça tão humilde, lá se foram um ano e meio de namoro. Depois de todos esses meses, ela começou a me pressionar para levarmos nosso relacionamento mais a sério, para irmos para o próximo o nível, se nos amássemos, deveríamos nos casar. Comecei a ficar sem desculpas para me livrar da ideia do casamento e ela começou a desconfiar de que eu não a queria em meu futuro, já que ao ser promovido a subgerente, as coisas haviam melhorado um pouco para mim, eu andava mais arrumado com roupas de linho fino, bons sapatos e perfumes de marca. Ela começou a acreditar que eu havia arrumado outra o que não passava apenas de suposições e no intuito de convencê-la do contrário, ficamos noivos.

Em meio à turbulência que eu estava vivenciando dentro de mim, numa bela tarde no trabalho, eis que cruzo o corredor e vejo adentrando pela porta principal de braços dados com o meu chefe, a moça mais linda e elegante que eu já tinha visto em toda a minha vida, ela olhou para mim, sorriu e saiu correndo em minha direção e me abraçou, era Vanessa.

Eu até havia me esquecido que logo atrás de nós ficava o caixa da Beatriz e ela não ia gostar nem um pouco de me ver abraçando outra mulher em pleno expediente de trabalho. A primeira coisa que Vanessa notou foi o anel de compromisso em minha mão direita, e ao ser questionado confessei que estava de casamento marcado, então a apresentei a Beatriz, elas se cumprimentaram e aparentemente estava tudo bem já que se tratava da filha do chefe e que era minha amiga de infância.

Subimos até o escritório pondo a conversa em dia. Papo vai, papo vem, e ela me convidou para irmos jantar naquela mesma noite e que eu poderia levar a Beatriz se eu assim preferisse. Achei melhor não, afinal, ela não saberia se comportar direito em um restaurante refinado, ela iria acabar me fazendo passar vergonha.

Confesso que passei momentos incríveis enquanto estive na companhia de Vanessa, seus assuntos, suas experiências, até o seu modo de falar era tão perfeito, era tudo tão encantador, tão fora da minha realidade que eu fiquei fascinado e nem percebi as horas se passarem.

Após o jantar, caminhamos um pouco sob as estrelas, em seguida ela tomou um táxi e se despediu de mim me dando um beijo na boca. Aquilo me deslumbrou.

Ao chegar em casa, liguei o meu celular e haviam várias chamadas perdidas da Beatriz, mas eu não retornei as ligações, não queria estragar o meu fim de noite. Não consegui dormir. Na manhã seguinte, pulei da cama e me arrumei mais do que de costume, minha mãe quis saber do motivo de tanta euforia e eu contei sobre o meu encontro com Vanessa e ela pareceu não ficar muito contente com que ouviu, mas não disse nada e por mais que ela dissesse, nada tiraria o sorriso de meu rosto.

Cheguei ao trabalho e já fui colocado contra a parede, Beatriz estava chateada comigo e queria saber o porquê de eu não ter a tendido, dei uma desculpa esfarrapada e tratei logo de sair de perto.

Recebi uma chamada pelo rádio, e subi até o escritório, era seu Mercedes querendo falar comigo. Ele me perguntou se eu era ambicioso e eu respondi que sim, que eu tinha muita vontade de me tornar alguém na vida. Ele me fitou um pouco os olhos, em seguida, disse que Vanessa havia contado a ele sobre a noite passada e que na opinião dela, eu estava sendo desperdiçado na empresa, ela pediu que o pai me desse uma oportunidade de crescimento. Foi aí que ele me ofereceu o cargo de supervisor administrativo e eu aceitei.

Gabi Alves
Enviado por Gabi Alves em 25/05/2016
Código do texto: T5646118
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