A Redoma e a Rosa - Cap. 03 – O Mais importante não se ver com os olhos.

“Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.”

(O Pequeno Príncipe) A. S-E.

Dudu –

Foi estranho ouvi aquele apelido com outra voz, fazia uns quinze anos que não deixava ninguém me chamar assim, agora estava ali, aquela mulher que eu nem conheço direito pronunciando “Dudu”, seu tom de voz pareceu interrogar como se ela me questionasse, como se eu fosse alguém de seu passado, senti sua testa frisar e seu coração palpitar, por que tanta emoção em sua voz? Depois ela nos deu uma desculpa e se foi. Ainda refleti na desculpa dada por ela, mesmo seu nervosismo foi perceptível, não seria apenas a timidez ao ser abordada por mim, em está pegando algo sem permissão, não podia ser apenas isso, ela era uma mulher feita, deveria ter lá seus vinte e cinco anos, assim como eu. Não era nenhuma garota para ficar tremendo por nada. Minha noite foi tranquila, a Cris me embalou com seu corpo, e eu depois dormi tranquilo, pois minha ideia seria observar melhor a Gabriela.

No domingo logo cedinho, a encontrei indo verificar o estoque, não sei por que mas tive vontade de ir com ela, queria está mais próximo, mesmo com a desculpa de aprender mais sobre as coisas da loja, eu queria vê-la de perto, cada movimento, e cada sorriso, não que ela tenha um sorriso mais bonito do que o da Cris, ou que ela seja mais bonita que a Cris, minha noiva é muito mais bonita, mais alta, elegante. Entretanto, tinha algo naquele sorriso, e quando ela caminhou em direção ao deposito, eu a observei, tinha um caminhar natural de mulher, delicada e uma leveza nos braços. Pareceu um fantasma ali, pude ver por um leve segundo a imagem de alguém familiar caminhando na minha frente, mas quem? Seu comportamento mesmo parecendo normal, senti uma energia perturbada em sua fala, nada fora do comum, mas tinha algo diferente dos outros dias. A noite eu estava muito cansado, fora uma semana puxada, a loja praticamente não fechava de domingo a domingo, eram muitos funcionários para dá de conta, claro que eu como chefe teria o tempo que eu quisesse para mim descansar, mas como fora minha primeira semana, eu tinha que seguir o ritmo e observar tudo de perto. A Cris foi jantar comigo, depois foi embora, disse que tinha uns trabalhos para terminar.

Os dias se seguiram normais, e eu sem querer me peguei observando Gabriela, seu andar, seu sorriso conversando com os outros funcionários, parecia que ela fazia amizade facilmente, era alegre, muito alegre, fora do comum, sua simpatia me deixava perturbado, e aquele sorriso de onde eu conhecia aquele sorriso, isso estava me deixando cada vez mais curioso.

Quarta feira chegou, e algo me deixou desconfortável, nada de Gabriela aparecer para me dá bom dia e avisar que tinha chegado, chamei Franciele, e ela me informou que era o dia de folga da Gabriela. Claro, os funcionários têm dias de folga. Caminhei pelos departamentos, apenas observando os funcionários, e às vezes conversando com algum subgerente, então avistei ela, estava olhando alguma roupa, me aproximei enquanto a observava, era uma mulher comum, assim como muitas, seu rosto é que era diferente, ele tinha algo nostálgico, marcante, nisso nem notei mas devo ter assustado ela, não sei, talvez eu tenha esbarrado, apenas tive que a segurar por um instante, ela se jogou sobre meus braços. Seus olhos assustados, olhos estes que pareciam verdes claros, e que as vezes eram castanhos claros, só poderiam ser lentes.

