A mesa de centro

A mesa de centro sempre deu à sala uma tonalidade significativa, quando a retirei ficou um vazio, quase que um medo. Eu precisava de espaço, mas teria de sacrificar tanto? Pegar tudo que estava perfeito e desfazer com a esperança de deixar tudo em ordem, é como se eu quisesse melhorar aquilo que jamais poderia ser melhorado, é querer transformar os anúncios de TV em algo poético.

No momento em que ela entrou na sala logo percebeu que a mesa de centro já não se encontrava naquele recinto, ela olhou cada centímetro de cada canto procurando achar o significado do novo, eu até queria dizer a ela que não foi a minha intenção mudar tudo sem antes consulta-la, contudo não poderia dar explicação nenhuma até porque ela já havia entendido tudo. Olhei para ela e percebi o quanto ela estava linda, usava um vestido verde florido, longo, que acentuava a suas coxas e seus belíssimos glúteos, um salto não muito alto que a deixava bem digna de sua beleza, cabelos soltos ao vento e em suas delicadas orelhas um par de brincos com pedras que dei de presente de dia dos namorados. Cheirava a absinto, vi no contorno de seus olhos uma leve camada de lápis e em sua boca uma batom vermelho, ela não sorria, mas também não se incomodava com a falta daquele objeto material espaçoso.

Sentou ao meu lado no sofá e como em um delírio me beijou, não um beijo simples, sem graça, sem cor, mas um beijo caloroso, ardente, sexual. Fiquei confesso que bem excitado, deixei-me levar pelo momento. Ela que chegara de viagem, suada, suja, cansada, sussurrou em meus ouvidos que iria tomar um banho e depois me encontraria naquele mesmo sofá. Esperei por bastante tempo, na verdade nem foi tanto tempo assim, confesso que estava excitado, louco de desejo e cheio de pensamentos pecaminosos, queria possuir aquele ser angelical e deixa-la totalmente desejada.

- Terminei – disse ela enquanto mordia vagarosamente os lábios e caminhava em minha direção.

- Estava com saudades – respondi.

Em fração de segundos ela se atirou em meus braços e perpetuou aquele beijo obstante que ali ficara perdido no tempo, tratei de acariciar seu belo corpo enquanto ela mordiscava meu pescoço. Adentrei a sua lingerie, que por sinal era nova e muito sexy, cheguei até a passarela de desejos, atentei-me aos seus seios enquanto tocava-lhe levemente, exagerei um pouco na força do toque, mas ela delirava de prazer.

- Quero ser inteiramente sua – sussurrou ela em meus ouvidos.

- Que seja – respondi mantendo o foco no desejo e não nas palavras.

- Me come – vulgarizou o desejo que ela guardava dentro de si.

Fizemos amor por horas, não sexo, apesar dela expressar com vulgaridade o ato, foi amor mesmo, daqueles de cinema. Depois de estontearmos com todo aquele desejo e matarmos a saudade carnal desperdiçamos alguns minutos em um breve cochilo, ela realmente estava exausta, observei ela por alguns poucos segundos, ela dormia encantadoramente. Como eu disse, era um ser angelical. Ela abriu seus olhos ora verdes, ora castanhos e com um sorriso expressou sua total alegria pelo momento.

Fui até a cozinha e lhe preparei o que comer, um copo de café com leite, alguns biscoitos, uma maça e um iogurte, sempre exagerei ao agrada-la e ela notou.

- Pra que isso tudo?

Eu amava mima-la, porém nem sempre conseguia. Enquanto ela comia deleitava todas as histórias de sua viagem em mim, confesso que alguns assuntos eram chatos e sem nenhuma excitação, mas eu sempre fui um bom ouvinte. Quando ela terminou, olhou atentamente toda a sala, esbravejou um suspiro de decepção, percebi que havia algo errado, mas não perguntei, apenas beijei ela novamente, só que dessa vez faltou aquela saliência do primeiro beijo. Não segurei o seu descontentamento e perguntei.

- Está tudo bem?

- Sinto a falta de nossa mesa – respondeu ela esboçando uma voz suave.

