A Garota do Ônibus

Estava eu no ponto de ônibus, o vento gelado, que cortava meu rosto, se misturava com a fumaça do cigarro da senhora ao meu lado. Eu estava com a perna doendo depois de tanto tempo esperando quando, finalmente, meu ônibus chegou.

As pessoas se amontoaram na porta, todas se espremendo pra entrar, ignorando a máxima “Damas primeiro”, mostrando que o transporte publico em São Paulo não é nem um pouco sexista, se você quiser entrar primeiro vai ter que dar cotovelada em todo mundo, não importa se você é um garoto de dezessete anos ou uma idosa de noventa e dois.

Finalmente entrei no ônibus. Espremendo-me no meio das pessoas, consegui chegar a catraca, passei meu bilhete surrado e passei pelo cobrador, que parecia alheio a tudo que acontecia a seu redor, ouvindo Raça Negra no radio alto e preenchendo uma revistinha de palavras-cruzadas. Como não iria descer por um bom tempo, fui para o fundo do ônibus.

Eu sempre tive um problema muito grande de me apaixonar diariamente nas conduções que pegava, e pelo visto hoje não seria diferente. Sentada na penúltima fileira estava uma das garotas mais lindas que eu havia visto na vida. Seu cabelo negro preso em um coque espetado por um lápis, seu rosto com traços delicados, lábios grossos, olhos que pareciam duas safiras emolduradas por uns óculos de uma armação quadrada um tanto quanto exagerada e para completar, ela tinha um estilo de se vestir com roupas estampadas chamativas, que a deixavam em uma linha tênue entre extremamente estilosa e mais brega que o falcão em dia de festa junina.

Fiquei admirando a beleza dessa garota por algum tempo, apenas imaginando, como ela seria, mas julgar apenas pela sua aparência eu diria que ela era uma garota sensível e delicada.

ELA – Posso te ajudar?

EU – Oi?

ELA – Ta me olhando faz meia hora. Quero saber se posso te ajudar com alguma coisa.

Talvez eu tenha admirado a beleza dela por tempo demais.

EU – Não, desculpe.

Como eu odeio isso em mim. Prefiro me passar por um tarado a tentar conversar com essa garota por cinco minutos, como se ela fosse se levantar e usar o lápis, que sustenta seu penteado, pra enfiar no meu olho. Mas hoje vai ser diferente.

EU – Licença, mas você pode ajudar me dizendo o seu nome.

A bufada que ela deu foi ouvida até pelo motorista.

ELA – Eu não estou interessada.

EU – Em me dizer seu nome?

ELA – Em ficar sendo xavecada no ônibus.

EU – Eu não estou te xavecando, só perguntei o seu nome.

ELA – Sim, claro. E depois? Vai ficar satisfeito apenas com essa informação?

EU – Não. Depois disso eu perguntaria o que você faz da vida.

ELA – Lógico, e eventualmente iria dizer que eu tenho os olhos mais bonitos que você já viu na vida entre outros elogios. Típico.

EU – Típico do que?

ELA – Dos homens, acham que com alguns elogios vazios vão conseguir que qualquer garota se apaixone perdidamente por eles.

EU – Tudo bem, Deixa quieto.

Fiquei alguns segundos em silêncio, mas aquilo começou a ferver dentro de mim, como ela pode generalizar todos os homens dessa forma.

EU – Só pra informar, eu não diria nada dos seus olhos, nem faria qualquer elogio sobre a sua beleza.

ELA – É mesmo? Por quê?

EU – Pelo mesmo motivo que não vou falar que você é antipática. É algo que você já sabe sobre você.

ELA – Eu não sou antipática. Eu estou apenas cansada do jeito dos homens. São uns porcos.

EU – E se eu falasse que não quero conversar com você, porque mulher é tudo piranha?

ELA – Eu não sou piranha.

EU – E eu não sou um porco.

ELA – Tudo bem. Eu fiz mal em generalizar, mas isso não significa que você não é um porco.

EU – E nem que você não seja uma piranha. Mas eu estou tentando de dar a chance de mostrar que não é.

ELA – Ok, já que estamos julgando e generalizando. Se você tivesse que adivinhar com o que eu trabalho, qual seria o seu palpite?

EU – Moda seria o primeiro. Ou algo com artes.

ELA – Apenas se baseando na minha roupa? Eu não poderia ser uma advogada?

EU – Eu nunca vi advogada vestida desse jeito.

ELA – E quanto a você?

EU – Pode me analisar a vontade.

ELA – Camisa, calça jeans e sapatênis, você tem cara de quem trabalha com publicidade.

EU – Caramba, acertou na mosca. Como você sabe disso apenas pela minha roupa?

ELA – Geralmente, quem trabalha com esse modelito ou é publicitário ou trabalha com TI. Só que publicitário tem cara de doido e Ti tem cara de bobo.

EU – Faz sentido. Mas você não me disse no que trabalha.

ELA – Eu sou atriz.

EU – Que legal. Algo que eu possa ter visto?

ELA – Não, só trabalhei em teatros pequenos.

Por mais uma armadilha demoníaca do destino, havia chegado meu ponto.

EU – Tenho que descer.

ELA – Espera.

Ela pegou um papel e escreveu um numero.

ELA – Me manda uma mensagem, vamos marcar de você ir ver a minha peça, tomar um café.

EU – Então decidiu que eu não sou um porco?

ELA – Estou apenas te dando a oportunidade de me mostrar o contrario. Meu nome é Grazi, por sinal.

Apenas sorri e desci no meu ponto.

RT Moreira
Enviado por RT Moreira em 22/09/2017
Código do texto: T6121670
Classificação de conteúdo: seguro