O Aparelho De Som(Mea-Culpa)

Eric do Vale

Tenho uma vaga lembrança daquele aparelho de som que ficava na sala da nossa casa: era de última geração. A minha mãe sempre falava desse rádio com uma certa tristeza, porque o filho da senhora que trabalhava na nossa residência o danificou.

Eu devia ter, mais ou menos, uns quatro ou cinco anos de idade e, um dia, estava brincando com os meus brinquedos, na sala, quando inventei de mexer no toca fitas. De repente, a portinha do aparelho soltou-se.

Inconscientemente, eu sabia que os meus pais ficaram bravos comigo, quando vissem o que fiz. De fato, foi o que aconteceu. Todavia, o filho da empregada terminou carregando aquele fardo.

Diariamente, ela o trazia para a nossa casa. Lembro-me que ele não era de falar muito e quando isso, raramente, acontecia, expressava-se muito mal.

-A última pessoa que trabalhou aqui, em casa, tinha um filho que não falava quase nada, porém era muito levado. Esse menino mexia em tudo e até quebrou um rádio que tínhamos acabado de comprar_ Disse o meu pai, certa vez, para um conhecido dele.

A minha mãe não deixou barato:

- Depois que esse menino estragou o nosso aparelho, a mãe dele não continuou trabalhando mais aqui, em casa.

Muitos anos depois, quando voltávamos das compras, a minha mãe me perguntou:

-Lembra-se daquele som que tínhamos e aquele menino estragou?

Não me contive:

-Fui eu quem quebrei?

-Você?

-Não se lembra? Eu estava brincando com os meus brinquedos e aí...

-Está se referindo a portinha do toca fitas?

-Sim.

- Aquilo foi o de menos, comparado com o que aconteceu, depois.

Naquele momento, tomei conhecimento de um fato que, até então, eu desconhecia.