Vida e Morte

Era na contra encosta de uma ilha, de um continente. Ficava ao norte do Atlântico sul, próximo do sul do Atlântico norte, onde o céu guarda as estrelas junto ao peito. Dizem as lendas da vila onde moro que lá morava Funéreo.

Seu nome de morte.

A mãe morreu quando ele nasceu, veio ao mundo trazendo a morte, ao mesmo tempo a sorte de quem lhe sabe.

Pouco se sabe sobre tudo, a verdade é uma mentira contada pelos olhos da alma.

Seu nome de mau agouro: Mortuário, sinistro, lúgubre. Ataúde de cova pétrea. Sua vida chegou ao mundo.

Perguntei a Dom Rigoberto sua impressão sobre Funéreo, no que ele me disse:

--- Homem de poucas palavras. Vivia muito sozinho. Na verdade nunca o conheci.

Eu já sabia de suas campanhas em revoluções pelo mundo. Entrincheirado em Cordabamba, camuflado nas matas da Guatemala, infiltrado do exercito de Fidel. Também sabia dos suspiros das mulheres. Dos gemidos dobrados junto à panos de prato. Funéreo despertava paixões no sexo feminino. Esposas idealizavam seus maridos, meninas andavam sozinhas de mãos dadas com nossa lenda.

Crianças se emaranhavam em cobertas, escondiam seus sonhos dentro de copinhos de boa sorte. Sacudiam-se debaixo das camas, escondendo os olhos por entre palmas tremulas. E as mães sempre diziam:

--- Funéreo tira os olhos, arranha as costas, arrasta móveis, dá sarampo, faz mijar na cama. Dá diarréia, dor na sola dos pés, gripe fulminante, faz espirrar o espírito, morder a língua e cair os dentes. Basta responder pai e mãe, fazer má-criação, jogar pedra, correr no mato, sujar o regato, bater na irmã e chutar o amigo. Funéreo sabe de tudo e de noite vem buscar o que promete.

Uns dizem que ele nunca existiu. Não passa de um personagem inventado, saído da boca de um bêbado de prestigio. Foi o que Petra do Enterro me disse:

--- Deve ser tipo Che Guevara. Nunca houve. Sonhei com ele umas cinco vezes, era o presságio da morte de minha mãe.

Clarisse da Alcova tinha opinião diferente:

--- Dormi com ele vinte e quatro vezes. Me dobrava toda, disse que aprendeu as artes do amor numa tal de “Índia”. Eu suava tanto que transbordava os lençóis. Ele tinha ombros de mar, braços de onda e seu meio era de vulcão. Emprenhei dele certa feita. Nasceu um boneco de argila. Nunca mais o vi. Ouvi dizer que foi lutar uma guerra no Norte oposto do Pacifico sul. Deve ter morrido. Funéreo...

A mentira é a verdade dilatada, trabalhada na memória, transladada pela boca. Funéreo virou santo também. A quem pedia com fé, a quem pedia com dor ele sempre consentia. Curou: Febre amarela, epilepsia, unha encravada, dor de dente, amnésia, dor de parto, calo, calvície, pinto caído, língua enrolada, pelo encravado e tropeço em calçada. Ruth me contou:

--- Tinha uma tremenda de uma febre. Nada fazia passar. Ungüento, macumba, curandeiro, chá de hibisco. Nada. Tava já confiante na morte. Então rezei à Funéreo. Acendi uma vela, coloquei roupa de enterro e fui dormir. Funéreo me curou. Recuperei a saúde e ainda sumiu minha dor nas costas. Tem gente que não acredita, mas até meu dente ficou mais branco.

Sua lenda é sua verdade. Funéreo existe um pouco em cada um. Nesse chão batido corre sua estória, na seiva da encosta corre seu mito. Nas minhas palavras eu sirvo as minhas verdades.

Rodrigo Sanchez
Enviado por Rodrigo Sanchez em 15/10/2017
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