BAR DO RECANTO

Conferi o luminoso com lâmpadas coloridas: “Bar do Recanto”. Entrei, pedi uma cerveja, acendi um cigarro e me pus a admirar o ambiente. Do lado direito, um enorme balcão com decoração dos anos 60. À esquerda, uma dezena de mesas perfiladas. Ao fundo, o imponente palco denotava o requinte do ambiente. Um clone de Louis Armstrong entoava um soberbo jazz. Propositadamente a luz amena tornava o local aconchegante.

Uma loira com um lindo par de óculos Ray-ban tomou chegada e sentou-se à minha frente apresentando-se:

-Você deve ser o Paulo Izael, não?

- O próprio!

- Muito prazer, Rosa Pena!

- A dama das crônicas do Recanto?

- Carioca, cronista, poetisa e poderosa! – disse Rosa, exibindo um contagiante sorriso.

- Legal este barzinho. Vem sempre aqui, Izael?

- Quando o açoite da solidão me cerca, busco este refúgio.

Continuamos a papear, admirando o jazz. Quando me virei de lado, dois homens tomaram chegada na mesa. Prontamente apresentei-os a Rosa:

- Meus amigos, Nel de Moraes e Cula.

- Nós também estamos aqui!

Olhei para os novos visitantes, Luiz Guerra vinha com uma garrafa de uísque sendo aberta por Ricardo de De Benedictis.

O bar estava animado. Todos elogiavam o requinte do recanto das letras, um site direcionado para literatura.

- Boa noite!

Todos nós olhamos para a entrada, era o Raferty que vinha acompanhado da Deth Haak e a misteriosa Dama de Negro.

Ainda nos cumprimentos, alguém tocou às minhas costas se apresentando:

- Olá! Como vão, crianças de Deus?

Era a doce Pretacosta que chegava distribuindo sorrisos com sua inconfundível aura repleta de solidariedade.

- Vou cantar – disse Rosa Pena.

- Vais cantar uma do Genival Lacerda, aquele que faz dueto com a barriga! – perguntou Raferty, alfinetando.

- Vê se não enche! – rosnou Rosa Pena – Clone do Silvio Santos.

- Então vá lá. O que seria do esperto se não existissem os otários, ou otárias, como queiram os elitistas.

- Nossa, como você é acido, hein Raferty? – bradou Deth Haak.

- Ah, o chato sou eu? Ninguém suporta mais essas cirandas que você cismou em patrocinar. Um amontoado de baboseiras!

- Opa, ai está me ofendendo...Também estive lado a lado da Deth nesta empreitada - gritou Dama de Negro.

- Engraçado, o ridículo sempre vem acompanhado! – disparou Raferty, caindo num sarcástico e infindo riso.

- Vamos rezar, gente! Tudo isto é falta de fé! – falou Pretacosta.

- Vem cá, eu te conheço? – respondeu Raferty em tom zombeteiro.

- A fé recolhe todas as ovelhas, conhecidas, ou não.

Luiz Guerra que se ocupava em esvaziar a garrafa de uísque, resolver interferir:

- Gente, vamos fazer um brinde ao Paulo Izael que está escrevendo este conto!

- Só quero ver quem vai escapar no final, haja visto que o Paulo é impiedoso em seus relatos. E por falar nisso, essa coisa que você escreve – disse Raferty apontando o dedo para mim – ta ficando chato. Só fala de aura, alma penada, reencarnação, cemitério...Até que você não é tão ruim assim, mude o tema de sua literatura, está se tornando um chato cansativo e repetitivo.

- O belo nunca se repete, acrescenta conhecimento! Estou sempre com você, querido Paulo Izael – interveio Dama de negro em minha defesa.

Como estava escrevendo o conto, não me cabia ser passional e me contive. frente à afronta. Engoli o destrato.

- Quer saber Raferty, – interveio o Cula, gesticulando -você andou publicando contos pornôs, seria uma lacuna a ser preenchida por uma infância atormentada pela inexistência sexual? Cloninho do Silvio Santos!

O riso dominou o ambiente. Todos caçoavam de Raferty.

- Tadinho dele! Porquê chamam Raferty de Silvio Santos? – perguntou Pretacosta.

