Minas deu leite, são paulo café e no meio disso eu amei você

Não ousaria nem por um milésimo de segundo tentar voltar no tempo e evitar todo aquele circo de horrores que se formou bem na minha frente. De repente, daqui a alguns anos tudo isso vai perder o sentido e as cores de todas essas lembranças vão se tornar eufemismos, fazendo-me realmente querer chamar de passado o passado.

Outro dia, estava andando no calçadão da praia quando fui atingida por um lapso de interrogações. Por que havia tanto tempo que não sentava para observar toda aquela imensidão cercada de areia? Por que não mais parei para sentir o tempo passar sem me preocupar com o próprio tempo?

De todas as verdades que não sei, somente posso afirmar uma: passamos a vida atrás da nossa felicidade e depois vivemos um novo conflito, que gira em torno de nos questionarmos se realmente merecemos toda essa felicidade.

Quando era menor, escutava de meus pais sobre responsabilidade. Um dia procurei no dicionário que ficava em cima da estante da sala e vi o significado. Nossa, devo dizer que achei assustador e muito chato de me imaginar dentro de toda aquela formalidade.

Sendo menor, poderia me enquadrar dentro de outra palavra: irresponsabilidade. A magia dessa palavra, na época me encantou, me deixando sem escolhas maiores. Sem dúvida, era muito mais fácil ser irresponsável. Porém, não teve jeito, pois de tanto ouvir sobre responsabilidade e ver tantos apontamentos, acabei me tornando chata e responsável.

Na escola, meus cadernos e tudo que correspondia a mim chamava a atenção de todos. Era uma crise mundial quando por uma questão de acidente eu encontrava uma orelha em um livro, por exemplo. Me sentia a pior pessoa do mundo, como se tivesse roubado um ovo do ninho de um pássaro.

O encantador em ser menor é não termos a noção de sermos menores. Sempre nos vemos como grandes perto de outros e nos achamos maiores do que de fato somos. Depois, o tempo passa e passamos a ser grandes, enxergando-nos como grandes, pois se não aceitarmos a realidade, ficamos para trás.

A transição de idades é um tanto cruel. Chega um tempo em que nos tornamos tão chatos e insuportáveis. A responsabilidade não é mais uma escolha, e a irresponsabilidade é normalmente associada ao resultado de uma noite acompanhada de Vodka.

Lembro de ver os adultos tomando bebidas alcoólicas e escutar que se eu tomasse pararia de crescer e voltaria a ser um bebê. Ficava em pânico e em todas as festas eu cheirava os copos umas três vezes só para ter certeza do que estava bebendo. Mentiras de adultos, inocências de crianças.

Da escola, lembro-me de nunca estar em grandes conflitos. Tinha horror a discussões e meus amigos sabendo disso, nunca me envolviam em fofocas de banheiro ou de corredor. Grande responsável que eu era. Um dia isso acabaria e acabou.

A ordem do tempo é louca e às vezes constrangedora e imprevisível. Hoje isso faz todo sentido para mim e não me parece mais ser algo obsoleto ou distante de uma veracidade perceptível.

Em 2009, estava no meu ultimo ano do colégio. Tudo era tão diferente e estranho. Palavras antes nunca escutadas, ou pelo menos não percebidas passaram a circular em nosso meio. Os assuntos estavam mudando diariamente, e o que antes era muto engraçado já não fazia tanto sentido. Em outras palavras, mas sem generalizar, estávamos amadurecendo. Amadurecendo? Essa palavra se encaixa bem na sociedade, mas confesso até hoje que ela cabe melhor em frutas.

Na primeira semana de aula, recebemos a notícia de que alguns professores foram substituídos. Dentre eles, a Sra. Mônica, que dava aula de português e o Sr. Pedro, lecionava História Geral e do Brasil. Para mim, dois grandes professores descobertos na pré-história de tanta bagagem de conhecimento.

Confesso que foi um choque me deparar com as novas figuras responsáveis por passarem o conhecimento necessário para alguma coisa e talvez ser esquecido algum dia. O novo professor de português parecia meu avô. Não pela proximidade de aparência, mas porque era estilo " Meu nome é Hélio e em breve me aposento". Usava um colete preto, que o acompanharia por muito tempo e uma calça social azul- marinho. Tinhas pés grandes e seus sapatos realçavam isso. Bom, pelo menos passava uma boa imagem e certa tranquilidade ao falar.

Já o professor de história, era totalmente o contrário e parecia muito mais um aluno. De cara ficou claro que tinha menos de 30 anos. Falava com muitas gírias e procurava deixar claro que o papel dele não era se tornar um mito ou trauma para qualquer um de nós e que infelizmente só haveria um jeito de aprendermos algo na vida: com alguém ensinando. Falou que odiava aplicar provas, pois só prejudicam, mas não haveria outro jeito. Enfim... sabíamos que teríamos uma boa relação com ele.

