Livro: Jaliza a Sacerdotisa de Amon-Rá

Texto para degustação do livro inédito de Arádia Raymon ( nome literário de Maria Fernandes Novaes). Este texto pertence ao livro: Jaliza – A Sacerdotisa de Amon-Rá. Reprodução totalmente proibida!

• Pode ser que encontrem erros de digitação/e/ou de gramática/concordância, pois a revisão final ainda não foi efetuada. Ainda assim, Boa leitura!

Jaliza era uma cigana, uma linda cigana que viveu no Egito no tempo dos Faraós.

Abandonou sua tribo, por amor a um sacerdote de Amon-Rá, quando de sua passagem pelo Egito e de lá nunca mais regressou.

Amou aquela Terra com toda a sua alma cigana, porém, jamais renunciou à sua origem, nem às tradições de seu povo, mesmo quando distante, de saudades chorava.

Jaliza chegou ao Egito, por ocasião da Festa do Nilo, quando o rio sagrado coalhava-se de pequenas e grandes embarcações engalanadas com flores e fitas coloridas e as ruas apinhavam-se de gente esperando o cortejo real que breve deveria passar para dar início às festividades.

Os acólitos do Faraó já distribuíam trigo, pão e vinho ao povo, como era comum àquela época durante as festas do Nilo.

Uma pequena caravana de ciganos acabara de chegar a Tebas. E com seus apetrechos coloridos misturavam-se com a gente alegre que enchia as ruas naquela manhã.

Seus rostos, embora trigueiros, diferiam bastante do tipo egípcio, principalmente na cor dos olhos e na cabeleira ora acastanhada, ora negra, e algumas vezes alourados.

O interessante grupo cigano misturou-se à multidão para ver passar o Faraó e sua corte, quando os batedores reais já abriam caminho para o cortejo.

Numa rica liteira de ébano, ornada de ouro e plumas, sustentada por doze robustos escravos núbios, vinha comodamente sentado num trono dourado, o Faraó, cercado de porta-abanos e acompanhado por sua real esposa e filho. E, ainda, por diversos dignitários que vinham cada qual em sua liteira particular, acompanhados de suas famílias.

Neste cortejo encontravam-se, também, o Sumo sacerdote de Amon-Rá, que era o deus supremo venerado em Tebas; o Sumo Sacerdote de Hator, de Ptá, Hórus, Osíris e Ísis.

O cortejo seguia rumo à embarcação real, aportada no Nilo, entre aplausos e vivas do povo que atirava flores à passagem das liteiras.

Numa esquina, já próximo ao cais, uma linda cigana fitava com curiosidade o magnífico cortejo que se aproximava.

Seus olhos de um verde profundo destacavam-se naquele rosto amorenado, ornado por espessa cabeleira negra levemente ondulada, que lhe caía até à cintura, contrastando com a cor púrpura do seu vestido, cuja saia ampla, era salpicada de ramagens douradas.

Jaliza era de uma rara beleza, por onde passava os olhares se voltavam para contemplá-la, mas ela às vezes nem se dava conta.

Trazia naquela manhã uma rosa vermelha presa aos cabelos e quando o cortejo passava aclamado pela multidão, Jaliza, imitando o gesto do povo egípcio, retirou dos cabelos a rosa purpurina e atirou-a ao cortejo, sorrindo feliz.

Naquele momento passava a liteira do Sumo Sacerdote de Amon-Rá, o nobre Ahmés, e a rosa rubra caiu-lhe sobre a cabeça, ferindo-o levemente na testa, com os pequeninos espinhos do seu caule.

O jovem sacerdote levou a mão à testa, onde uma gota de sangue porejava e limpando-a, apanhou a rosa que caíra a seus pés.

Um grito de surpresa irrompeu da multidão e virando-se para ver quem o atingira, o Sumo Sacerdote de Amon-Rá pousou seu olhar sobre o rosto assustado de Jaliza, que sem saber o que fazer, quedara-se como uma estátua, a pequenina mão, ainda erguida, enquanto a multidão se agitava. E por um mágico instante seus olhos se encontraram e mergulharam profundamente uns nos outros.

