Lembranças de Uma Noite de Natal

“Bate o sino pequenino, sino de Belém...”

Há quanto tempo não sinto o calor de uma lareira?

“Já nasceu Deus menino para o nosso bem.”

Há quanto tempo já não participo de uma ceia de natal?

“Paz na Terra pede o sino alegre a cantar... Abençoe Deus menino, este nosso lar!”

-Feliz natal! - diz o pai da família vizinha ao receber seus convidados.

-E eu? Observo.

Através da janela consigo ver: peru saboroso, leitoa douradinha, presunto defumado. Pela janela consigo ver ainda: crianças sorrindo, cachorro agitado, presentes aos montes e uma árvore grandiosa.

Um sentimento antigo toma conta da minha mente. Uma bonita ceia, papai e mamãe se abraçavam e transmitiam calor e segurança. Era saudade. Saudade dos que foram. Saudade dos olhares, saudade dos cheiros, saudade dos abraços apertados, saudade das brigas; dos fins e dos recomeços. A saudade arde no meu peito.

Hoje, caminho sem rumo pelas ruas; só, com frio e fome — muita fome. Os tempos de bonança se foram, pois perdi tudo que eu tinha. Eu quase não me lembro como, às vezes preferiria esquecer o que eu tive um dia. Por fraqueza...? Talvez.

Sento-me na sarjeta, desejando não mais que uma sopa bem quente, acompanhada de um cobertor. Está frio, e é difícil se mexer. Abraço meus joelhos em uma tentativa inútil de me aquecer. Fito o céu e acompanho um pequeno floco de neve cair. Delicado; leve como uma pluma.

Então, um turbilhão de lembranças me preenche. Com os olhos fixos no céu, sinto-me paralisada.

Uma casa quente e confortável, em um bairro nobre, dentro dela uma família. Mamãe me pede para levar os biscoitos, juntamente com o leite, para perto da árvore.

-“Claro, mamãe!” - respondo com brilho nos olhos, imaginando se o velhinho gostaria.

Bons tempos...

Definitivamente, essa não era a vida que eu, e muito menos meus pais, queriam para mim.

Eu não consigo mais acreditar no natal.

Talvez eu possa deixar esse pensamento de lado por alguns minutos, pensei comigo mesma, enquanto abria um sorriso.

Foi então que eu desejei que o Papai Noel existisse. Desejei que ele passasse por mim essa noite. Fechei os olhos, e por um momento jurei ouvir sinos. Sinos que vinham acompanhados dos galopes frenéticos das renas. Mas então a fantasia se apagou, era apenas o som de uma carroça, provavelmente enfeitada com uma guirlanda repleta de sinos.

Tentei despertar do transe, mas notei que minhas pálpebras estavam quase congeladas. Coloquei minhas mãos nos olhos, tentando transferir parcela do escasso calor que havia em mim para elas.

Sustentando meus olhos na janela iluminada à minha frente, eu pude notar que meus dentes batiam uns nos outros incessavelmente.

Pensei no quanto eu havia sido tola em tentar acreditar, mesmo que um pouco em... magia. Era óbvio que ela não existia e, se sim, não se importaria com uma órfã.

Virei meu rosto para recuperar o fino lençol gasto que eu tinha, era uma das poucas coisas que eu podia chamar de minha. E então eis que sinto algo inédito há anos.

O que é a felicidade para você?

Algumas pessoas encontram a felicidade nos braços de seu amante, outras no teste positivo de gravidez. A felicidade, de fato, é relativa.

Hoje eu encontrei a minha felicidade. Ela está dobrada em três, e é bem grossa; parece quente. Percebi-a ao lado de outras felicidades, estas estão separadas em vasilhas diferentes e o aroma é muito mais que agradável, é maravilhoso; divino.

Minha felicidade, nesse momento, se resume em saber que hoje, mais uma vez, adiei minha morte. Consiste em saber que vou sobreviver. Por incrível que pareça, coisas pequenas como esse milagre de natal, traz a tona um sentimento que nos faz fortes; a esperança, que em mim, há muito tempo, estava perdida.

Escritora de Bar e Denzel Washington
Enviado por Escritora de Bar em 16/07/2017
Reeditado em 19/09/2018
Código do texto: T6056317
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.