Eu não sabia o que fazer naquela altura da vida. Já estava aposentado há alguns anos. Havia lido e relido os livros que queria. Costumava tomar minhas taças de vinho olhando o mar. Gostava quando uma tempestade se anunciava. Ficava admirando os relâmpagos e vendo o vento envergando os galhos das árvores, levantando a poeira das ruas - ao menos era algo diferente. Às vezes acordava de madrugada e ficava olhando para o teto. Andava mesmo meio deprimido. Tanto esforço para chegar até aqui e parecia que eu havia caído numa armadilha do destino.

Subitamente, uma ideia explodiu em minha cabeça: caramba Sergio. Vá fazer o Caminho de Santiago. Não é o que você sempre quis quando ainda trabalhava? Por que não agora? Você está aposentado - não ganhas muito, tá certo, mas pra isso dá!!

Meio trôpego, após ter degustado uma inteira garrafa de vinho e com o sangue revigorado em minhas veias, caminhei até o escritório e liguei o computador. Vamos, coragem! Você consegue!!

Minha pulsação era tão forte e intensa, que podia senti-la batendo vigorosamente em minha fronte, ecoando em meus tímpanos, reverberando em todo o meu corpo.
Minha respiração era ofegante e precisei me acalmar para poder ir em frente. Eu estava prestes a dar um grande passo.
Apertei as teclas certas e pronto: lá estava a minha passagem aérea subindo lentamente como que cuspida pela impressora. Não tinha mais volta. "Alea Jacta Est".

No dia seguinte, já não tão seguro e sem o auxílio do vinho que faz tudo ficar mais aprazível e realizável, tentei abortar o processo. Imaginei que tinha feito uma grande besteira apenas por impulso - e pior, sem qualquer planejamento.
Não deu - a burocracia e as ameaças de penalização por parte das empresas aéreas em caso de cancelamento eram desencorajadoras. Resolvi encarar. Afinal, sou um homem ou um rato? - Acho que um rato, concluí. Como eu iria me virar? Não sabia quase nada do Caminho. Mais tarde descobriria que aí é que estava toda a magia.
Aos poucos fui lendo a respeito e gostando do desafio. Eu havia dado início a uma reação em cadeia, a um moto-contínuo, a um sortilégio do qual não conseguiria mais escapar, como uma folha presa a um redemoinho que caminha inexoravelmente para o fundo do rio da aventura.

E tal qual um Louva Deus que tem a cabeça devorada pela fêmea no ato da procriação, eu já não me importava com mais nada. Só com o prazer que aquilo estava me proporcionando.
Sergio Righy
Enviado por Sergio Righy em 01/10/2017
Reeditado em 09/10/2017
Código do texto: T6129889
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