O Sumo Sacerdote sentiu um frio glacial envolver seu corpo e seu coração, por um instante, bateu descompassado. Dominando, porém, a inusitada emoção, levou a rosa aos lábios e apanhou um lírio imaculado que enfeitava uma guirlanda amarrada à sua liteira. E sorrindo atirou-o à cigana a qual estava como que petrificada pelo susto do incidente e por uma estranha sensação que lhe oprimia o peito ante o insondável olhar o sacerdote egípcio.

À vista deste gesto de benevolência a multidão se acalmou e o cortejo prosseguiu sem mais incidentes até as barcas ancoradas no Nilo.

Cada qual tomou o seu lugar de direito e o Faraó seguindo à frente em sua vistosa embarcação deu início às festividades.

O Sumo Sacerdote de Amom ocupava lugar de honra na embarcação do Faraó. Ia sentado entre duas interessantes personagens, um era o Sumo Sacerdote de Ptá e a outra era Neferti, sua filha única, que não escondia o prazer que sentia em estar em tão agradável companhia.

Neferti era uma jovem de pouco mais de quinze anos, bonita, alegre e dona de uma personalidade forte e determinada.

Seu pai, o Sumo Sacerdote de Pthá, esperava casá-la com o garboso Sumo Sacerdote de Amom, jovem culto, de família nobre e abastada e com um brilhante futuro.

Fazia menos de um ano que o velho Sumo Sacerdote de Amom entregara seu Ká a Osíris e ele fora nomeado seu sucessor em pomposa cerimônia.

Já a este tempo, Neferti não tirava os olhos do rapaz, sempre que o encontrava em alguma festa ou reunião social, bem como em sua própria casa, que ele frequentava assiduamente, muito embora não encorajasse nem mesmo um possível flerte.

Mas o velho sacerdote de Pthá estava resoluto quanto à possibilidade de torná-lo membro da família, uma vez que não havia nenhuma noiva a vista.

Havia mesmo chegado a consultar Neferti, que muito alegremente apoiara a escolha paterna e esperava ter oportunidade para falar ao Sumo Sacerdote de Amon, logo depois da cerimônia no Nilo, durante o banquete no palácio real.

Absorto em seus próprios pensamentos Ahmés não notou quando Neferti lhe perguntou coquete:

_ O que há nobre Ahmés, que te puseste tão taciturno de repente e nem pareces apreciar esta belíssima cerimônia?

Completamente absorto Ahmés não ouviu, apenas sentiu que lhe tocavam o braço e voltou-se para Neferti, quase que num sobressalto.

_ Em que pensava assim tão distraidamente, nobre Ahmés, que se assustaste com um simples toque de meus dedos – inquiriu Neferti intrigada, pois Ahmés era sempre um rapaz tão alegre, tão atencioso e, agora, este descaso.

_ Oh! Nobre Neferti, queira desculpar-me, pois não percebi que me falava. Eu estava observando o desenrolar da festa tão distraidamente. Que falta a minha, queira perdoar-me.

_ Nobre Ahmés, eu nada tenho a perdoá-lo, apenas perguntava o que tens, hoje? Sente-se mal? Estás tão pálido!

_ Não é nada demais, apenas acordei um pouco indisposto, hoje, talvez tenha sido o assado que comi a noite passada que não me tenha feito bem. Mas isso passará logo – assegurou o jovem sorrindo.

Mas verdade era que Ahmés, realmente, não se sentia bem, uma sensação de vertigem o acometera, desde o momento do incidente da rosa rubra atirada por aquela criatura tão encantadora, que por algum motivo que ele não compreendia mexera com seus nervos.

Durante toda a cerimônia o Sumo Sacerdote de Amon-Rá refugiou-se num mutismo incompreensível, que desagradara profundamente à sensível Neferti, que via nele o seu futuro noivo.

Naquela manhã tudo era festa, em Tebas, sob o sol ardente do Egito.

