A aranha

A aranha insistia em subir pela perna de madeira do banco interrompendo a leitura de Dolly. Ela olhava com pavor a sua aproximação. Mas é tão pequenina! Daquelas que só pegam mosquitos. Mas olhando um pouco mais de perto é igual às outras: toda peluda e cheia de pernas articuladas. Relembra que há poucos dias estudava o filo dos artrópodes. Antes disso, nunca havia reparado notado que há uma distinta separação entre os insetos. Uma formiga, por exemplo, tem um par de antenas, três pares de pernas, enquanto um aracnídeo é destituído de antenas e com quatro pares de pernas.

Enquanto pensava ela continuava a subir. Tentou assusta-la dando tapas no banco para que ela pulasse fora. E nada de se encostar a ela. Sabe lá o tamanho da dor! Mesmo sendo tão pequena não podia se arriscar. Esqueceu-se da aranha. Mas voltava-lhe a incomodar na perna do banco. Dolly espantava-a para longe. Pronto! Agora foi embora a deixando continuar sua leitura em paz.

Quando menos esperava a aranha pulou na sua perna e Dolly não era um mosquito e Dolly não era um, pelo menos para si mesma. Sentiu arrepios e num pulo arrancou-se do banco batendo o pé no chão com toda a força e a aranha tinha sumido. “não consigo me concentrar agora”, pensou. Olhava sem parar a seu redor temendo uma picada traiçoeira daquele maldito bicho cheio de pernas. E lá estava ela novamente na perna do banco.

— Sai!— Gritou.

Era tudo o que conseguia dizer depois de imaginar sentindo a dor da picada. Mas não é possível, gente, o que esta aranha quer? Dolly já toda arrepiada pensou que a aranha tinha alguma coisa de estranho. Ou quem sabe estava acontecendo uma espécie de comunicação com a aranha que só ela podia entender? Talvez lhe revelar um segredo: que o grande amor fosse mesmo o vizinho ao lado. E quando ela revelasse o nome dele para a aranha teceria em sua enorme teia um quem sabe “ Marcelo ama Dolly”. Sim! Por que não? Poderia ser possível. Esses bichos andam longe, e depois seria um fenômeno extraordinário. O mundo é cheio de mistérios mesmo. E, quem sabe, ela lhe diria para não ter medo porque nunca iria pica-la que agora era sua amiga e confidente.

Mas Dolly tinha mais uma vez perdido a aranha de vista e ficou preocupada. De repente ela deu um pulo sobre um mosquito distraído. E ele lutava desesperadamente batendo as asas para escapar. Ate parar de se mexer. Mais alguns espasmos e quietou-se completamente. Ela quase podia ouvir o ultimo suspiro do mosquito e sentiu-se horripilada. A aranha entrou em um buraco com a presa.

E Dolly ficou ali plantada em frente ao buraco da aranha por horas a fio esperando que ela saísse. Deu à tardinha e ela não apareceu mais. Começou a pensar que ela a escutava lá do buraco e decidiu conversar com ela coisas que ninguém sabia, nem sua mãe. Coisas estas que atormentavam dentro dela sufocando-a. precisava se desabafar, mesmo que fosse para uma aranha. O que tem de mais? Falar de algo que incomoda a gente pode ser um alívio. Então ela contou à aranha que estava amando o vizinho. Falava bem baixinho para ninguém mais escutar. A mãe não poderia nem sonhar em saber. E ainda mais, imagina só, não deixar a filha namorar antes dos dezoitos? É uma bruxa, mesmo! Cansada de ouvi-la controlando sua vida. “Dolly não põe a mão aí”. “Deixa que eu limpo depois”. “Pode ter algum inseto e te picar...” Mas mãe, eu já tenho dezessete!” “ E eu quarenta e dois”.