No fim de semana eu e alguns amigos fomos ao shopping. Para nossa surpresa, Felipe – o professor de história- estava parado na frente da livraria, olhando e parecendo não querer comprar algo específico.

Alguém o cumprimentou e ele de imediato abriu aquele sorriso lindo, com toda a sua simpatia. "Sorriso lindo"? Sim, e depois de perceber o sorriso dele, também reparei nos olhos, boca, nariz e tudo que meus olhos poderiam enxergar.

Depois de uma conversa de alguns segundos continuamos andando, mas eu fiquei sem rumo. Comentei com uma amiga: - Nossa... ele é mais bonito dentro ou fora da sala? Ouve silêncio e depois as risadas maldosas começaram. Até então, meu comentário não fazia sentido para mim.

Quando cheguei em casa, me peguei pensando nisso enquanto a água caia sobre mim. Não fiquei muito à vontade com aquilo, pois afinal, estávamos vivendo uma sociedade muito avançada e moderna, cujos fatos antigos como se apaixonar pelo professor não cabia mais. Não dei importância e fui dormir.

A segunda-feira logo chegou, anunciando todo seu ritmo lento. Queria mesmo é que chegasse o dia da aula do Felipe, porque precisava saber o que sentiria ao vê-lo novamente.

Felipe era recém-formado na licenciatura, e descobrir isso me custou ficar com muita vergonha ao perguntar para a diretora. Falei que pensei que o conhecesse de algum outro lugar e perguntei sobre ele. Tudo bem que não foi muito original, porém foi eficaz.

Bom, o dia chegou e juro que fiquei olhando para frente, tentando não deixar meus olhos o acharem. Inevitável. Senti mais uma vez aquela corrente elétrica correndo dentro de mim sem o menor pudor ou respeito. Fui mais uma vez invadida e confirmei o que antes era duvidoso, ou pelo menos achava duvidoso.

Meu coração acelerava cada vez que ele mudava a entonação da voz. Era como se estivesse regendo uma orquestra e a cada movimento brusco ou intenso, houvesse mudança no ritmo da música. A orquestra era meu coração e o regente era ele.

Precisava falar aquilo com alguém, mas quem? Quem seria capaz de me ouvir sem julgar ou fazer apenas piadas me constrangeriam? Fui falar com uma amiga mais velha que tinha conhecido no salão de beleza que minha mãe frequentava. Comecei devagar, porém depois desaguei toda história. Ela ficou calada e ouvia com tom de total compreensão.

Seria a vez dela comentar sobre o que tinha acabado de ouvir de mim e eu estava ansiosa q com medo ao mesmo tempo. Com total certeza do que estava falando, ela disse:- Não vi nada de assustador nisso, e quero saber de você somente uma coisa: o que você está esperando para partir pra cima dele? Vai fundo e vê o que acontece. Ele não é tão mais velho e acabou de se formar. Não é tão diferente de você.

Ouvi e questionei: - E como você sabe que ele não é tão diferente de mim?

- Exatamente! Eu não sei, mas estou dizendo que você deve tentar saber mais dele e conhecer o que existe de desconhecido – respondeu, finalizando o assunto.

Bom, eu estava era perdida e não sabia se deveria ou não continuar com essa loucura. A vontade de conhecê-lo era real e me arrebatava. Mas como? Eu só tinha me relacionado com pessoas da minha idade e na maioria em festas. E se ele percebesse algo e fizesse um escândalo? Deixei o tempo passar e seguir o fluxo natural.

Um dia, estava ido pra casa, quando uma voz invadiu meus ouvidos: - Ei, Íris! Olhei para trás e era ele, Felipe, o professor de história.

-Olá, professor!

-Não precisa ser tão formal. Pode me chamar de Felipe mesmo.

Pensei em mil coisas que poderia falar, mas nada funcionou.

-Ok. Olá, Felipe! Tudo bem?

- Sim. Eu queria te parabenizar pela participação que tem tido nas aulas e pelo seu trabalho sobre o iluminismo. Esse é um assunto que sempre cai no vestibular.

- Ah... obrigado, Felipe. Eu realmente gosto desse assunto, mas nem parei para pensar em vestibular.

- Sério? Mas daqui a pouco serão as provas. Tem em mente que profissão vai seguir?

- Olha... minha mãe é jornalista e meu pai é biólogo, mas nenhuma dessas coisas me atrai. Eu gosto de arte, música, sei lá... liberdade para pensar.

- Entendo. Complicado, porque normalmente os pais exercem alguma função sobre os filhos. Normalmente mencionam com total tom de obrigação medicina e engenharia.

- Sim, mas eu não posso ver sangue e odeio matemática, então... menos um problema para resolver.

Continuamos andando e conversando sobre um futuro próximo. De certa forma, tinha descoberto muitas coisas sobre ele. Paramos em frente ao meu prédio e nos despedimos. Nada de formalidades, mas sim dois beijinhos no rosto e um até logo bem preguiçoso.