Jaliza, a jovem cigana, tão logo se recuperou do incidente em que involuntariamente se envolvera, seguiu a passos lentos de volta à sua caravana, levando entre os seus finos dedos o lírio imaculado que lhe atirara o jovem sacerdote. Ia pensativa, caminhando como se ao seu redor não se desenrolasse uma festa tão exuberante e inusitada para ela, que pela primeira vez visitava o Egito.

Seus belos olhos estavam turvos por uma estranha emoção, desde o momento em que encontrara o olhar do sacerdote que lhe parecia ao mesmo tempo familiar e misterioso, provocando um vazio indescritível dentro do seu peito.

Neste estado de ânimo chegou Jaliza junto aos seus irmãos de raça.

_ Onde esteve Jaliza, que a procuramos por toda a parte e não a encontramos no meio desta multidão festiva? – perguntou-lhe um cigano de porte altivo, aparentando seus vinte e poucos anos, cabelos e olhos escuros, mas a fisionomia não o deixava negar sua origem cigana.

_ Andei apreciando esta belíssima festa, estive até próximo ao cais observando passar o cortejo do Faraó e sua corte. Como este povo é diferente de todos os que já conhecemos - continuou a cigana - o luxo e o requinte em que vivem não são vulgares, parece que este povo não poderia mesmo ser diferente. Viste que lindas são as mulheres, com suas indumentárias coloridas e finíssimas, suas joias de rara beleza?

_ Vejo que Tebas já te cativou pequena Jaliza, porém, cuidado, estamos em uma terra estranha, cheia de estranhos costumes, mesmo para nós ciganos. Onde arranjaste esta flor? – perguntou Ramon.

_ Ah! Quase me esqueço de contar-te, minha aventura inusitada. Ganhei-a de um nobre que passava todo paramentado em sua vistosa liteira, quando imitando o gesto do povo, que atirava flores à passagem do cortejo, atirei a rosa que trazia nos cabelos. E não hás de ver que um espinho feriu a testa do nobre, que após apanhar a rosa, devolveu-me um lírio que estava preso à sua liteira – contou Jaliza, prendendo o lírio aos cabelos num gesto de naturalidade.

Ramon, porém, notara que algo perturbava sua amiguinha tão querida, sem saber, entretanto, o que seria, continuou:

_ Jaliza, imagine se tiveste atingido o Faraó. O que aconteceria?

_ Oh! Não sei Ramon, Sabes que a multidão ficou em expectativa, como se alguma coisa de ruim pudesse advir daquele meu gesto. Mas já passou e perdi o interesse pela festa; estou faminta. Onde iremos acampar?

_ Já estamos acampados próximo às margens do Nilo, numa área que nos foi destinada pelos guardas da cidade, não fica muito longe da praça do mercado. Hoje, à noite, faremos uma festa, também, em homenagem ao rio sagrado; creio que o Faraó gostará de apreciar nossa festa do terraço do seu palácio.

_ Verdade? Então me diga Ramon, onde está Jasan, nosso chefe?

_ Creio que deve estar fazendo um reconhecimento da cidade, pois o conhece bem, Jaliza, sempre que chegamos a alguma terra desconhecida, procura inteirar-se sobre os costumes, tudo, pois sabes como Jasan é correto em seu modo de dirigir a nossa tribo. Por isso é que todos nós seguimos suas leis sem maiores problemas, porque elas nos parecem justas.

_ É verdade, tem sido sempre assim com o nosso grupo. Jasan é realmente um verdadeiro príncipe cigano. Sinto-me feliz em estar sob sua proteção. Mirca me disse que quando ela e minha mãe eram jovens, ambas estavam apaixonadas por Jasan. Mas aí apareceu um nobre que se apaixonou por Luanda, minha mãe, e mesmo contra as ordens do rei de nossa tribo, Luanda encontrava-se com o nobre às escondidas, até que um dia, seduzida, fugiu com ele. Mas nosso rei Jefer, pai de Jasan, que era na época príncipe herdeiro, não se conformou com a fuga da bela cigana que traía toda a sua tribo por amor de um gajo, um nobre que não respeitava as nossas tradições e mandou um grupo de ciganos ao encalço dos fugitivos.

