Personagens do Nordeste

No ônibus nordestino que cruzava todos os Estados da imensidão que o sol alcançava, a cada parada adentrava pela porta da frente um personagem ilustre desta terra de heróis e bandidos que ali reinavam.

Logo, na primeira parada nas bandas do Ceará e representando o clero subiu padre Cicero Romão Batista, Antônio Conselheiro e o beato José Lourenço. Entraram cantando assim: "...Bendito louvado seja um dia de sexta-feira, o dia em que Deus mandou o Pade Ciço pro Juazeiro..." E começaram a benzer o motorista e o ajudante rodoviário e todas as cadeiras ficaram molhadas de água benta. O motorista agora crente que nada de ruim poderia acontecer naquela viagem, tocou o ônibus pra frente com sua fé renovada. Saindo do Juazeiro do Norte, passando por Crato e Quixeramobim seguiu rumo ao Assaré onde subiu o grande nome da terra Antônio Gonçalves Silva, que olhou para os três passageiros sentados ao fundo e cantarolou:

"Eu não posso lhe invejá

Nem você invejá eu,

O que Deus lhe deu por lá,

Aqui Deus também me deu..."

E sentou-se no primeiro assento. Fechou-se a porta e ônibus seguiu sua viagem pelo sertão adentro.

Sem respeitar tempo nem época mais uma vez no tempo voltou e na fronteira do Pernambuco debaixo dum pé de angico uma trupe deu sinal e lá o ônibus parou. De olhar firme, chapéu reluzente e brandindo aço nos dentes falou lampião:

-Pensei que num ia parar motorista fi duma égua, pois soube que meu Padim nesta geringonça aqui está e sem sua bença num ia ficar. E sabe duma coisa tô cansado de andar! Maria vem! Sabonete!! Manda a cangaceirada entrar que agora quero ver onde isso vaia dá.

E lá amarrotou-se o transporte carregando fé, ferro e poesia. Andou mais uns cinquenta quilômetros e a dez metros o motorista começou a se benzer e apelar dizendo:

-Valei-me minha nossa senhora! Seja o que Deus quiser agora...

Foi parando devagarinho e quando a porta abriu pulou na frente da macacada o Tenente João Bezerra. O motorista foi logo dizendo com ares de morto:

-Tá lo...ta..do...

E o Tenente falou:

-Lotado o que fi do que ronca e fuça, tu tá querendo deixar minha volante nesse sol quente da gota serena?

Nisso ele olhou para dentro do ônibus e viu lampião e os seus cangaceiros, arregalou os olhos e berrou:

-Traz a matadeira cambada de macacos que o desfecho vai ser agora! E a as balas começaram a zunir de ambos os lados, de dentro para fora e de fora para dentro. O motorista se meteu debaixo do assento, Padi Ciço e os beatos oravam para nossa senhora do livramento e Assaré voou pela janela igual a passarinho quando sai do ninho. E assim a batalha começou sem tempo nem lugar pra terminar, dizem que dourou até as balas acabar e até hoje o povo fala: Tenha cuidado com o ônibus que vai pegar, principalmente se for pras banda do Ceará.

Bezerra Neto
Enviado por Bezerra Neto em 10/01/2013
Código do texto: T4077602
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