RESTO DE ONÇA

Já faz algum tempo que este caso aconteceu, acreditem-me é verdade e tem prova na cidade.

Numa cidade ribeirinha, às margens do rio Tapajós, a bem da verdade, somente um povoado, aconteceu um fato de nos deixar arrepiado.

As pessoas que lá vivem sobrevivem da caça, da pesca e do plantio de roçados, coisa bem comum nas pequenas comunidades.

Dicó, era um homem, já beirando a meia idade. Morava numa casinha sem parente e nem aderente, mas era feliz e muito respeitado naquele povoado.

Toda vez que ele caçava, dividia o que trazia com os vizinhos, e isto lhe fazia ser digno de honraria.

Certa tarde, Dicó chegou do roçado ao meio dia, engoliu a bóia fria e rumou na mata a dentro munido de uma vinte e um facão na bainha. Levava também consigo alguns cartuchos carregados, espoleta, pólvora e chumbo, era sempre assim toda vez que Dicó ia caçar.

As horas se passaram, e lá no povoado, os vizinhos preocupados, pois já tinha muitas horas que na mata, Dicó havia se embrenhado.

Mas quando a noite chegou, isto bem na boquinha da noite um grito no silencio do povoado ecoou. A vizinhança então parou de olhos arregalado, correm a socorrer o amigo que chegava todo ensangüentado e quase que desmaiado.

___ Jesus Cristo! Disse um vizinho.

___ O homem foi atacado!

Nisso minha gente, Dicó caiu desmaiado e a onça pro outro lado.

Os vizinhos carregaram Dicó, mas qual surpresa tiveram quando ergueram o corpo, o couro cabeludo de Dicó caiu por cima do rosto.

Houve desmaios dos mais fracos e muito desespero.

___ Um resto de onça vivo!

Gritou um vizinho aos berros.

Quando Dicó abriu os olhos, foi carregado para um barco, viajariam três horas para chegar ao hospital.

Dentro do barco, gemendo de dor, Dicó, homem forte, começou a contar a luta que tivera na mata.

Disse assim:

___ Ia eu caminhando, por vezes assoviando, quando não sei de onde, ouvi tamanho estrondo e folhas secas quebrando. Virei e nem tempo tive de engatilhar a vinte, tremi, me molhei todo e pensei: ___ vou morrer!

A pintada voou do lugar onde estava rugindo, e veio sobre mim, caímos no chão, eu lutava, a fera tem força e quando ela tirou a pata que estava sobre minha cabeça, levou junto o couro do meu casco, ela se afastou para novo golpe, eu corri, rodopiei sem ver nada. Foi aí que percebi que ela havia arrancado o couro de minha cabeça.

Joguei o couro para traz e pensei na vinte, olhei a vi jogada no chão mas não dava para pegar.

Eu todo ensangüentado, puxei o facão da bainha e bradei.

___ Vem sua condenada!

E outra vez ela pulou, desferi o primeiro golpe que só atingiu a pata, nenhum bicho por perto, era só eu e ela.

Outra vez ela veio e brandi o facão novamente só com uma mão porque com a outra, eu segurava o couro da cabeça para não cair por cima do rosto, e desta vez acertei um olho dela.

A bicha esturrava e no chão ela rolava, mas tinha muita força e já cega de um lado, tornou em outro ataque.

Desta vez abriu a bocarra mostrando as presas enormes, percebi que este era o momento, era eu ou era ela.

___ Rosnando, ela veio andando, quase que desfilando, eu tremia feito vara verde, mas queria viver. Ela chegou a dois passos de mim, desci o facão na sua cabeça, ela caiu e dei novo golpe, não sei de onde tirei força, já via sangue nela, não sei se meu ou dela, mas o fato e que no chão ela estava ainda viva, corri, peguei a vinte, engatilhei e atirei certeiro.

Depois que vi o corpo estendido, caí no chão sentindo muita dor, então saquei a camisa e amarrei a cabeça, ainda cortei cipó e amarrei a pintada, joguei ela nas costas e comecei a andar de volta, mas a dor era medonha e precisava estancar o sangue.

Cheguei perto de um limoeiro, joguei a bicha no chão, fiz de uma folha um caneco, espremi limão, desamarrei a cabeça, puxei o couro e joguei aquele caldo, a dor foi tanta que eu desmaiei, mas quando acordei, meio enfraquecido, o sangue havia parado de jorrar. Assim continuei o caminho e cheguei no povoado.

Dicó ficou internado, e sobreviveu a este atentado ataque de onça, e por causa deste fato ficou conhecido como RESTO DE ONÇA VIVO, mas ai de quem se atreva a lhe falar isso ao ouvido.