O casal foi alcançado, o nobre foi assassinado ali mesmo e Luanda foi levada de volta à sua tribo com as mãos amarradas e atadas a uma das carroças da caravana, que a levaria à presença do nosso impiedoso rei. Jefer não permitia que nenhum dos seus ciganos traísse as tradições de seu povo e não perdoou Luanda, fê-la sofrer todas as humilhações diante de toda a sua tribo. Humilhada e infeliz, Luanda faleceu pouco tempo depois de dar à luz a uma menina, que então foi criada por sua fiel amiga Mirka, já a este tempo, noiva de Jasan. Essa pobre criança sou eu.

Quando Jefer foi acometido pela enfermidade maligna que o levou, Jasan assumiu o seu lugar de direito e governou o nosso povo com mais sabedoria e benevolência que seu pai, porém, continuou firme nas tradições do nosso povo. E assim, Ramon, eu fui sempre criada por Mirka e Jasan, nosso chefe e esta história muitas vezes me foi narrada por ela, para que eu jamais me esqueça de que sou uma cigana, muito embora tenha tido por pai um nobre de outra raça.

Mirca diz que herdei os mesmos olhos de minha mãe e, também, a sua graça ao dançar. Diz que quando minha mãe dançava numa praça a cidade parava para vê-la bailar. Os nossos profetas avisaram, dizem, que Luanda, que conhecia os segredos da magia, não viveria muito tempo entre o seu povo e assim foi. Porém, disseram também que sua filha teria um estranho destino e eu tenho medo, Ramon. Os profetas nunca erram, mas Mirka e Jasan procuram afastar essas ideias, dizendo que os profetas não profetizaram nada de ruim para a filha de Luanda. Mesmo assim tenho medo.

_ Nada temas, pequena Jaliza, tudo isso que acabas de dizer-me todos nós da tribo sempre soubemos e sempre a amamos, nunca um membro desta tribo a olhou como a filha do nobre, todos a vêem como a filha de Luanda, a bela cigana que todos amavam.

_ É verdade Ramon, minha mãe era muito querida entre o nosso povo e todos sofreram com a sua fuga e com a pena imposta a ela pelas nossas leis. Não sei o que me deu, agora, para ficar falando-te sobre tudo isso, acho que, hoje, não estou muito bem. Sinto-me triste, sem saber por que e essa nostalgia fez-me relembrar os tristes acontecimentos que envolveram minha mãe e do qual sou o fruto. Mas que nos importa o passado? Vamos Ramon, tenho fome.

E dizendo isso, Jaliza puxou seu amigo Ramon pelo braço e saiu quase a correr em direção ao acampamento do seu povo.

_ Mirka, Mirka, tenho fome de leão e Ramon também.

_ Onde andaste menina travessa? Então tens fome, hein? Pensei que o calor do Egito e a beleza da festa tivessem tirado sua fome – dissera Mirka sorrindo, em tom de censura fingida.

_ Oh! Sinto muito querida Mirka, eu me esqueci da hora e fiquei olhando a festa, depois encontrei Ramon e ficamos conversando. Ramon disse que haverá festa, hoje, na praça defronte ao palácio real.

_ É verdade, Jasan quer que prestemos uma honrosa homenagem ao Faraó, esta noite. Todos nós estaremos lá e como de costume encantaremos com nossa dança e nossos cantos.

Jaliza parecia ter-se esquecido do incidente da rosa e a tarde transcorreu serena nos preparativos para a festa da noite. Os homens afinavam seus violinos e as mulheres arrumavam seus mais belos trajes. Era a primeira vez que dançavam para um Faraó.

Continua...

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Arádia Raymon
Enviado por Arádia Raymon em 27/09/2016
Reeditado em 03/10/2016
Código do texto: T5774322
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