DUAS PROMOTERS NO VELÓRIO


Numa dupla tragédia perderam a mãe e o pai, mas não a pose. À fúnebre recepção foram as últimas a chegar, alheias a tudo e a todos.

Sérias e solenemente soberbas na altivez que as distanciava até dos familiares, em nenhum momento aproximaram-se dos corpos. Uma lágrima sequer naquelas faces, que lhes pudesse diluir as estátuas de gelo. Postas à entrada da capela, pareciam duas promoters mudas e mal-humoradas. Eram as órfãs irmãs num dueto de antipatias.

Que rochas compunham aqueles corações de pedra, insensíveis à dor nos seus nervos de aço! Por trás dos óculos escuros, era como se não vissem ninguém ali. Eram duas vigilantes de si mesmas. Nada lhes denotava sentimentos de perda da mãe, que numa parada cardíaca viera a óbito no mar de Porto Seguro. De volta a Brasília, acompanhando o corpo da mulher, morreram o viúvo e o piloto na queda do monomotor.

Velório. Capela repleta. De repente a avó paterna se aproxima do corpo do filho. Uma das netas (filha do casal morto) ergue a voz insolente emitindo uma estupidez:
- Gente, mais respeito! Minha avó está chegando e eu não quero bagunça...

Todos, em silêncio, ficaram perplexos com tamanha patada. Olhei ao meu redor; amigos e familiares de cabeças baixas. E, tomando-lhes a voz, disse-lhes em bom som: Ninguém aqui lhes falta com o respeito, senão vocês com tamanha estupidez. Que fazemos nós aqui, diante deste quadro que nos é tão triste quanto indiferente lhes parece? Vejo agora que nem esta dolorosa tragédia foi capaz de sensibilizar duas almas prepotentes diante dessa dupla desgraça.



Saí sem mais olhar os rostos daquelas que, mesmo distante, eu as considerava parentes.
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Com imagem.

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LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 22/06/2013
Reeditado em 04/07/2013
Código do texto: T4353726
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