- Ele publicou sua foto lá no recanto das letras. Quando vi, o batizei de homem do baú...! – respondeu Rosa Pena em majestoso deboche.

Raferty fuzilou Rosa Pena com o olhar e castigou:

- Vou te contar, Rosa, só e necessário à leitura de uma crônica de sua autoria para saber o conteúdo das demais. Nada é original, até o cabelo seu tingido - falou Raferty, se desmanchadndo em risos.

Rosa Pena subiu ao palco. Sua voz macia fazia a diferença na magistral interpretação de Billie Holiday.

- Isso mesmo Rosa, tudo está dominado! – gritou Nel de Moraes.

- Pessoal, posso cantar uma evangélica? – perguntou Pretacosta.

- Não – decretou Ricardo De Benedictis.

- Então uma do Padre Marcelo Rossi, ele não é evangélico- pediu Dama de Negro.

- Não.

- Como você é intolerante, Ricardo! – rosnou Deth.

- Para cada exaltação religiosa, existe um lugar apropriado. Isso aqui não é um mercado litúrgico.

Rosa Pena, na euforia da interpretação, gaguejou e engoliu parte da letra.

- Como a Rosa é ridícula para cantar – gritou Raferty.

Achei que Rosa Pena necessitava de um tom acima. Peguei meu trompete e acompanhei-a na melodia. O resultado foi brilhante. As palmas ressoaram pelo bar. Empolgados, fizemos mais dois números, homenageando Isaurinha Garcia e Ella Fitzgerald.

Nel de Moraes convidou a todos para um brinde:

- Brindemos a esta confraternização de amigos!

- Aceito um copo – pediu Pretacosta, determinada.

Todos nós olhamos para Pretacosta. Num coro, perguntamos?

- De quê?

- Guaraná...

Ficamos aliviados. Mas, Pretacosta terminou o pedido dizendo:

- Guaraná com vodka. Não sou de ferro, né gente querida? - disse Pretacosta sorrindo.

- Nem tudo está perdido – disse Dama de Negro.

- Ao brinde – falou Nel de Moraes quebrando um copo acidentalmente.

- Detesto este tipo de exaltação sem sustentação lógica – protestou Raferty.

- Como você critica tudo hein? – comentou Ricardo de Benedictis, claramente incomodado.

- A crítica alavanca a extrai a pureza da arte. Não fossem minhas ácidas e providenciais palavras, o mundo se restringiria a um anonimato cultural – respondeu Raferty.

Luiz guerra sussurrou no ouvido de Raferty:

- Quem escreve a melhor crônica lá no recanto, eu ou a Rosa Pena?

Raferty optou por uma saída política e respondeu baixinho:

- Vocês possuem estilos diferentes. Embora ainda crus, não são totalmente insossos. Eu diria que ambos prometem.

Após o demorado brinde, onde meia dúzia de copos foram “acidentalmente” quebrados, sentamo-nos à mesa. Luiz Guerra olhou para mim e perguntou:

- Paulo Izael, qual será o desfecho deste conto, já que você sempre surpreende no final de suas obras.

- Este não é um conto, apenas mais uma noite no bar do recanto!

As damas estavam apreensivas:

- Hoje meu marido me mata! – disse Rosa Pena consultando o relógio.

- O meu também – assimilou Dama de Negro.

- Eu nem quero pensar – falou Deth,

- Seja o que Deus quiser – confidenciou Pretacosta.

- A senhora Raferty certamente irá me agradecer pela folga – zombou Raferty.

Os primeiros raios solares ainda eram tímidos. Deixamos o bar do recanto e ganhamos a rua. Ziguezagueamos a procura de nada. Todos errantes, embriagados e apaixonados pelo fascinante encontro que a literatura havia proporcionado. Olhei mais uma vez para o luminoso do bar e vi uma discreta recomendação, visite: www.recantodasletras.com.br.

N.A.

Este conto é uma singela homenagem aos escritores (as) do Recanto das Letras. A omissão de centenas de brilhantes artistas, deu-se em função da limitação de espaço. Se fosse enumerar a todos, certamente teria que escrever mais de 1000 páginas. Mas, fica aqui meu carinho e admiração para todos os rapazes e moças que fazem a grandeza do site.

Paulo Izael.

Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 13/03/2006
Reeditado em 14/03/2006
Código do texto: T122556