Em Panos Quentes

Eric do Vale

I

Já passava das vinte horas, quando dois homens bem apresentáveis dirigiram-se até recepção e perguntaram por João Augusto. A recepcionista telefonou para o ramal dele e falou:

-Tem dois homens querendo falar com o senhor.

-Mande-os subir.

Ela fez o que ele pediu, mostrando-lhes onde ficava a sala dele. Lá chegando, sacaram suas armas e anunciaram o assalto. João Augusto abriu o cofre e entregou-lhes todo o dinheiro. Eles colocaram na sacola e saíram como se nada tivesse acontecido.

II

Era quase meio dia, quando Demóstenes a viu chegar. Cabisbaixa e de óculos escuros, ela caminhou até a sala dela, dando a impressão de que estava voltando de algum funeral. Demóstenes, então, pensou: “Melhor eu me preparar”.

Não encontrando o seu celular, ela o procurou por todo o cômodo até lembrar-se de que Roberto havia sido a última pessoa presente naquela sala. Mesmo dizendo-se inocente, a situação ficou complicada para o lado dele.

Na qualidade de gestor de Roberto, Demóstenes poderia ter falado com ela e a convencido a dar-lhe um voto de confiança Porém, preferiu seguir o exemplo de Poncio Pilatos.

Demóstenes achou melhor não sair para almoçar e assim que o telefone tocou, atendeu e ouviu a voz dela:

-Venha até aqui, por favor.

...

Paulo não conseguia acreditar que Magno fosse capaz de ter feito o que fez:

- Será que ele é cleptomaníaco? _ Perguntou Paulo.

- Não seja ingênuo, Paulo. As câmeras registraram o momento em que ele entrou na sala do doutor Arnaldo e abriu a carteira dele, tirando todo o dinheiro. O problema do Magno chama-se safadeza.

Dinheiro, tablete, notebook e celular, esses eram alguns dos objetos que vinham desaparecendo dentro daquela empresa.

Bianca, a priori, pensou que tal atitude fosse de algum novato, mas a tese dela caiu por terra, quando soube que uma certa quantia de dinheiro havia sido retirada da bolsa de uma recém contratada.

Paulo colocou o celular para carregar, quando Magno aproximou-se dele e os dois começaram a conversar. Como tinha uma reunião marcada, despediu-se de Magno e ao voltar, reparou que o seu celular não estava mais sobre a sua mesa, onde o havia deixado. Era a segunda vez, em menos de um mês, que aquilo acontecia

...

Demóstenes fechou a porta e sentou-se em uma cadeira.

-Perdemos. _ Disse ela.

Quando Roberto resolveu colocar a firma na justiça, eles sabiam que aquilo resultaria em fortes dores de cabeça.

-Mas, nós vamos recorrer. _ Falou ela.

Demóstenes estava ciente de que, dessa vez, não teria para onde correr.

III

- Esse Demóstenes é muito esperto! Tratou de sair de férias e viajar para não comparecer na audiência.

- Ele tinha duas opções: ficar do lado do Roberto ou defender os interesses da firma. Qualquer escolha que fizesse, o deixaria em maus lençóis. Eu no lugar dele, teria feito o mesmo.

-Se pudesse, o Demóstenes deporia em favor do Roberto; não que ele goste do rapaz; mas sim pelo bel prazer de destroná-la. Não é segredo para ninguém, aqui da firma, que o Demostenes é louco para ocupar o cargo dela.

-E como ele sabe muito dos podres dela, essa seria a chance de derrubá-la.

- Só que tem um porém: ela também sabe de muita coisa que podem comprometê-lo.

...

-Todo mundo sabe que a Bianca não suporta o Victor e mesmo assim, resolveu promovê-lo.

-Depois que descobriram as safadezas do Magno, ela achou por bem promovê-lo como forma de reparação.

-Mesmo sabendo que não tinha nenhuma evidencia para incriminá-lo, a Bianca queria degolá-lo.

-Mas, quando viu a burrada que ia fazer, achou melhor aparar as arestas, o quanto antes.

- Aqui, nessa empresa, as arestas tem sido aparadas com muita frequência. O Magno é um exemplo disso: em vez de o demitirem por justa causa, deram as contas dele.

-E o que é que você queria que fizessem? Se ele fosse demitido por justa causa, o Ministério do Trabalho iria querer saber os motivos e a polícia seria acionada.

IV

Não se falavam de outra coisa, naquela firma, que não fosse ao assalto, ocorrido no dia anterior. Como eles sabiam que o João Augusto era o responsável pelo departamento financeiro?

Outra pergunta que deixava todo mundo intrigado: como eles sabiam da existência daquele cofre? Somado a tudo isso, eles haviam passado pelos locais onde não foram instaladas nenhuma câmera.

A polícia jamais ficou sabendo desses detalhes; cada colaborador tinha a sua versão definida, mas todos sabiam que aquilo seria mais um “fato extraordinário” que aconteceu naquela empresa.