O AMOR CHEGA QUANDO NÃO SE ESPERA!
Por: Tânia de Oliveira
       
                 Clotilde havia se aposentado a meses. Os filhos todos casados e o marido está morando agora com uma jovem senhora viúva. Ele deixou a casa e  como esse fato a pegou de surpresa a mudança de bairro foi a ação mais coerente que ela conseguiu ter.
                Agora, não saberia dizer se continuaria a dar aula de Piano. Tudo era tedioso: o abandono, a solidão, as rugas não precoces, a gordurinha localizada, morar só... Em suma: o desânimo! Nunca ficara durante toda sua vida sem vontade de tocar e cantar suas músicas no Piano. Mas agora estava assim...
             Sua fuga era a leitura. Já estava relendo Gabriel Garcia Marques pela segunda vez...Mudaria agora para Emi Delly com A casa dos Rouxinós e outros românticos...Não, essas fugas nem combinariam com sua idade...pensava desanimada! - Mas nesse meio tempo poderia se dar ao luxo de ser imaturamente romântica...?
Outro dia teve um problema com a trava do portão. E teve que pedir ajuda do vizinho senão teria dormido na rua. A fechadura travou de um jeito que teve que ir buscar um chaveiro.
              Ele o Senhor Marcos tinha a cara fechada, jeito meio ranzinza, mas lhe prestou o serviço necessário sob a consideração do agradecimento.
              No outro dia foi a vez dele bater em sua porta indagando sobre a possibilidade de prestar serviços de aula de música para sua neta. Especificamente aula de piano embora a coisa que mais achava lindo era alguém saber ler partitura musical.
               Conversaram  bastante sobre   quem indicou sobre horários, preços conveniências etc.
Daí começou uma relação de amigos verdadeiros. E daí para a possibilidade de um futuro amor, também. Quem sabe?
              Nos dias que se seguiram entre as chegadas de Narinha, os lanches e as explicações das aulas começou uma descoberta de afinidades. Ambos gostavam da companhia um do outro.
              Mas naquele dia específico véspera de feriado,  Clotilde foi tão taxativa com Marcos que chegou a ser grosseira. Sem ter “nem pra quê” ela disse pra ele que adorava a amizade dele pois já estava velha e que se permitia ter um amigão como ele mas que jamais se relacionaria de forma amorosa  com homem nenhum...Ele retrucou que ela ainda era nova, e “mais mais” e ela desconversou fria deixando o amigo meio sem jeito!
             No feriado ninguém ouviu nem viu Marcos sumir com carro e tudo. Nem o cachorro dele latiu.
            Na sexta feira quem trouxe Narinha para a aula foi a filha de Marcos. Desculpou-se dizendo que ele fora passar uns dias na fazenda estava meio estressado, desde que sua mãe morreu que ele não fora mais a fazenda, que levava uma vida muito solitária...etc...etc...
            Clotilde surpreendeu-se consigo mesma! Estava lamentando a ausência do amigo. Será que ele ficou aborrecido com ela? Quais seriam as expectativas dele para com ela?
            Marcos era mais jovem que Clotilde apenas cinco anos mas se apresentava menos conservado. Um tanto magro mas com olhar inteligente, compassivo embora fechado. Inspirava ser confiante e carinhoso. Agora a raiva: - Porque ela teve que dar um fora antes da entrada de uma relação mais próxima? Teria sido defensiva ou prudente? Temia o que?
            Primeira semana sem a presença de Marcos...e ela em casa passeando de frente pra trás, ora no piano tocando Tom Jobim, ora Frank Sinatra, ora Dorival Caymme....Sempre pensando:
- Poxa! Conhecera agora aquele amigo. Tão simpático visitante ligeiro e que já deixou marcas! Seria a carência só? Ou havia alguma trama do destino naquela história.
                De repente se viu cuidando de passar um anti ruga que ganhou de presente da filha. Matriculou-se na hidroginástica e passou no shopping comprando coisinhas de mulher que a muito não se interessava em comprar. Bem, tipo camisolinha curta, adorno para o cabelo...coisas assim...
                Mas a semana passou vagarosa e muito sem graça até que na despedida de Narinha, Rosa mãe dela fez uma proposta:  - Professora eu queria lhe fazer um convite. É que nesse final de semana vamos todos pra Fazenda e nós gostaríamos que a senhora fosse conosco passar o final de semana la a senhora aproveitaria e afinaria nosso piano se não for muito para senhora. Clotilde aceitou de prontidão. Acertaram de sair logo cedinho.
