Reflexo

No frenesi do trabalho

Me encontro estressada e mal humorada novamente.

Com um relacionamento recém terminado, ultimamente não vejo esperança em muitas coisas.

Me pego olhando para o nada tentando saber o porquê e como cheguei nesse estado.

Em uma dessas "olhadas para o nada”, me deparei com a janela escura da minha sala e do lado de fora o homem que limpava os vidros me hipnotizava. Pele morena, olhos negros e barba alinhada como quem fez na régua.

O som do seu "rodinho" não era dos mais agradáveis, porém me desligou do mundo que eu estava anteriormente.

Algumas semanas se passaram e todos os dias no mesmo horário, lá estava ele!

Com uma postura ereta e compenetrado na sua função, eu poderia ficar horas ali olhando ele!

Uma nova manhã nascia e eu despertava pensando...

- Hoje falarei com ele!

Nem que seja somente um “ Oi”, mas falarei!

Chegando no trabalho ao bater o cartão de ponto minhas mãos estavam trêmulas, geladas eu não me reconhecia.

E a manhã foi passando e nada da minha recente e assumida paixão aparecer.

A hora do almoço chegou e com ela a tarde, e ele não apareceu!

Me preocupei!

- Será que aconteceu algo?

- Será que foi mandado embora?

- Ou arrumou outro trabalho?

Meu coração bate forte a cada interrogação.

Logo agora que estava disposta a falar com ele!

No dia seguinte, cheguei para mais um dia de trabalho.

Desanimada, chateada e com o conhecido mal humor renascendo.

Comi minhas 3 torradas com manteiga e meu café com leite acompanhava minha amargura.

Com os olhos na tela do computador e outra no movimento lá fora eu fiquei o dia todo e mais uma vez não avistei o moreno alto de aparência séria.

Me deprimi, mas precisei saber e liguei para a sala onde sua supervisora atendia com voz doce.

Inventei uma desculpa qualquer, dessas que está embaçado a vidraça só para ver o que ela diria.

Ela porém, me disse que pediria para o serviço ser executado!

A esperança me transbordou e nem almocei aquele dia!

Um homem de aparência mais velha careca e sem saber dominar o tal "rodinho" alisava o vidro.

Abri a porta da sala e o com um sorriso amarelo no rosto indaguei-o.

-Bom dia, senhor?

- Tudo bem?

- Oi, bom dia!

- Tudo bem sim minha filha! Respondeu ele na maior simpatia.

- O outro rapaz que fazia esse trabalho saiu? Perguntei rápida e direta.

- O outro rapaz?? - Puxava da memória quem fazia aquele trabalho por ali antes dele...

- Sim! Um moreno, alto, de barba bem feita! - Dizia eu, ansiosa e na expectativa de ajudar a velha memória.

- Ah, sim! O Elias!

- Elias?

O nome tão bonito quanto seu porte. Pensei eu!

- Ele, viajou! A mãe dele é de outro estado e estava muito doente!

- Mas ele volta quando? – Não pude conter a pergunta!

- Olha Senhora, ele "pediu contas" e acho que não irá voltar mais!

A resposta bondosa do Senhor fez meu coração se partir e ao quebrar os cacos cortavam minha alma.

Entrei para minha sala e as lágrimas foram o que produzi como fruto do meu trabalho aquele dia.

Os anos se passaram, e aprendi a conviver com a dor de ter me apaixonado de verdade.

Mudei de emprego, ganhei uma promoção e ganhei um cargo importante dentro da minha área, uma nova sala também.

Grande,

Espaçosa,

No 8° andar,

As vidraças me traziam alucinações diárias...

Em uma manhã, logo após uma exaustiva reunião sentei, inclinei-me na minha cadeira e ouvi o som do limpador friccionando sobre o vidro, pra muitos é um som irritante, pra mim um som que me traz boas lembranças.

Girei a cadeira e ao reclinar-me na posição original avistei a silhueta de Elias!

Não confie pois, minha visão estava embaçada tanto quanto o vidro.

Aos pouco foi desenhando o contorno do seu rosto.

Sim, era Elias!

Minhas pernas não obedeciam!

Queria gritar, mesmo sabendo que ele não iria ouvir.

Peguei uma folha com gráficos e balancetes da tal reunião e escrevi a primeira coisa que veio em minha cabeça.

Destravei minhas pernas e colei o papel no vidro com um tapa.

Assustado ele deu um salto para trás colocou as mãos afim de bloquear a luz que não deixava ver quem, nem o que estava dentro da sala e leu uma mensagem.

ELIAS,

EU TE AMO!

Não sei o que passou na cabeça dele mas vi um sorriso brotar do seu rosto,

E que sorriso!

Colocou a mão no aparelho que fazia subir ou descer,e desceu!

Desesperada, tomei o elevador e também desci!

7°,

6°,

5° o elevador resolveu brincar comigo em uma lentidão sem fim.

Cheguei!

Elias, ainda está descendo.

Retirei o salto e todos pararam para ver o que estava para acontecer.

Uma louca olhando para o alto no meio do saguão.

A única coisa que eu pensava era por onde iria começar a explicar todo meu processo de paixão por aquele homem.

Elias tocou o chão, retirou todo aparato de segurança inclinou a cabeça e com aquele sorriso disse.

-Dona Ana!

Foi o suficiente para me jogar nos seus braços e apertara-lo sem limites de força.

Ele muito sem graça retribuiu o abraço!

-Elias, sei que parece loucura mais eu te amo! Falei com a voz embargada e com as lágrimas de felicidade rolando em meu rosto.

Com suas mãos grandes ele levantou meu rosto, olhou nos meus olhos e confessou.

- Todas as manhãs antes de ir trabalhar eu levantava com a certeza que alguém iria me olhar como nunca olhou na vida!

- E sim, eu via você me olhando todos os dias!

- E seus vidros não estavam sujos; eu me sentia tão desejado por você que queria passar meu dia ali limpado seus vidros!

Eu ria copiosamente com a lágrimas caindo, Elias iniciou um marejar nos olhos, mas manteve pois minha risada estava engraçada.

Nós beijamos e ao som de aplausos ficamos ali!

Hoje, temos 4 filhos. Me encontro feliz e admirando a cada segundo esse moreno de barba alinhada e de sorriso fácil.