Continho de Natal

Estava chegando o Natal, e como todo ano, no ar aquele clima de boas festas, animação e solidariedade. Legal, esperar que naquele natal a felicidade realmente não errasse o endereço, isso era o mais desejava Mefer. Mefer, um garotinho como outro qualquer, morador de rua, apenas dez anos de idade, mas com uma enorme responsabilidade nas costas: lutar pela própria sobrevivência, passou a acreditar que no natal seria diferente, e assim aguardar o tão esperado dia.

Na rua, estava a mercê das várias formas de violências, sendo a mais marcante a indiferença. Mefer vivia nos sinais de trânsitos pedindo um trocadinho ou ele era aquele garotinho que outrora se arrastava com aquela caixa de engraxate? O pior que os sapatos sumiram com a onda dos tênis, cada sapato social era disputado, pois parecia que Mefer tinha o dom de se multiplicar. Tinha momento que Mefer era visto dormindo num banco qualquer na praça, embaixo de alguma marquise, driblando o tráfego desafiando a morte, ou seria a vida?

Caminhando ao acaso, correndo de alguma travessura, olhando as vitrines, gostaria de ter um tênis, uma bola... Eram tantos sonhos pequeninos. Mas os olhos começavam a brilhar diante dos coloridos ofuscando as luzes que piscavam nas árvores, e logo aparecia alguém para expulsá-lo daquele local, afinal os olhos eram confundidos com duas estrelas, às vezes algumas lágrimas sofridas escapavam... E não ficava bem diante da festa da união aquele garotinho sujo e faminto ali. Brilho dele?! Só com a tarja preta no rosto!

Não sabia onde estavam seus pais, provavelmente despacharam logo cedo para o submundo. Deve ter sido um “pestinha” para ser despejado na infância. Na infância? Quando deixou de ser criança? Como um pequeno adulto se queria comer, vestir, calçar... tinha que lutar para isso. A vida lhe agrediu muito cedo e ele também aprendeu com ela revidar. Infelizmente, as carteiras, bolsas e celulares arrebatados eram formas de pedir socorro em voz dupla. Para si e para as vítimas.

Chega o Natal, os aparatos midiáticos e consumistas vão até Mefer. Muitas luzes, fios, microfones, acompanhados de uma dama chorosa e solícita com brinquedos de diversas formas e tamanho. O escolhido estava dormindo todo encolhidinho debaixo de um viaduto, se assusta com a infinidade de presentes. E de repente, chora copiosamente. O quê aconteceu? O garotinho se emocionou com tantos presentes! Vejam a cara que o pequeno Mefer fez diante dessa ação solidária! E nada mais que justo Mefer falar em rede nacional o quanto ficou feliz com a chegada do natal. Ainda tentando segurar os soluços, Mefer fala bem baixinho, talvez para não contrariar aquela senhora:

_ Eu... eu... num tô feliz! Eu queria... Queria... uma pitadinha assim de felicidade... Onde vou botar esses brinquedos? Eu só queria ficar com a bola... E ganhar um abraço de Papai Noel!

E o choro daquele refém invertido da violência social, no dito popular “sem eira nem beira” toca uma pessoa que vem das margens, e de imediato, procura a fundação que o abrigou. Dela, o pequeno Mefer recebeu além do abraço, o respeito e a atenção... Ao conhecer uma linda história de superação, acreditou que vale a pena viver, sonhar e lutar por Natal de realizações. Ela lhe ensinou que Natal precisa ir além das festas, presentes, comidas, mas momento para reflexão sobre as ações praticadas durante o ano que se finda. Cada dia é único e a chance de fazer o bem não pode ser adiada para apenas um dia... Aquele “Continho de Natal” que ouviu daquela mulher anônima que entrou sorrateiramente em sua vida mudou a sua história.

Abraços baianos,

Elisabeth

Ps: Mefer é refém invertido...

Elisabeth Amorim
Enviado por Elisabeth Amorim em 07/12/2014
Código do texto: T5061234
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