ESTÓRIA DE ADOLESCENTE

O ano era 1969 e o mês, provavelmente era julho, pois, soltávamos papagaio. Eu completaria, 13 (treze) anos dali a 3(três) meses. A Rua Itaí era de terra, sem esgoto e o lixo das famílias eram jogados em algum lugar da rua ou nos muitos lotes vagos existentes à época. Havia muitas mangueiras, árvores diversas e muito mato.

Naquela época era comum os moleques se utilizarem de artifícios para apanhar e até para matar passarinhos. Uma das diversões preferidas era a de alvejá-los, utilizando-se de estilinguesi municiados com pedras ou com mamonas. Várias eram as estratégias para apanhá-los vivos, dentre elas, a utilização de visgoii e a armação de arapucasiii.

Pouquíssimas pessoas tinham carro e algumas possuíam lambretaiv ou vespav, nas quais as mulheres não andavam na garupa da forma como andam hoje (de pernas abertas). Elas, sempre trajando saia ou de vestido, andavam com ambas as pernas para um dos lados, equilibrando-se como podiam.

Certo dia, quando o Domingos, pai do Caíca, subia a rua trazendo em sua garupa a sua mulher – a Aparecida e o seu cachorrinho - o Duque, veio correndo atrás da lambreta. Quando a Aparecida foi descer, o Duque pulou nela e rasgou o saco de arroz, tendo derramado um pouco no esgoto, que corria a céu aberto.

A tarde ia caindo e de repente o Kika viu dois canarinhos comendo do arroz derramado e correu para buscar uma arapuca. Enquanto ele estava ausente, eu apanhei um chapéu velho que o Sr. Pedro – pai do Bijuca - houvera jogado fora e o coloquei em cima de um monte de cocôvi.

Fiquei na tocaia esperando o afoito apanhador de passarinhos voltar. Como ele estava demorando eu gritei para ele que eu já tinha pego um dos canarinhos. Ele então subiu correndo, falando que nós íamos vender a valorizada ave por NCr$20,00 (vinte cruzeiros novos)vii. Quando, dissimuladamente, eu falei para ele: “Eu tô cum medo de deixá o canarim fugi, na hora que eu fô pegá ele”. O Kika, que sempre quis me sacanear, viu a Nilza – mãe do Rogério e gritou para ela: “Aqui Nilza, esse peidorrero tá cum medo de pô a mão no passarim” e, deslocando-me com um encontrão, ao mesmo tempo em que segurou com cuidado o chapéu, bradou: “Sai daí seu cagão, cê vai acabá deixano ele fugi. Vô ti mostrá comu qui pega um passarim...”. Enfiou rapidamente a mão dentro do chapéu e esmagou o monte de bosta com a mão direita. Enojado, saiu raspando a mão pelo chão e pelo mato, ao mesmo tempo que xingava os piores palavrões que lhe vieram à cabeça.

Furioso, o mão-fedendo apanhava cada pedaço de jornal que encontrava para esfregar na mão. Depois foi até um monte de areia e ficou esfregando a mão na areia até se ferir.

A Nilza colocou o dorso das mãos de um lado e do outro dos quadris, com as palmas voltadas para fora, dedos entreabertos, os braços e antebraços formando um ângulo de 90º entre si, no plano da linha do corpo e gritou em tom de zombaria: “Ô Faelzin, num acriditu qui ocê fez isso cum Kikinha”!

i Instrumento improvisado feito com forquilhas de galhos mais finos de árvores, em formato de “Y”(ipsilon), em cujas pontas em “V” (vê), amarravam-se tiras de câmeras de pneu de automóvel, ao centro das quais era adaptada uma tira de couro, onde eram colocadas a pedras ou mamonas, uma de cada vez, para alvejar alguma coisa ou alguém. Mais conhecido naquele tempo, por bodoque;

ii Substância pegajosa que se retiravam das árvores, aqueciam-se e colocavam-se nos galhos de árvores, para apanhar pássaros;

iii Armação de gravetos ou madeira, formato piramidal, utilizada para capturar passarinhos e pequenos animais;

iv Espécie de motocicleta da época;

v Também era uma espécie de motocicleta da época;

vi Era muito comum ver montes de cocô humano nas ruas, pois às vezes era mais cômodo, mais confortável e mais divertido, fazer as necessidades no meio do mato ou em algum canto das ruas, do que nas privadas (fossas cercadas de madeira, existentes em todas as casas onde não tinha esgoto sanitário);

vii Denominação da moeda corrente da época.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 24/11/2014
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