O SEGREDO

Nanda foi à cafetaria comer algo e enquanto bebia um café refletiu sobre a situação presente. A sua irmã, Luciana, dera entrada nessa clínica manhã cedo, teria cirurgia dali a pouco. Corria risco de vida, daí o médico assistente ter marcado a intervenção com a máxima urgência.

Viviam as duas de forma confortável num pequeno andar com vista lateral para o mar.

Viúva, sem filhos, para além de Luciana só tinha como famíliares umas tias já idosas e vários primos, distantes. Assim sendo, apoiava a irmã em tudo o que estava ao seu alcance.

A notícia da doença caira sobre elas como uma bomba. O apoio moral fora muito importante para a irmã enfrentar esse desafio mortal, tinham plena consciência disso.

Acompanhara-a sempre em todas as consultas, exames e tratamentos que Luciana fizera. Ela sempre demonstrara coragem, embora por vezes a sentisse muito frágil, sobretudo após cada tratamento agressivo. Então, quando as náuseas e o tremendo mal-estar evidenciavam um grande sofrimento, ela sentia imensa pena da irmã.

No entanto, ultimamente notara que a ela tinha um brilho diferente nos olhos e de vez em quando até sorria um pouco… Olhava frequentes vezes para a janela com ar sonhador, como tentando divisar, consoante a hora, ou o astro-rei ou a lua e sabe-se lá que mais. Lia com avidez livros de poesia. Isso intrigara-a, não conseguia descortinar qual a razão pela qual Luciana mudara assim de postura.

Com estas cogitações, subiu até ao quarto onde a irmã estava e quando se aproximava da porta, entreaberta, divisou um vulto debruçado sobre Luciana. Curiosa, espreitou discretamente e então viu-o.

Era alto, de cabelo grisalho e ar distinto, um pouco corpulento. Falava junto da irmã com voz sussurrante mas arrebatada. Luciana escutava-o com encantamento, fixa no olhar dele. Parecia que lhe bebia as palavras. Ele agarrava-lhe as mãos, por vezes acariciava-lhe a face e vislumbrou algumas lágrimas nos olhos da irmã. O homem então beijou-lhe as mãos e de súbito duas pessoas de bata, uma enfermeira e uma auxiliar de ação médica, passaram junto dela e irromperam no quarto. Eles perceberam que a tinham vindo buscar para a conduzir ao bloco operatório. Ele acariciou-lhe os cabelos e deu-lhe um último afago no rosto. Ela virou a face para a janela, disfarçando um pouco a tristeza. Emotivo, ele beijou-lhe as mãos e Nanda ouviu as suas últimas palavras:

- Estarei aqui sempre, meu amor. Boa sorte, sim?

A irmã fechou os olhos, uma expressão comovida distorcia-lhe o rosto e então foi conduzida corredor fora até às portas que interditavam o acesso a pessoal estranho, ultrapassando-as.

Nanda olhou por alguns momentos para o homem parado à sua frente. Ele escondia o rosto nas mãos, chorava. Então ela ganhou coragem e aproximando-se, pousou-lhe suavemente a mão no ombro, dissendo:

- Olá, eu sou a irmã da Luciana. Tenhamos fé, confiemos em Deus, tudo irá correr bem.

Ele olhou-a, os olhos deixavam transparecer toda a emoção que o tomava, depois deu-lhe um tímido sorriso. Ela correspondeu e dando-lhe o braço, foram sentar-se num banco de madeira ali perto, iniciando uma longa conversa.