SONATA - Normanda - 06/02/2006 Lia de Sá Leitão

O calor contribuia para aquela pachorra do meio dia,a rede armada na na varanda balouçava e esperava gratuitamente a brisa que soprava também morna vinda do Oceano.Adentrou na varanda e abriu o enorme pano azul bem tecido em fios grossos fios de algodão lembrando pescadores içando uma vela de jangada, prestes a enfrentar ondas esmeraldas quebrando ao pé das areias brancas daquele mar, sim, outros mares viriam em sua ãnima, o mar dos pensamentos, o mar dos esconderijos, os diversos mares secretamente navegados pelas emoções, sentimentos de medos, desejos, aventuras adolescentes nunca dantes reveladas. Os banhos nus à luz da Lua, os mergulhos de corpo inteiro em busca do companheiro exímio nadador entre os seculares e pontiagudos corais. Como resgataram-na de uma vida sem os compromissos iminentes exigidos pela sociedade? O que fizeram com a menina de flores nos cabelos nativa da Enseada.

Deram-lhe diplomas, carro, trabalho e uma família, filhos e um marido que jamais seria o atleta das pranchas coloridas afoitas a cortar ondas pela adolescência divertida capricornianamente dourada em rítmo de alegria e vigor.

Onde estava escondida aquela mocinha sonhadora, diante do Forte Apache armado pelo chão do quarto do irmão mais velho, a moça de tranças nos cabelos, aquela que apaixonou-se pelo seu herói,o cavaleiro vermelho de plumas selvagens, o indígena arquiinimigo (segundo Aurélio, com ii, por serem inimigo supremo) de seu pai, o bravo Coronel de barbas brancas sempre de montaria no cavalo marrom e espada em riste.

A mulher adulta mergulhava no devaneio, ria de si para si, que ninguém a visse imaginando o corpo ardendo por um índio materializado no personagem que jamais serria a figura do marido, estava tudo tão perfeito que o imaginário não podia falar menos que seus instintos.

Estava apenas cansada, com calor, à noite seria de plena atividade com a garotada que foi convidada para cortar o bolo de aniversário e cantar os parabéns do mais jovem herdeiro do apartamento da praia. Finalmente a festa estava pronta, podia descansar o corpo moído como se fosse máquinas de doces, empadinhas, coxinhas, quitutes que enchem as vistas dos adultos e o bolo confeitado que seria o comentário das avós, pelo sabor, pela textura, pelos ingredientes, pela delicadeza, pelo bom gosto, ai ai ai pensava esbaforida na rede, avós, sempre piores que as mães, exigem uma perfeição sutil, fazem críticas afiadas e felinas (não são ferinas).

O circo armado na mesa da sala o aniversário do filho, restava esperar os convidados e o marido adentrar pela porta da frente ao som do tradicionalissimo Parabéns pra você!

Olhando o seu apartamento de fora para dentro sentiu algo reconfortante que tantas mulheres sentem quando se sentem felizes pelo fato de optarem por uma vida estabelecida dentro da cultura Ocidental Cristã, e se não tivesse o marido, a família, seria feliz? E se os largasse em busca do índio pele vermelha de penachos selvagens, o que seria do amanhã? Fechou os olhos e deixou-se levar num leve sono entre a canseira e o calor. Os olhos foram pesando, como um encantamento tomados pelo artesanato na areia criado pelas rendeiras do mar, naquela tarde pareciam frenéticas, trabalhavam num rítmo acelerado e não davam tréguas ao tempo, a mulher em seu ressonar de solitária reclusão pós trabalho exaustivo, adormecida,mirava a sua própria alma e tentava prender o tempo em suas mãos como quem tenta fazer barragem na água, perdia o poder de domínio cada vez que algum barulho incomodava ou despertava do âmago do ser, não podia retê-la, não podia armazená-la em depósitos, deixava fluir como os seus sentimentos mais secretos. Onde estava aquele índio de penachos selvagens.

Sentia as carnes arderem num desejo de posse, queria o real enganador por meia hora de prazer, o homem que passava na calçada ou aquele que levava a jangada ao horizonte ela sentia entumescer os seios e algo vibrava emtre a linha de desejo e sedução e a razão do sono alquebrado de silenciosos concentimentos, tomava como provocação das horas, ninguém em casa, podia usar-se e deixar-se estar por inteira em seus atributos de mulher, mas, queria mais, muito mais, queria aquele penacho selvagem chegando, pulando das paliçadas do forte e invadindo sua varanda, tomando-lhe o corpo trêmulo dos receios pela entrega total e a menina moça daria lugar a mulher sem o pânico de conhecer o seu primeiro homem em noite de nupcias como socialmente ficou estabelecido entre o ser e o ter.

Balançava-se levemente na rede como quem busca uma melhor posição para roçar a alma no sonho, voltando para o ponto de partida cada vez que a atenção era desviada por coisa outra.

Sem concluir desejos de si para si, o selvagem de penachos some com a bruma do meio dia formada pelo calor infernal do Nordeste brasileiro, os carros buzinam sem o menor respeito aos moradores dos edifícios, gritos de crianças, reclamões de babás, a porta abre num romapante e a família chega numa euforia para o almoço. O mais velho berra de um lado mãeeee olha o almoço vou voltar para o colégio aula de Matemática! O do meio antes de entrar para o abnho faz um monte de caretas para o mais novo, até levá-lo ao choro com aquele coro irritante, não vai ganhar presente...não vai ganhar presente... não vai ganhar presente, pura violência da estatura do poder, o menor aos prantos se cola ao corpo da mãe e pede para que o defenda daquele monstro, ela finalmente desperta do direito de sonhar, resolve todas as dificuldades, olha o relógio e pensa, por que o marido está demorando mais que o costume