Tu

Incertezas correntes guiavam o reto andar em que, absorta em perturbações, pus-me a ditar, passo a passo. Devagar, negando todos os rostos presentes, ignorando a existência de outros além da própria. Não pude vê-lo ali, escorado, noutro mundo que não no meu. Outra existência que não a minha. Não pude deixar de notar a estatura que, de longe, tanto parecia a tua; e, mesmo assim, segui reta e indistintamente, sem avistar sequer um rosto, sequer uma presença viva senão corpos enquanto corpos, desconectados do princípio de vida. E tu, tão tu, feito de peculiaridades tão características de ti, tão tu no meio de tantos outros, sendo um tu tão desvinculado de quem és dentro de mim porque... porque deixei de enxergar. Deixei de identificar carinhosamente as particularidades do teu ser para fechar-me às minhas, que me assombram e perseguem. E isso em ti te faz tão bonito a olhos que tanto já viram...

“- Lina!...”

Era a voz. Distinta, forte, direta. E não ignorava minha existência que passava ali, em frente a sua. A quinze passos, ao escutar, virei abruptamente em direção àquela voz, ansiando um rosto, somente um, um rosto aprazível de ser analisado... Tal voz incutiu em mim um desejo fugaz de vê-lo, diante de mim, chamando meu nome de maneira tão altiva, várias e várias vezes...

Virei em direção ao meu chamado.

“- Oi”, escutei ainda.

Se não eram olhos que dançavam um samba lento e calmo..., um samba impregnado de mim, de olhos que brilhavam numa paixão contemplativa e serena. Que não doía, que não desejava ardentemente, que tão somente estava ali, existindo sem um fim, sem ser em vista de algo. Um samba de um leve amor não tão secreto, que se nota por qualquer um que de longe vê a breve troca de olhares de amantes que fingem segredo de um amor que nunca há de ser concretizado...

“- Oi”, respondi, ao virar.

Por alguns segundos pude escutar em seus olhos um samba que já conhecia. Virei e retornei aos tormentos de caminhar só... E até chegar em casa não vi rosto nenhum nas ruas, senão o teu.