Na Luz Vermelha da Tarde

NA LUZ VERMELHA DA TARDE

Ainda embargada num sono profundo, o rádio relógio me desperta ás 7 da manhã e todo ambiente é invadido por uma melodiosa e suave música. Notei pela janela um dia escuro e chuvoso. A música foi interrompida pelo noticiário, notificando um corpo de uma menina encontrada afogada na beira da praia.

-Que desgraça, penso eu, pra se começar um dia. Se não fosse o meu querido despertador, eu estaria sonhando os melhores momentos dos meus sonhos. Mas tudo bem, ele sempre sai vitorioso. O primeiro ponto da manhã é dado ao meu ilustre despertador. Todo dia ele me arranca do melhor lugar que existe para se estar numa manhã.

E assim, diante de um dia que começara caído, pensei: Vou ou não vou para a minha obrigação de todos os dias? E antes que a preguiça ou a coragem falasse mais alto, o rádio anuncia que o corpo encontrado havia sido identificado e nesse momento fiquei em estado de choque.

Não poderia acreditar que aquela menina que a pouco conheci, teria morrido assim, tão jovem.Joguei o rádio-relógio pela janela e chorei muito, além disso, não sei lidar muito com a morte, por que sempre deixa uma sensação estranha de nunca mais na vida a gente irá rever uma pessoa que se fora.

Olívia era o seu nome, meio menina, meio criança... Linda, dessas que qualquer família pensaria em adotar, mas que temem, pois uma vez delinqüente, sempre será uma delinqüente.

Mas apesar de sua tristeza pela agressão familiar e policial, ela alimentava sonhos dourados, acreditara, porém, que um pouco de felicidade ainda bateria em sua porta...Doce ilusão...

Lá fora, a chuva ainda insistia, como se o dia chorasse rumores de agonia e morte.Olhei pela janela e meus pensamentos me levariam pra longe, mas precisamente numa tarde alaranjada de frente pro mar...

Via-me sentada num banco de pedra ao pé de uma amendoeira, absolvida em meus pequenos problemas, quando ouço uma voz sumida, um quase sussurro...

-Moça! Me arranja um cigarro? Permaneci ma mesma posição que me encontrara.

-Moça, ta surda, me arruma um cigarro? E ainda com olhos fixos na praia resmunguei:

-Vai te embora!

-Está bem, respondeu ela, não precisa ficar brava e dá licença que eu também quero ver o mar. Assustei-me e me virei disposta a expulsa-la, no entanto, desarmei-me diante da petulante.

-Você não dá é por que não tem, não é? O seu jeito polido e meigo comoveu-me. Notei nela uma aura especial.

-É verdade, eu não fumo. Respondi enquanto me afastava pro lado, afim de que ela melhor pudesse ver o mar.E ela prosseguiu.

-Eu sempre venho aqui todas as vezes que as tardes ficam assim, com o por do sol avermelhando toda a praia, e este banco é o meu preferido.

Naquele momento prestei mais atenção nela e eu era só ouvidos.Contava-me acontecimentos extraordinários, aventuras tamanhas que supunha com mais idade o que ela realmente aparentava. Indaguei onde morava. Disse não ter moradia certa, a rua era o seu pouso habitual. Notei que seus olhos tornaram mais tristes e com a voz velada ela prosseguiu: - Eu fugi de casa há muito tempo, por que não agüentava mais tanta pobreza. O sofrimento de minha mãe era muito grande, talvez aí melhorasse com menos uma boca pra sustentar.

Quando era muito pequena, eu e meus irmãos andávamos curvados com a mão na barriga de tanta fome. Agente chorava muito. Minha mãe pedia mamão verde nos vizinhos e nos dava cozido com sal. O dia mais feliz da minha infância foi quando eu e meus irmãos estávamos sentados na beira da estrada e passara um caminhão do qual deixara cair uns pacotes de bolacha. Juntamos tudo e levamos pra casa e neste dia comemos bolachinhas como numa festa. Fiquei tão feliz que nunca mais esqueci, me lembro até a roupa que usava, era um vestido azul...

Permaneci quieta, constrangida e um pouco atordoada. Minutos atrás estava eu remoendo problemas ridículos, desejando coisas que não tinha, no entanto, meus problemas caíram na insignificância...

Por alguns instantes, ela abaixara-se revirando o conteúdo de uma sacola que ela trazia consigo e tirara de lá um velho e encardido urso de pelúcia, que provavelmente o acompanhava em muitas de suas andanças pelo mundo.

-E então Jonas vamos nessa? Disse ela num tom de despedida e, antes que eu dissesse alguma palavra, ela se distanciara. Entretanto, ainda podia vê-la ao longe andando descalça sobre a espuma na beira da praia sob a luz vermelha da tarde.

Lili Rebuá
Enviado por Lili Rebuá em 04/05/2011
Código do texto: T2948600
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