Zé do roçado...o candidato! 

     
      Quem o visse conversando pensaria que se tratava de algum instrutor de natação ou alguém que estivesse exercitando-se no que já tivera aprendido em aulas deste lazer e esporte. Gesticulava de tal maneira que as mãos se assemelhavam às longas asas de aves desejosas de voar para bem distante. Era o Zé do roçado, como todos o chamavam. 

     Zé possuía um pedacinho de terra onde plantava  mandioca, andu, quiabo, pimenta malagueta,capim santo e mais umas outras raízes que usava no dia-a-dia da família e ainda vendia na feira nos dias de sábado, no pequeno município onde morava com os seus.

     Dona Maricas era uma idosa emproada que morava pertinho do roçado do Zé e que vivia há longos e fastidiosos anos driblando a ação do tempo sobre a sua pessoa. Indignava-se porque muitas pessoas se enchiam de carnes quando iam envelhecendo e ela estava se tornando um graveto ambulante. 

     O que lhe restava de carne estava murcha e macilenta, principalmente na parte traseira que procurava disfarçar usando calcinhas com recheios de pequenas almofadas que ela mesma fazia.

     Os dentes estavam guardados dentro de uma caixa em cima do armário e vez por outra ela os olhava recordando terem sido tão elogiados quando ainda moça e dona do mais bonito sorriso da região.
     
     Agora possuía uma dentatura lhe martirizando os dias,  formando calos nas gengivas,dançando na sua boca toda vez que ela começava a conversar ou tentava cantar o hino na Igreja quando ía assistir a santa missa. 
    
      -Ah se eu pudesse matar o seu Gervásio que me cobrou quinhentos réis por esta porcaria! Falava para si mesma sempre que a dentadura tentava lhe pregar peças, ou quando ía escová-la na pia que ficava no oitão da casa bem escondida dos olhares curiosos de quem pudesse chegar de surpresa na sua casa porta a dentro.

     A cabeça vivia coberta por uma peruca cor de café ralo com um grande coque no topo e um grampo com uma pedrinha que brilhava mais que pirilampo nas noites escuras do sertão. Tinha um orgulho danado desta. Fora a sua comadre que lhe havia presenteado quando o seu cabelo começara a rarear por conta do avanço da idade e da genética da calvície do seu falecido e abençoado pai. 

     Guardara a dita cuja dentro de uma caixa por algum tempo até que não deu mais para esconder a sua iminente calvície. Resmungando muito, passou a usá-la com um certo quê de desprezo e vaidade.Tinha sempre uma resposta na ponta da língua para os que perguntavam sobre a mesma e não entregava os pontos de forma alguma.

     Uma bela manhã de domingo lá vem Dona Maricas toda empertigada sobre os seus sapatos quase "salto alto", séria por demais, sob uma sombrinha colorida, lhe protegendo do sol das dez da manhã, um tanto já quente para quem não estava acostumada a desfrutar de um bom banho de sol. 

     Voltava da missa e já tinha jogado fora uns bons dedos de prosa. Estava com uma certa pressa para chegar em casa a fim de fazer o almoço bem reforçado pois havia convidado seus compadres e o afilhado para almoçarem com ela.

     Não é que Dona Maricas sem medir direito o espaço entre a sua passagem e o gestual do Zé, levou um belo de um safanão nas ventas?! Pois é!!

     O safanão foi tão violento que Dona Maricas caiu esparramada de bruços pelo chão com a saia levantada deixando à mostra o seu minguado traseiro pois as almofadas haviam saltado longe. 

     Levantou furibunda com a face rubra de ódio e pintada com o pó da terra, a boca emurchecida proferindo palavras desconexas, rodopiava qual pião maluco, procurando onde tinha ido parar a sua dentadura. 

     Passou as mãos pela cabeça e gritou: - Valha-me Deus!!  
     
     A esta altura dos acontecimentos a roda do populacho já estava formada emitindo altas e sonoras gargalhadas.   

     Notou que estava também sem a peruca e foi à loucura. Recordou-se que antes da sua queda havia enxergado o Zé conversando com algumas pessoas na esquina do mutirão, com aquela sua maneira de balançar as mãos pro alto como se tivesse lavado e estivesse secando ao vento, pensou rapidamente. 

     Ah! Ele vai me pagar e caro!! Investiu contra o Zé,praguejando. 
     
     Ele, todo solícito, pedindo mil desculpas, prometeu que iria  pagar todo o prejuízo que ela tivera por sua causa. 
   
     - E pague mesmo!! Gritava enfurecida. Senão te meto na cadeia pelo resto da tua vida, prometia em nome de todos os santos e arcanjos.

   - O Zé pensou...pensou...e pensou! Como iria pagar tamanho prejuízo? Uma dentadura, uma peruca, duas almofadas e mais algum dinheiro pela vergonha que ela tinha passado? Tinha sentenciado Dona Maricas!

     -E agora, que vou fazer meu Deus do céu? Meu roçado rende tão pouco...  pensava Zé em voz alta quando teve um estalo na mente. Vou me candidatar a vereador do município. O salário é bão e vai dar pra pagar Dona Maricas.

     A eleição estava pertinho, pertinho....nos dias!! 
     
     Zé saiu candidato do PDPL , Partido que Desconhece o Poder Legislativo, mandou fazer um montão de "santinhos" com sua foto bem sorridente, foi aos comícios, subiu nos palanques e falou pelos cotovelos.

     Prometeu mundos e fundos na sua voz forte e alterada pela emoção de ser candidato a algo que ele nem mesmo sabia o que era mas o povo estava aplaudindo e gostando da sua fala. Gesticulava tanto que, por pouco, quase sobrava sozinho em cima do palanque.

     Enfim, chega o dia tão esperado da eleição. 
    
      Dona Maricas foi votar com um lenço florido amarrado na cabeça, um leque aberto tapando a boca murcha e várias anáguas para disfarçar a falta das almofadas.

     Zé foi empaletozado , uma gravata surrada desfiando nas pontas, um sapato emprestado do seu amigo Jão do fumo e um chapéu de palha novinho em folha. Como não sabia nem ler nem escrever, colocou o dedão na folha e votou em si mesmo.Para prefeito nem se preocupou em votar pois qualquer um que ganhasse seria a mesma coisa, assim pensava. 

     E não é que o Zé foi eleito?! 

     Realizou o sonho de ganhar um bom salário sem muito esforço e logo logo pagaria a sua dívida para com Dona Maricas. Ía juntar dinheiro pra se mudar daquele lugar que aquilo lá não era lugar pra um vereador morar...pensava com seus botões.





Um lindo final de semana para todos.
bjs soninha