O Amor nunca Falha

Ela não se lembrava de quem era e nem de onde viera. Só sabia que estava só e abandonada nas ruas daquela cidade enorme! Tinha imensos olhos esverdeados e um pelo marrom muito bonito, mas estava maltratada e magra por passar tantas agruras pelas madrugadas e dias. Alimenta-se do lixo e da bondade das pessoas que trabalhavam em lanchonetes e restaurantes que, impressionadas com sua doçura e educação, sempre arrumavam umas sobras. Ela vivia de porta em porta, com seu olhar triste e sua pequenina cauda a abanar suavemente, de um jeito como se pode abanar um rabinho tão curto, certamente cortado ao nascer. Assim era ela.

Em uma noite fria, ela estava particularmente faminta. Era domingo e ali onde perambulava, quase às vinte e três horas, não havia restaurante. Ela também estava sonolenta, cansada e mais suja do que de costume. Começou a fuçar um saco de lixo que estava perto de um cortiço quando um sujeito muito mal humorado saiu de uma dos casebres, com um cabo de vassoura na mão e começou a tentar acerta-la. Ela foi atingida em uma das patas e no desespero da fuga, foi atropelada por um táxi. O motorista, um rapaz magricela, negro como o breu, desceu do carro e, cheio de dedos, a pegou no colo. Ele viu que ainda estava viva, mesmo que muito machucada. Não sabia o que fazer. Não tinha dinheiro. Não tinha nada na vida a não ser seu enorme coração. Tomou uma decisão: colocou-a no carro e buscou a primeira clínica veterinária que estivesse aberta. Entrou com ela nos braços:

- Por favor, me ajudem! – Pedia ele.

- Por favor, socorro! – Implorava o jovem.

Então, de uma das salas, apareceu um jovem senhor. Seu olhar preocupado recaiu sobre o negrito e sua carga. O taxista a carrregava como se ela fosse um tesouro.

- O que aconteceu? – Perguntou.

- Ela foi atropelada e eu não sei o que fazer, doutor. Eu não tenho dinheiro, mas se o senhor ajudar eu faço corrida grátis pro doutor e sua família até pagar o custo. Mas salva a vida da bichinha, por favor!

O médico, sentiu seus olhos arderem. Sorriu com bondade e pegou a cadelinha no colo.

- Pode deixar, meu filho. Espere aí.

Carregou-a para dentro. As horas passavam. O taxista nem queria sabre quantas corridas estava perdendo e nas contas que teria que ajustar com o patrão. Só pensava na marronzinha, coitada. Então um pensamento horrível passou por sua cabeça: ela tinha morrido e o doutor não queria falar. Entrou em pânico. De repente aquela cadelinha era como se fosse um membro da família que não tinha mais. Ele, um taxista pobre e negro, morava numa casinha muito pequena na periferia da cidade. Estudara muito pouco porque havia começado a trabalhar muito cedo para ajudar sua mãe, que falecera fazia apenas alguns meses. Nunca conhecera o pai. Agora sentia que podia ajudar alguém ou algum ser. Que era importante também neste mundo. Via claramente que o fato de ser negro e pobre não o fazia diferente dos demais seres humanos. Sentiu que era alguém. Sim, ele era alguém e nunca mais fariam com que pensasse diferente.

As portas se abriram e um sorridente médico apareceu. Ele bateu no ombro do taxista aflito.

- O seu animalzinho vai ficar bom.

- Ela não é minha, doutor. Estava correndo na rua quando eu a atropelei.

O médico olhou aquele rosto cansado e aflito.

- Rapaz, enquanto tratava dela tive uma idéia. – Falou o veterinário . – Estou precisando de alguém para trabalhar aqui na minha clínica, mas não qualquer pessoa. Tenho entrevistado muitos, mas até agora não encontrei ninguém com a bondade que existe em seu coração. Você gostaria de trabalhar comigo?

O rapaz pensou não ouvir direito. Era uma grande oportunidade! E quem sabe poderia ficar com a marronzinha?

- Eu quero sim, doutor. Mas eu vou poder cuidar da marrom?

- Eu espero que você possa cuidar dela e de todos os animais que vêm aqui. Acha que é capaz? É claro que eu vou te treinar. Concorda?

O médico estendeu a mão e o rapaz a apertou, cheio de esperança e renovada força de vida.

- Obrigado, doutor.

- Só tem um problema.

O taxista viu sua alegria minar.

- Qual?

- Você vai precisar morar aqui em cima, porque eu não posso. Mandei fazer um pequeno apartamento justamente para ficar enquanto cuido da clínica, mas realmente não dou conta sozinho. A família precisa de minha presença. Então resolvi contratar um assistente. E aí? Ainda aceita?

Sorrindo, os dentes brancos, o rapaz responde:

- Quando é que eu mudo?

E assim nossa pequena cadelinha encontrou um lar. Nunca mais precisou buscar comida e amor pelas ruas da cidade e naquele inverno esteve aquecida como nunca.

O taxista tornou-se um excelente auxiliar e voltou aos estudos. Queria ser veterinário também. Seu amor pelos animais ficou evidente conforme os dias passavam. E nunca mais se viu como um ser inferior.

O veterinário prosperou e abriu mais duas clínicas.

Mesmo que tentem provar o contrário, mesmo que as misérias do mundo ainda sejam imensas e capazes de nos proporcionar dias ruins, o AMOR NUNCA FALHA!

Rita Flôres
Enviado por Rita Flôres em 21/06/2008
Reeditado em 11/08/2015
Código do texto: T1044948
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