- A de centro? – me fiz de ignorante.

- Sim, eu gostava daquela mesa – expressou novamente sua total decepção.

- Vou coloca-la novamente – eu disse.

- Percebeu o quanto você faz escolhas sem me consultar?

O que foi aquilo? No primeiro momento fiquei sem reação, ela simplesmente despejou um balde de água fria em tudo que aconteceu até ali, ou talvez apenas queria puxar assunto.

- Como assim? – retruquei.

- Esquece! – ela revidou desviando o olhar.

- Diga-me.

- Parece que ultimamente você só tem pensado em si mesmo. No quanto você deseja e no quanto anseia, parece que eu sou apenas uma estatueta, um objeto sexual. Você não fala mais comigo, não divide mais nada comigo. – exaltou-se levemente a voz e disse quase tudo que estava ali guardado.

Eu não a culpava, eu realmente sempre fui egoísta, senti que devia pedir desculpas e corrigir meu erro, Busquei a mesa e coloquei ela no mesmo lugar.

- Pronto meu amor, me perdoe.

Ela sorriu e beijou-me, levantou e caminhou até a mesa, talvez aquela mesa a fazia sentir-se segura. Em um movimento súbito pegou a mesa e levou ela novamente para fora, eu não compreendi aquele ato, mas contentei-me com o silêncio por ora.

- Vamos tomar um sorvete – disse ela dirigindo-se até a cozinha.

Sempre gostei de manter em casa um balde de sorvete para momentos de emergência como aquele momento. Ela trouxe o sorvete e segurou firme em seu colo, ao saborear observava atentamente a TV, acho que estava passando alguma de suas séries favoritas. Eu a observava calmamente buscando encontrar algum defeito que me fizesse esquecer aquele momento, não encontrei, levantei-me e fui até o banheiro, quando voltei deparei-me com lágrimas e um ar de desespero.

- O que houve? – perguntei pausadamente enquanto sincronizada a frase ao abraço que lhe dei.

- Você é feliz?

Nostalgia! Era somente isso que em minha mente existia, vagarosamente olhei em seus olhos e respondi.

- Pergunta se sou feliz? Eu não lhe faço feliz?

- Não foi essa a pergunta, me responde – retrucou ela tocando meu braço levemente.

- Não sei mais, eu faço tudo por você e você começa com suas paranoias por conta de uma mesa de centro? – alterei o tom de voz e a pressão sanguínea.

- E você acha que se trata somente de uma mesa? – ela tornou a insistir nas perguntas.

- Do que se trata? Me explica.

- Se trata da gente Rogério, de tudo o que está acontecendo com a gente. – ela agora decidiu me responder.

- Você chega aqui, eu te trato bem, a gente transa – Agora eu digo a ti leitor que foi transa, sexo, nada de amor – e você me vem com essas perguntas?

- Eu te trai!

Imaginastes o que senti? Fiquei em silêncio e não a pedi que ela se justificasse, olhei para o nada e o ódio brotou como praga em uma plantação mal cuidada. Olhei para ela como se ela já soubesse a pergunta, mas deixei de perguntar.

- Quando? Com quem? Qual o motivo?

Sei que foram três perguntas de uma só vez, eu estava sentindo uma raiva crescente dentro de mim, eu precisava saber.

- Já tem seis meses, com o Pedro, o motivo você sabe.

Ela respondeu-me cada pergunta como se estivesse recitando ingredientes de uma receita de bolo de caixinha, simples, fácil, com toda a normalidade que necessitava.

- Maldita mesa de centro! – esbravejei um grito e junto dele um soco que partiu a mesa em duas metades.

- Sinto muito.

Sinto muito ela disse, sinto muito? Eu queria sumir, desaparecer, chorar, gritar, morrer! Mas no fim, sai a recolher o que podia, corri até a porta da sala e fui em direção à rua, na rua avistei um pavilhão de sentimentos, abracei, entrelacei, me joguei a tudo. Liberdade eu gritei, liberdade!

Scalabrine
Enviado por Scalabrine em 24/04/2017
Reeditado em 24/04/2017
Código do texto: T5980044
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