Cenira na mira

Se sair do Brumado, ou de Pitangui, para vir a Belo Horizonte no final daqueles anos cinquenta, ou início dos sessenta, era uma doçura de aventura para a criançada, anunciada era para a tiarada. Pois é, para as tias, quase tudo girava em torno da marcação, ou das consultas no IAPI. A alguma compra nas Lojas Americanas, tia Rita ou tia Isabel, podiam se arriscar. Mas a concentração toda ficava mais no pavor de se atravessar as movimentadas ruas ou avenidas da capital.

Enquanto, sempre acompanhando os pais - ou a um só deles, já que a fábrica de tecidos não dava moleza - nos hospedávamos na casa de algum tio de mamãe, entre os quais o Messias do Bairro Amazonas, e o Alfredo, do São Geraldo - às tias sobravam as pensões mais centrais para se acessar mais facilmente uma condução que levasse ao centro das consultas, bonde ou ônibus, na Rua Platina, do Prado.

E a referência obrigatória para elas passou a ser a Pensão de Dona Cenira que, como me falha a memória, ficava na Avenida Paraná com a rua dos Carijós, ou a dos Tupis. (daqui a pouco, se esta ler, mano Beu dará as precisões mais uêzicas...).

A véspera da partida do Brumado ou de Pitangui era como uma dessas revisões de cursinhos na iminência do bicho-papão do vestibular. As tias Isabel e/ou Rita, mais expeditas e aflitas do que Tia Vicentina ou Tia Lia, cravejavam papai de perguntas. E o velho era bambambã mesmo

nas questões de localização e movimentação, dando-lhes tudo mastigadinho, como se lhes incutisse um desenho mental, já que papel - devia imaginar - carecia, primeiro, encontrar depois, interpretar e aí, babau...as manas poderiam se perder na capital.

Alojadas com Dona Cenira, tranquilizavam-se, resguardando-se porém da aproximação de estranhos, tanto da rua como do interior daquele abrigo. Numa das raras aberturas que fazia sobre aquele universo, tia Rita contava o caso de uma visitadora frequente, ou quiçá já permanente, de tão ausente. Era uma senhora que tinha uma fome insaciável. A todo hóspede pedia que, numa saída, lhe trouxesse pão, biscoito, tareco, pastel, ou algum congênere.

E tia Rita arrematava, com a sua escassa graça para contar causos:

..." e essa mulher era um palito..."

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 09/10/2017
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