Passamos a tarde juntos, aproveitei para tirar minha folga e fomos terminar nossas compras num shopping, onde almoçamos. E lá mais uma vez pude contemplar aquela mulher em sua totalidade sem nenhum fingimento profissional que as vezes somos obrigados a manter em ambiente de trabalho, mas ela, parecia sempre a mesma. Era a Gabriela de sempre. Depois a deixei em sua casa, e voltei para a loja, ainda faltava algumas horas para fechar.

...

Gabi –

Quando entrei em casa no final daquela tarde, encontrei Nanda vendo tv.

─ Boa tarde sumida.

─ Oi – passei direto para o quarto guardar as roupas novas.

─ Ei, espere ai, onde esteve o dia todo?

─ Fui as compras... – mostrei as sacolas.

─ E o Rei?

─ O Rei não chegou?

─ Não.

─ Deve está de namorado novo – lembrei dele com o Carlos.

Nanda me acompanhou até o quarto, e me ajudou a guardar as roupas, então ela viu o livro.

─ E este livro, você já não tem um desses?

─ Tenho, na verdade são dois.

─ E por que comprou este?

─ Nossa Nada como você pergunta – ela com o livro na mão me encarava curiosa ─ é que eu queria reler esta edição, quase que não encontrava.

─ E qual a diferença, não é o mesmo livro?

─ Sim, é que este é traduzido por Dom Marcos Barbosa o mesmo do meu primeiro livro.

─ Entendi, o livro que está com o Eduardo. E ele, você tem o visto?

─ Que pergunta... Nós trabalhamos juntos esqueceu. Ele me chamou para ir ao shopping com ele.

─ Isso você não me conta né. E ai rolou alguma coisa?

─ Claro que não né.

─ Mas se ele te convidou isso tem algum significado não tem?

─ Nanda não vamos interpretar este assunto por este angulo, assim você pode me fazer ter falsas esperanças.

─ Você tem razão.

─ Sim, claro que tenho, ele está noivo, a Cristina é uma mulher linda, rica, terminando medicina, e eles formam um belo casal.

Aquele papo me deixou triste, não sou de ficar admitindo meus sentimentos, mas aqui tenho que contar tudo, sou uma mulher feita, tenho meus sentimentos, e eu não poderia ter esperança dele gostar de mim, isso era algo que eu não poderia imaginar. A quinta de trabalho ao lado dele foi profissional, fiz o que tinha que fazer, quase no final da tarde, o senhor D´Assis me comunicou um aviso para ser repassado para Eduardo.

─ Eduardo posso entrar?

─ Claro Gabi, que tanta cerimonia.

─ O senhor D´Assis deixou este aviso, o senhor nesse sábado tem uma visita a um dos nossos fornecedores, era tradição do antigo dono fazer estas visitas sempre que há mudança de estação, para ver em primeira mão os novos modelos.

─ E eu não posso só manda nossa consultora de moda?

─ Poder pode, mas como o senhor está chegando agora, e este fornecedor é um dos mais antigos e suas peças tem grande procura em nossa loja...

─ Você parece que foi bem treinada – ele pareceu serio mas sua fala foi seguida de um sorriso.

─ Desculpa Eduardo, mas estou apenas esclarecendo...

─ Já entendi, sem problemas, agenda esta viagem, e além de mim e você, quem mais vai?

─ Eu vou?

─ Claro que vai, quem vai fazer as anotações?

─ Claro, me desculpa, sim, vai o nosso fotografo e Patrícia a consultora de moda.

─ Ok, e em qual bairro fica esta fabrica, mesmo?

─ Fica em Santos – ele ficou realmente serio.

─ Estamos indo para Santos? Litoral? Praia?

─ Sim.

─ Por que você não disse logo, me fez ficar chateado com esta viagem sem precisão.

Tinha hora que eu não reconhecia esse novo Eduardo, mas ele me encantava com suas loucuras, e eram essas loucuras que me faziam lembrar dele. No final daquela quinta feira, em casa contei para meus amigos meu programa de viagem com o chefe.

─ Você vai para a praia com o Eduardo e ainda quer que eu não te der falsas esperanças?