No elevador, ainda tentava me recuperar da taquicardia. Até que tinha me saído bem. Não demonstrei nada além do que deveria. Ficaria a tarde inteira sozinha e seria impossível não pensar no que tinha acabado de acontecer. Sendo assim, aproveitei para fazer o mais apropriado: stalkear Felipe no Facebook.

Não foi difícil e logo o encontrei. Para minha tristeza, estava tudo bloqueado. Teria mesmo que adicionar? Bom, adicionei, porque o máximo que poderia acontecer era ele não aceitar. Depois de alguns minutos vibrei de alegria. Felipe não só me aceitou, como também mandou uma mensagem de boas-vindas.

Começamos a conversar e durante horas ficamos assim, até que ele precisou sair para dar uma aula particular. Aquela palavra "aula particular" me atentou para uma futura necessidade.

"Você cobra quanto em suas aulas particulares?"

"Depende de quem seja."

"Seria para mim. Estou pensando no vestibular."

"Pensando no vestibular?"

"Sim, comecei a pensar hoje depois de nossa conversa."

"Bom, podemos conversar sobre isso. Não faria um preço muito alto"

"Tudo bem, depois vemos isso. Boa aula. Até mais."

"Até mais! :)"

Deitei na cama completamente exausta. Aquela conversa tinha sido absolutamente perfeita para mim. O sono rapidamente me levou para seus aposentos, onde apaguei, desligando-me de tudo.

Depois desse dia, não nos falamos mais. Parecia que alguém estava tentando controlar a situação. Se não era eu, somente poderia ser ele ou poderia ainda ser coisa da minha cabeça.

As aulas continuaram acontecendo e a matéria foi ganhando volume. Além disso, o vestibular estava se aproximando e eu estava convicta a fazer a prova. Minha mãe me encorajou, mas meu pai disse que não havia necessidade de ter pressa. Bom... a escolha nos dois casos seria minha. Já estava inscrita.

Alguns sentimentos são avassaladores e sempre deixam marcas. Em muito pouco tempo eu estava afetada pela existência de Felipe, mas conforme o tempo foi passando, o sentimento cresceu, mas ficou estático. Eu não mais me desdobrava em querer fazer acontecer. O tempo foi literalmente o agente apaziguador dos fortes e intensos sentimentos.

Eu continuei minha vida e preferia às vezes até pensar que tudo aquilo tinha sido uma grande quase loucura realizada. Uma pergunta sempre me encarava: será que se eu tivesse insistido em falar com ele, tentar ficar mais próxima e outras ações. O que será que ele faria? O que será que ele pensou quando começamos a nos falar aquelas vezes?

A interrogações existem para se conflitarem com as afirmativas. Nós afirmamos muitas coisas, mas muitas das vezes nós afirmamos por não termos conseguido saciar uma interrogação. É assim que a vida vai construindo os dias, meses e anos. É dessa forma há muito tempo. É dessa forma que sempre vai ser.

Eu diria que o amei. Do meu jeito eu o amei. Foi mais intenso para mim? Pode ser que tenha sido, sim. Amei sem nunca ter encostado nele? Sim, mas faço questão de dizer que o amor é assim e é sentido de muitas formas por diferentes pessoas. Amar parte de um ponto comum de sentir, mas depois nada é igual.

Posso me lembrar de todas essas coisas hoje, e já até contei para meus sobrinhos. O tempo voa, mesmo que estejamos sempre prontos a fingir um estado de administradores do nosso próprio tempo e donos do nosso próprio passo.

É confortante hoje para mim lembrar, que em meio a todo esse avanço temporal, diversidade e liberdade na social, eu, ainda como estudante do ensino médio consegui sentir algo puro. Algo que antigamente era muito mais comum de se escutar nas rodas de amigas enquanto pulam corda ou jogam amarelinha.

Eu vivi esse sentimento e hoje vivo para contar. Amar não é o fim do mundo e nem acontece uma só vez como muitos teimam em falar. Cada um é de uma forma e cada um é capaz de fazer crescer um tipo de amor. O amor dura enquanto tiver que durar e existe da maneira que deve existir.

Tenho uma filha e gostaria que ela vivesse pelo menos uma vez isso. Que uma pessoa aleatória provocasse nela todas essas sensações e que seu jeito administrasse a situação da melhor forma ou da forma desejada. O que é bom para mim nem sempre será bom para ela. As escolhas estão em caixas e ela deverá encontrá-las.

A vida deu uma volta e me surpreendeu. Jamais pensei que passaria no vestibular. Jamais me imaginei casada ou com uma filha. Jamais pensei que iria entrar em um banco para negociar uma dívida. E jamais pensei que teria amado tão inocentemente meu professor de história do Ensino Médio e que hoje ele seria meu marido.

Quer saber qual é a maior surpresa de todas? A própria vida.

JBorsua
Enviado por JBorsua em 25/05/2016
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