Não se Vá!

No canto, do lado direito do quarto, sob um paninho bordado à mão, que repousa adornando o criado mudo, permanece intacto, um lindo envelope com iniciais A.C.S

Dentro daquele envelope havia uma carta, escrita sob lágrimas de um adeus. O amor não é uma coisa, algo tangível, que deixa seu rastro, suas pegadas na areia, ele se disfarça em poesia e lirismo, para suplantar a dor.

1986, outono de folhas caindo ao chão. O vento outonal arrastando-as pela rua, dar um tom de soturnidade, como nos instantes últimos, quando nos vem as lágrimas da partida.

Lucy, era seu primeiro nome. Tão doce quanto seu olhar. Um encanto só e, de uma ternura indizível. Um semblante tão terno, de um riso acolhedor, era um convite ao paraíso, mas despetalava-se a rosa, sangrando a roseira, e o céu entonava-se em amarelo real com sua ninfa avermelhada, ao som de um piano.

Sentada na varanda da casa de seu pai, ilustre Major reformado, esquivava-se do calor usando seu leque florido, enquanto lembra já bem distante dali, de seu amado Antônio. Homem sincero no falar, amoroso no agir, carinhoso no trato e, sobretudo, apaixonado por ela, de quem o coração se havia tornado cativo.

Ah! Quantos beijos eternizados, quantos afagantes abraços, quantos risos, quanta alegria. Diziam-se nascidos um para o outro e, em tudo se completavam, feito a mão e a luva, a roupa e o corpo, o beijo e a boca.

Sua alegria destonando-se como se faz com o tronco das árvores para à mingua, morrerem pela falta da seiva, ainda demora um pouco, até que as suas folhas murchem e comecem a cair e, seus galhos sequem-se até por completo morrerem.

Um amor perdido é assim, descascado no tronco, seca-se aos poucos, relutante nas memórias, nas lembranças, até que nada mais reste a não ser uma angustiosa sensação de morte em vida, como se fosse o fim, como essas tardes de outono, de céu vermelho-acinzentado.

Ele havia partido, sem com palavras nada dizer, apenas lágrimas incontidas, e um envelope de cor crepuscular, com uma escrita que dizia: “Ao meu Eterno Amor Lucy” de seu Antônio. E saiu, apressadamente caminhou uns vinte metros sem olhar atrás e, virando-se, já com o rosto banhado em lágrimas, acenou com a mão e, Lucy, confusa, sem palavras e estatizada, olha em suas mãos, olha novamente para ele, que já entrara no veículo, sobre si, fechando a porta, enquanto a via pela para-brisa traseiro, e ela apenas sentou-se na cadeira, e nada disse, nem tão pouco indagou.

Passadas algumas horas, ela se levanta, taciturna e lentamente caminha em direção ao seu quarto. Já na sala, sob os olhares zetéticos, mas sem nada dizer, ela apenas olha, e segue silente ao quarto, senta-se à cama, no canto, do lado direito do quarto, passa a mão carinhosamente sobre o envelope, mas não o abre, levanta um paninho bordado à mão, que repousava sobre o criado mudo, empurra lentamente, dizendo em silêncio: não quero ler, vou apenas guardá-lo aqui.

Lucy, depois de muitos anos nunca aceitou outro amor, permaneceu sozinha e, sempre ao deitar-se pegava aquele envelope, o beijava, abraçava, e depois o guardava novamente.

Nunca mais se soube de Antônio. Amar é uma doce prisão, seja em regime fechado, aberto ou domiciliar. E não é para todos, mas todos de algum modo vão sempre amar.