─ Viu Rei o que eu tenho que passar com Nanda, já disse a ela que não vai rolar nada com a gente, nós somos apenas chefe e funcionário.

─ Mas foi você quem contou que ele não para de olhar para você.

Aquele papo já estava me cansando, só me fez ficar mais seria na minha decisão de não criar expectativas, afinal eu não estava vivendo nenhuma novela dramática onde o chefe se apaixona pela funcionária e deixa a noiva rica, minha vida já fora realista de mais até ali. Eu sabia muito bem onde estava pisando.

...

Dudu –

Gabriela cada vez mais me deixava intrigado, ela sempre prestativa e sempre me olhava de frente, sua maneira de conversar comigo, era de uma confiança que só os amigos tem depois de anos de amizade. Era um sentimento que eu não saberia explicar eu estava trabalhando com ela a pouco tempo e já podia dizer que tinha completa confiança nela. No final da tarde de quinta feira ela veio me comunicar sobre uma visita a um de nossos fornecedores de roupa esportiva, a forma como ela me repassava, era notável sua preocupação em querer me fazer crer que minha presença nessa viagem seria importante.

A noite em meu apartamento, Cris preparou uma massa italiana, aproveitei para falar da viagem ela pareceu demonstra satisfeita com minha evolução, até que...

─ Então Cris, aproveitamos que estaremos em Santos e ficamos o final de semana na praia o que acha?

─ Mas seus funcionários não trabalham no domingo? – não sei qual foi a parte d aminha pergunta que ela não entendeu, apenas ela não entendeu.

─ Não estou falando dos meus convidados amor, estou falando de nós, você não gostaria de ir comigo a praia, vamos eu e você de carro, faço a visita e depois nos hospedamos num hotel, o que acha?

─ Assim de ultima hora sem planejar, não rola Eduardo, tenho muitos trabalhos.

─ Mas eu já reservei um quarto.

─ Amor, me perdoa, é só desmarcar, a gente se organiza outro dia, ok. Agente pode escolher um hotel serrano, esse calor no litoral, não gosto, prefiro um clima menos quente.

Depois do jantar ficamos curtindo um ao outro, não falamos mais no assunto.

Acordei naquela manhã com um sentimento estranho, pois fazia anos que eu não sonhava com o Gabriel, e naquela noite eu e ele estávamos correndo de bicicletas, quando ele caiu e relou o joelho. Ele não chorava, apenas parecia preocupado

─ Dudu não encontro meus óculos procura para mim.

Eram óculos de graus. Ele usava óculos, aquilo foi um sonho ou apenas uma lembrança. Interessante que há detalhes que a gente esquece como se fosse algo natural, ele sempre usou óculos, ele está com óculos na foto, a imagem dele cada vez fica mais nítida em minha mente, é como o ajustar de uma lente em uma câmera, cada vez mais focada.

Assim como eu queria a sexta se passou voando, os preparativos para a viagem estavam todos prontos, e eu parecia o mais feliz, nem sei por que mas as coisas estavam excitantes nesses últimos dias. O motivo da Cris não querer ir comigo a praia nem me fez ficar aborrecido, eu já imaginava que ela não iria, ela nunca gostou de sol. Mas eu iria aquela viagem e iria aproveitar.

Tivemos uma pequena reunião com os integrantes da viagem para repassarmos tudo, eu na verdade estava imaginando algo bem maior do que era, no final apenas completei dizendo para levarem roupa de banho pois depois nós iriamos para a praia, todos me olharam espantados esperando eu revelar que era apenas uma brincadeira, mas logo depois que eu falei, que estava falando serio, todos abriram um sorriso e deram vivas. Minutos depois D´Assis me confidenciou que eles nunca tiveram uma tarde de lazer na praia depois da visita, ai eu perguntei se eu tinha feito algo errado, ele disse que não, que eu tinha feito era ganhar mais ainda a simpatia deles, então eu sorri e disse, então depois me lembre de ter uma reunião com os funcionários, eu tivera outra ideia mas isso era para depois.

