Ella e o Poço

Ella não sabia como ou de onde viera quando um dia se apercebeu que existia.

E lá estava ela num deserto, sozinha, assim mesmo como todos que nascem estão.

Num deserto nada sobrevive por muito tempo. O sol se fazia escaldante, o vento seco trazia a areia sobre a pele arranhando e causando ardor, Ella soube que não podia ficar parada, precisava se mover pra outro lugar, tinha de ir... Mas para onde?

Não havia resposta errada, uma vez que ninguém ali estava para criticar sua escolha, fosse qualquer direção, ou mesmo a decisão de ficar.

Foi pela caminho que criara para si. Depois de muito andar percebeu que a terra embaixo de seus pés havia ficado menos arenosa, mais firme, ergueu os olhos e viu pedras, continuou a seguir as pedras e encontrou uma caverna, sentiu que havia para si um abrigo, sentiu algum conforto e proteção, uma sensação de pertencimento finalmente.

Algum tempo depois da alegria inicial de encontrar um lugar para si, uma secura na boca começou a lhe incomodar, tossia e não compreendia o que o seu corpo estava lhe pedindo, foi então que avistou um poço e havia muita água, que sensação maravilhosa era beber aquela água e sentir-lhe refrescando o seu ventre, renovando suas forças, sentia que estava sendo reanimada, era a vida que queria lhe abandonar retornando ao corpo.

Pássaros voavam até ali para beber daquela água também. Haviam árvores e a grama verde começou a brotar, árvores lindas e de várias espécies que chegavam em forma de semente trazida no bico dos pequenos visitantes, sua casa era um Oásis encantador.

A menina parecia feliz com o poço e o lugar que já acreditava ser seu, mas não lhe agradeceu.

O poço lhe amou assim que a viu, nunca lhe negava as águas de que carecia, mesmo assim Ella sempre parecia insatisfeita. Sempre que podia saía e caminhava cada vez pra mais longe procurando algo novo, algo que fosse maior do que o que havia conhecido até ali.

Ela não sabia exatamente o que queria, mas sabia que queria mais.

Algumas vezes o vento soprava sobre a abertura do poço e ele cantarolava triste como se a estivesse chamando.

A menina sempre voltava, mas algumas vezes voltava triste e quando estava assim murmurava a respeito de si, daquele lugar, de seu poço...

O poço começou a se entristecer, diminui suas águas e elas passaram a ser turvas, já era preciso deixar decantá-las um pouco para poder beber.

Amargaram-se ás águas.

A menina achou então que o poço não lhe serviria mais, porque não era viável ter tanto trabalho para beber água, para retirar do poço que estava cada vez mais fundo.

Um dia acordou cedo e saiu novamente. E avistou algo que parecia ser grandioso! Eram muitas águas reluzindo como que sem horizonte. Águas sem fim, um mar! Poderia sem uma miragem, mas não era...

Quanto mais se aproximava mais energia gastava pois corria empolgada, não conseguia se conter, era exuberante, se aproximava mais e mais e pensava que ela e o mar sim seriam perfeitos um para o outro, não aquele poço velho, o mar sim nunca lhe deixaria faltar nada.

Quando finalmente chegou às águas saltou alegremente se meteu nas ondas e envolvida entre elas sentiu grande prazer. Abriu a boca e num grande gole tentou beber do mar. Sentiu entalar-se e a garganta se fechou rapidamente recusando daquilo...

O mar então se levantou a empurrando contra a praia com força. Sentiu-se despedaçada. Usada. Uma sequidão terrível e de morte.

Chorou e arrependida tentou se arrastar de volta para o seu poço. Sentia vergonha de si a cada passo dado, se lembrava dos pássaros, se lembrava das árvores, do seu abrigo, da doçura daquelas águas que lhe deram vida por tantos anos.

Finalmente conseguiu retornar.

O poço que tanto a amava, amargurou-se tanto que enfiou suas águas para baixo da terra e quis desfalecer.

Quando Ella retornou, já sem forças não conseguiu reconhecer o lugar, debruçou-se sobre o poço e apenas verteu em lágrimas o resto de vida e fôlego que lhe sobrava, agachou ali mesmo e morreu.

Alguns dias depois uma mulher passou por ali.

Ao avistar o poço se regozijou com a possibilidade de preservar sua vida.

Cega pela própria sobrevivência se jogou poço adentro, viu que não havia água, mas a terra ainda estava úmida e começou a cavar.

Não precisou esforçar-se muito para que o poço lhe jorrasse águas limpas e dulcíssimas.

Ao sair do poço, percebeu então uma linda jovem morta e com pesar perguntou à si mesma, como alguém poderia morrer de sede num lugar como aquele tão cheio de vida e à beira de um poço com tantas águas.

Perguntou ao poço: - Como pôde se negar à ajudá-la?

O Poço então lhe respondeu: - Eu a amei e me doei a Ella por muitos anos. Mas ela nunca quis cuidar de mim, gastava seus dias se dedicando ao próprio ego e procurando por miragens.

Sequei por falta de amor, por falta de gratidão.

Ingrid Fernandes
Enviado por Ingrid Fernandes em 23/09/2016
Reeditado em 23/09/2016
Código do texto: T5770498
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