O DESEJO DE SALVAR

Aos 20 anos de idade, a depressão bateu à porta da sua mente. Sem pedir licença, entrou e fez dela uma morada permanente, provocando em Tábata uma sensação persistente de tristeza que lhe alterou o sono, o apetite e a autoestima. Conduzida pelo marido ao psiquiatra, o diagnóstico médico atestou o transtorno mental, dando início a um tratamento medicamentoso concomitante a um psicoterápico, embora ainda não seja claro se ambos os procedimentos afastem o risco de suicídio. O luto constante passou a fazer parte do cotidiano da moça. Além disso, tornou-se lenta no desempenho das atividades domésticas e profissionais. No âmbito da perícia médico legal, o suicídio poder ser considerado a terceira causa de morte violenta, antecedida pelas ocorrências, em níveis alarmantes, de homicídio doloso e acidente de trânsito. O tempo, na sua infinitude, estava aberto para ela com um oceano, na sua magnitude, mas perdera a vontade de viver. Muitos anos se passaram sem que conseguisse sair dessa prisão mental. A decadência física acompanhava a inapetência. Paralisada pelo medo irracional, evitava a vida relacional em sociedade. Por fim, foi aposentada por invalidez incurável. O marido via em seu olhar que não queria morrer, mas viver isolada em seu próprio e impenetrável mundo interior, vagando entre as sombras do passado numa noite aterradora que parecia não ter fim. Contudo, não estava bem certo a esse respeito. Por isso, fez de tudo para salvá-la dessa condição psicopatológica, chegando a passar os períodos de férias dentro de casa ao lado dela. O amor sacrifica os interesses de quem ama em benefício das necessidades da pessoa amada.

Durante muito tempo, Tábata ganhou a vida como bibliotecária, escrevendo textos literários nas horas vagas. Desde a infância tinha interesse pelas artes em geral, principalmente pela arte literária. Após a aposentadoria que lhe fora concedida em razão do distúrbio mental, continuou a se dedicar ao ofício da escrita. Cometeu suicídio por enforcamento enquanto o marido estava de serviço na empresa em que trabalhava. Existem alguns artigos científicos que sugerem uma maior propensão ao transtorno depressivo entre os escritores devido à sensibilidade característica do talento para a literatura. Para citar um exemplo, o escritor norte-americano Ernest Hemingway cometeu suicídio dois dias depois de ter recebido alta da clínica psiquiátrica na qual se internara para tentar controlar a ideia suicida que lhe dominava o pensamento fazia algum tempo. Para citar mais um exemplo, o escritor português Camilo Castelo Branco, que dedicara a vida à escrita, tomou a mesma decisão. Ponto pacífico, em face das estatísticas médico legais, é que a depressão é o grande mal do estágio atual da civilização, mas será que a sensibilidade artística torna as pessoas mais vulneráveis a essa doença emocional?

“Aos que trazem muita coragem a este mundo, o mundo quebra a cada um deles e alguns ficam mais fortes nos lugares quebrados. Mas aos que não se deixam quebrar, o mundo mata-os. Mata os muito bons, os muito meigos, os muito bravos, mata-os indiferentemente.

Se não pertenceis a nenhuma dessas categorias, morrereis da mesma maneira, mas então não haverá pressa alguma em matá-lo", escreveu Ernest Hemingway.

“O amor, que vem procurado como sensação necessária à felicidade da vida, perde dois terços da sua embriagante doçura; porém, o amor inesperado, impetuoso e fulminante, esse é um abrir-se o céu a verter no peito do homem todas as delícias puras que não correm perigos de empestarem-se em contato com as da terra", escreveu Camilo Castelo Branco.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 14/10/2017
Reeditado em 14/10/2017
Código do texto: T6142085
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