Chegou a manha de sábados, todos na loja, esperando a van chagar, o combinado era todos ir juntos, e eu para não fazer papel de chefe fresco, decidi ir junto com eles. Estavam todos lá menos a Gabriela, não que ela estava atrasada, eu é que estava ansioso, o motivo? Acho que sair daquela realidade sufocante do ambiente de trabalho, e creio que todos estavam assim. Já chegando a hora da gente partir, ela chegou, estava bem vestida e uma bolsa apropriada para praia, e no rosto algo que me deixou assim, parado, ela estava usando óculos de grau.

...

Gabi –

Na manhã do sábado preparei uma troca de roupa, pois já que teríamos uma tarde de lazer na praia, eu iria aproveitar. Quando cheguei na loja todos já estavam lá, quando me aproximei notei Eduardo me encarando.

─ O que foi, estou mais bonita hoje? – brinquei com ele.

─ Sim! – ele pareceu responder meio que abobalhado, mas logo de retomou a seriedade – Você está usando óculos.

─ Sim, eu sempre usei.

─ Então eram lentes realmente...

─ Como disse?

─ Sempre achei a cor estranha dos seus olhos, agora posso ver direito, são escuros.

─ Então era isso, você sempre ficou me encarando, mas na verdade estava apenas curioso com a cor dos meus olhos?

─ E por que só hoje que você vem com eles?

─ Porque vamos a praia, e lentes de contato não combinam com areia.

─ Claro. Mas você deveria usar mais os óculos, ficam bem em você.

A viagem foi maravilhosa. Pela manhã fizemos a visita, tudo já estava preparado, houve um pequeno desfile, Eduardo parecia empolgado com tudo aquilo, ficava me mostrando os detalhes das roupas, pedindo para eu fazer anotações, depois o dono da fabrica nos chamou para almoçar. Ele era um senhor bem sério, mas enquanto almoçávamos ele sorria e contava várias histórias sobre os negócios, que ele estava muito feliz com o novo dono da Cintilante Textil que agora era Cavalcante Textil, só achou muito novo Eduardo, mas foi explicado que ele estava apenas chefiando, mas que o dono mesmo era o pai dele, que estava a frente de outras empresas. Eduardo interagia muito bem, parecia já bem familiarizado com tudo aquilo, eu por já ser veterana nesse ramos de trabalho, não tinha dificuldades.

Depois do almoço, fomos a praia. Estava tudo muito lindo. A areaia bem quente, e muitos banhistas tiravam um pouco a visão de quem estava no calçadão, eu queria está mais próximo, tirei minhas sandálias, e sai correndo com os braços quase que abertos. Eu os deixei para trás e corri até a beira mar, o calor da areia logo foi trocada pela frescura da água nos meus pés, não fazia muito tempo que eu tinha visitado o mar, mesmo não sendo com uma pessoa que eu gostaria de lembrar naquele momento, mas ficar parada ali, olhando para a imensidão do mar, me fazia senti feliz como se lá na distante linha do horizonte houvesse um futuro lindo para mim.

Nisso sinto ele chegar ao meu lado, eu fiquei calada, e ele parado e em silencio também ficou admirando na mesma direção, depois falou.

─ Você sente uma paz quando olha para o mar?

─ Parece que ele te acalenta.

─ Ele te acalenta?

─ Sempre.

─ Então você chora?

─ Só quando não consigo ver meu futuro.

─ E agora você consegue.

─ Não consigo, mas eu sei que ele está lá, e isso me conforta.

─ Acho que eu também sinto o meu lá.

Eu o encarei, parecia que ele recitava o pequeno príncipe com outras palavras, eu tremi, eu não poderia senti amor por ele.

Continua.