Noites Felizes

O céu coberto de estrelas não garantiu uma noite feliz. Tampouco a vista do Arpoador e da praia de Ipanema.

A mulher ressonava suavemente na cama. À direita, o Dois Irmãos velava a noite, imóvel e calado enquanto ele, indócil, vagueava pelo quarto perdido em devaneios.

Não haveria insônia se houvesse desejo. Teria se acalmado nos braços da mulher que agora dormia. Sua cabeça, encharcada de pensamentos aliviados, pesaria sobre o travesseiro e seu corpo afundaria, exausto e suado, naquela cama de hotel gasta que, ausente o cansaço, o repugnava.

Depois de Sharda sua vida era uma noite escura como aquela, mas sem estrelas. Com ela, tudo se iluminava com seu brilho de superlua, cheia de mistérios e ausências de certezas, o que tornava todas as coisas mais dramáticas e intensas.

Melhores que as noites, os dias com Sharda tinham o gosto animado das surpresas. A sensação de que alguma coisa boa aconteceria mesmo que nada acontecesse. Amanhecia com o corpo entrelaçado ao dela, tomado por uma vontade incapacitante de permanecer entre os lençóis para sempre. Quando, enfim, se levantava, sentia-se cheio de alguma coisa que o elevava do chão. Transcendência.

Havia também um cheiro e um gosto. Atrás da orelha, na nuca, era aonde o cheiro nascia e onde começava o seu desejo. O gosto, provava-o nas partes úmidas. De vegetal, de fruta, um pouco ácido e fresco.

Nos seus braços sentia-se morrer numa espécie de paz satisfeita, desejando que aquele amor fosse um fim sem recomeço. Primeiro, afastavam-se do mundo com conversas calmas e longos beijos. Logo, a pele fina e macia, mais parecendo uma seda, escorregando nos seus pelos e exalando aquele cheiro, o levava a um transe que o transfigurava em puro instinto, só desejo. Urgentes, fundiam-se um ao outro, corpo, alma e mente, e naquele ser um só, o mundo silenciava e os dois, amalgamados, transformavam-se em êxtase.

Depois do amor não havia nada. Apenas um vazio que o faria levitar por um tempo e então uma ânsia visceral de revê-la.

Quando ela o deixou, foi o depois do amor para sempre. Uma lacuna permanente, como agora, naquele quarto em Ipanema, em que nem o céu estrelado, a namorada da vez escolhida a dedo, o jantar gourmet, o hotel de frente para o mar, nada aliviava a angústia e a vontade de revê-la. Só lhe restava esperar que o tempo, esse lugar comum, panaceia ordinária, curativo para todos os ferimentos, cicatrizasse, por fim, o buraco aberto no seu peito.

E foi ele mesmo, o tempo, que sarou essa doença de carência. Três anos depois dessa noite em Ipanema, casou-se. Mulher distinta, casal de filhos, casa de praia, apartamento. Pensou em chamar de Sharda a filha. Desistiu por gosto da mulher, que mesmo sem saber de nada, intuiu haver algum mistério associado a um nome tão excêntrico. Uma pena. Falar seu nome várias vezes ao dia lhe umedeceria os lábios de contentamento.

Se ainda pensa nela? Todos os dias antes de dormir e ao acordar, às vezes só por nostalgia, outras, com uma ponta de desejo. Acontece também, mas isso só muito raramente, de recorrer à lembrança dela para corresponder com mais entusiasmo ao amor protocolar que pratica com a mulher semanalmente. Na maior parte das vezes, entretanto, segue uma cartilha imaginária e eficiente de cópula respeitosa que garante ao casal noites felizes não importando se o céu está em festa, estrelado, ou tímido, sem lua e apagado de estrelas.

Melisas Ribeiro
Enviado por Melisas Ribeiro em 26/06/2016
Reeditado em 29/09/2016
Código do texto: T5679569
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