Afasta De Mim Esse Calice

Eric do Vale

Foi um sonho medonho,

Desses que, às vezes,

A gente sonha e baba na fronha

E se urina toda e já não tem paz.”

(Chico Buarque: Não Sonho Mais)

Aquelas últimas palavras, durante muito tempo, perseguiram o meu subconsciente: “Um dia, terei o desprazer de ficar cara a cara com você.”. Seria possível isso vir a acontecer? Prefiro pensar que não. Cada vez mais, tenho plena convicção de que fiz a coisa certa; não podia mais tapar os olhos, os ouvidos e fingir que nada estava acontecendo. Eu tinha que falar tudo o que sabia, pois, as coisas já tinham saído do controle, há muito tempo.

Só Deus sabe o quanto esperei por aquele dia e quando chegou, titubeei: “E agora?”. Não havia como voltar atrás; era preciso seguir em frente e aguentaras as consequências. E foi o que fiz

Não tive dúvidas de que venci aquele confronto, mas sabia que ninguém deixaria barato. Por isso, me preparei para o contra-ataque. Dois dias depois, recebi um telefonema, tarde da noite: “Aqui quem está falando é....”. A reação não poderia ser outra, conforme eu já pressupunha: frases desconexas e palavrões.

Era a minha vez de ficar inerte e escutar todo aquele absurdo. Antes de bater o telefone, finalizou: “Um dia, terei o desprazer de ficar cara acara com você.”. Aquela oferta que recebi de ir trabalhar no Rio de Janeiro veio a calhar, naquele momento. Não que eu tenha me deixado intimidar com aquela ameaça, mas considerando que aquilo foi dito por alguém habituado a cometer inúmeros atos ilícitos, era preciso ter muito cuidado.

Muitos anos se passaram, e lá estava eu junto com aquele pessoal. E agora? O tempo todo, lembrei-me daquelas palavras: “Um dia, terei o desprazer de ficar cara a cara com você.”. Quando acordei, olhei para o lado e respirei fundo: “Ufa!”.