              Foi uma noite muito longa e ela quase não dormiu. No outro dia viajaram. Uma casa linda situada no meio de uns bambuzais misturados com bourganvillias que dava ao jardim um ar encantador.
Tudo era simples mas agradável e romântico. Mas o que mais chamou sua atenção foi um antigo Schiedmayer, piano alemão referencia de qualidade. Logo que convidada foi dedilhando nas teclas, se deliciando com a qualidade do som. E assim ficou alguns minutos mas sempre passando a vista ao redor da sala pra ver se identificava o amigo Marcos. Mas ele não estava la.
Tomou banho e de cima pois a casa era situada no alto, viu através do  terraço, as palmeiras imperiais que recepcionavam junto ao portão da fazenda como também viu Marcos que se aproximava galopando um belo cavalo negro.
                 Mostrou-se feliz em vê-la mas um tanto quanto reservado. Só após o almoço ambos sentados em redes diferentes deram espaço par uma conversa mais longa.
               Ele dizia ainda não ter se recomposto totalmente da morte da esposa e ela da traição e separação do ex-marido que ainda era vivo.
               Ele falou que ela tinha muitas semelhanças psicológicas com sua ex-esposa e principalmente na paixão pelo piano. Já faziam alguns anos, ele após a viuvez não havia se envolvido com ninguém.
              Já ela confidenciou que não se habilitaria a outro relacionamento porque sofreu demais, e assim ficaram mais íntimos e mais amigos.
            A noite a visitante, Marcos, a filha e o marido dela, foram para um restaurante country  que havia bem próximo a cachoeira do rio Sol. Era uma noite  de lua e um clima aconchegante. Após o jantar ficaram curtindo a música de Ray Charles  quando um dos músicos convidou em público Marcos para cantar
I Can't Stop Loving You.            Ele virou o copo de conhaque e não se fez de rogado: cantou.
           Mais surpresa que ouvi-lo com uma bela voz interpretar uma de suas músicas preferidas foi o convite logo após, pra dançar agarradinha sob aplausos dos presentes.
           Clotilde estava vivendo um sonho romântico. Tudo era encantador. Em seus sessenta anos de vida nunca houve um momento tão deliciosamente apaixonante como aquele. O cheiro daquele homem mais baixo e um pouco jovem que ela, sua voz deliciosa, sua gentileza e aqueles braços firmes que a enlaçava e a fazia deslizar feliz pelo pequeno espaço era tudo que ela não havia planejado, nem sonhado nesta vida.
            Voltaram rindo, a filha de Marcos que não bebera veio conduzindo o carro até em casa.
            Clotilde não conseguia dormir mesmo num estado de leve embriaguez pois havia também misturado algumas bebidas. Pensava como a vida poderia lhe proporcionar momentos tão prazerosos com uma família até pouco tempo estranha a ela. Embora muito insegura devido aos limites impostos pela idade de uma mulher já madura mãe de três filhos já com neto, mesmo assim ela sentia o estado de felicidade que invade a alma de quem se apaixona. Sim, estava num estado que só poderia ser chamado de apaixonada.
          - Deus, me ajuda, não me deixa nesse momento, pensava ela. Sentia-se em xeque.- Que voz, que química, que dançarino! E Ray Charles e Rei Marcos continuavam cantando e dançando em sua imaginação como se fosse uma adolescente! Que diriam seus filhos se a vissem assim com aquele rosto que agora o espelho mostrava: ruborizada, embriagada...deliciosamente apaixonada.
             Não sabe como dormiu mas acordou com a netinha de Marcos, Narinha chamando pro almoço. - Deus que vergonha, que hora de se acordar, pensava ela
Havia um clima de cumplicidade na mesa. Marcos com aparência alegre, servia a visitante convidando-a para conhecer a fazenda. Clotilde não tinha palavras negativas mais para ele.
            Passearam de charrete por todo entorno do local. Plantas, fruteiras, flores diversas justificavam o nome da Fazenda Primavera. Tomaram água de coco, e em poucas horas pareciam pela cumplicidade e sintonia que eles se conheciam há anos.
            Não demorou pra que uma pequena escorregadela numa palha molhada, fizesse os olhos deles se cruzarem e suas bocas se tocarem.
            Trocaram abraços, carícias, confidências, promessas e a linha da vida se abriu numa promessa de um amor maduro, gostoso, sincero até a morte.

 
 
 
 
 
 
 
 

Tânia de Oliveira
Enviado por Tânia de Oliveira em 31/08/2014
Reeditado em 30/08/2022
Código do texto: T4944070
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