Pela manha, Dolly foi tomada de um grande sobressalto quando avistou uma enorme teia no vazio da janela. E a teia tremulava como ondas aos afagos da brisa matutina. E os fios engenhosamente contorcidos escreviam com contornos redondos e graciosos: “ Marcelo ama Dolly”.

Com grande espanto, ela quase que gritava:

— Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!

Pensou por um instante que aquilo poderia ser fruto de alguma brincadeira maldosa de alguém. Mas ninguém sabia de seu segredo, exceto a aranha. Mas era verdade. Podia ver com seus próprios olhos e quase que tocar os fios. E a sua mãe? Ah, sim! Ela sim tinha de ver aquilo. Aí iria compreender o que a filha sentia pelo vizinho. E depois, poderia ate pensar que era coisa do destino, do jeito que acredita nessas besteiras. E mais: imploraria para te-lo como genro.

Dolly, apavorada, afobada correu em disparada ate o quarto da mãe e a acordou. Meio sonolenta não tinha a mínima idéia do estava acontecendo. Foi ate o quarto da filha, olhou para a janela e disse simplesmente:

— Dolly, minha filha, todo esse alvoroço por causa de uma teia de aranha?

E voltou para a cama. A menina não entendia a atitude da mãe diante ao fato que julgava extraordinário. E ela passou o dia todo pensando em tudo aquilo que parecia muito louco, surreal até.

Voltou da escola quando já era quase noite e foi ver que a teia com “Marcelo ama Dolly” continuava lá. E ela fechou às pressas a janela e suspirou aliviada. E a cabeça já a mil, muito confusa achando tudo isso muito estranho. Sentiu um arrepio pela alma inteira. O silencio da noite, os cachorros latindo quase inaudível, o medo mórbido a fazia tremer. Temia agora que a aranha entrasse em seu quarto enquanto dormia. Se ela pôde escrever aquilo, seria também capaz de fazer qualquer coisa. Sentou-se na cama e segurou o travesseiro no colo. Olhou para o teto e começou a observar que tinha pequenas teias perto do ângulo acima do marco da porta. Arregalou os olhos e quis ver se debaixo da cama tinha alguma coisa. Também olhou no tênis, nas gavetas da cômoda e ate embaixo de suas cobertas. Apagou a luz. Mas voltou a acendê-la quando entre o claro e o escuro na parede rosa pensou ter visto uma mancha grande. Foi melhor deixar acesa mesmo. Entre o real e o abstrato, Dolly não conseguia dormir. O vira e mexe na cama fazia barulho e misturava com os gritos de sua mãe mandando apagar a luz e ficar quieta. Apagou. A escuridão tomava conta de todos os objetos no quarto. Pouca luz difusa transpassava através da cortina vinho da janela. Havia um silencio terrível dentro da casa que disputava lugar com um leve assovio do vento passando pelas gretas do telhado.

Dolly ainda ouvia sua mãe balbuciar alguma coisa através de uma parede que fazia as divisas dos quartos. O temor se confundia com ruídos estranhos que começou em cima do telhado. E não se parecia com o do vento. E ela ficou paralisada em arrepios. Prendeu a respiração e ficou quietinha o mais que podia. Subitamente pareceu com pequenos e leves passos lá em cima. Dolly podia jurar que eram de uma enorme aranha, cada vez mais altos e maiores.

O medo a envolveu com um abraço apertado e ela jogou as cobertas e levantou rapidamente da cama em desespero e avançou ao quarto da mãe. E começou a dizer que uma enorme aranha não a deixava dormir. Mas a sua mãe ficou muito nervosa porque a filha a tinha acordado por umas besteiras e disse que voltasse a dormir e não a incomodasse mais.

Dolly abriu a porta do quarto e entrou. Foi andando lentamente ate a cama. Sentindo-se profundamente sozinha e deprimida começou a tecer com fios engenhosamente contorcidos sobre o vazio do quarto: “Mamãe ama Dolly”.

Geovani Silva
Enviado por Geovani Silva em 23/07/2014
Código do texto: T4893193
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