Obsessão: A verdade sobre meu pai - cap. XI

Capítulo XI - Ruína

Ao acordar, Fernanda sentiu-se diferente dos últimos meses. Estava disposta a retomar o amor do marido e recomeçar a vida, que se perdia a cada trago de uísque e vodka. Não podia mais viver entregue ao ócio e ao vício que a consumiam rapidamente.

O dia foi tenso, pois decidiu não beber nada que comprometesse seus atos. Sentia-se angustiada, não conseguindo se concentrar em nenhuma atividade costumeira. Seu corpo precisava urgentemente de álcool, pedia incessantemente por uma dose, apenas uma para que pudesse diminuir o seu tormento. Seguindo um impulso devastador, recolheu todas as garrafas da casa e despejou o líquido entorpecente na pia da cozinha. Esforçava-se para dominar a vontade de mergulhar na abundância à sua frente. O cheiro a enlouquecia. Sentia em sua boca o gosto do licor, da vodka, do vinho, mas estava convencida, não beberia. Era a hora de ser mais forte do que seus desejos.

Não bebeu.

À noite, Jean ligou para casa apenas por ligar. Tinha certeza de que ninguém atenderia ao telefone, mas estava enganado. Fernanda atendeu após o segundo toque da campainha. Parecia estar sóbria.

Não acreditou que a mulher estivesse em plenas condições mentais, acostumara-se a vê-la sempre bêbada, por isso era difícil de acreditar em sua lucidez.

Passaram, assim, quatro dias seguindo a mesma rotina, ele afundado até o pescoço no trabalho e ela tentando controlar suas fraquezas. Ele, pelo menos, tinha no serviço um meio de esquecer os problemas, ela, ao contrário, estava entediada em casa. Não conseguia se empenhar em nada, leitura, televisão, desenho, trabalho, tudo era penoso e desinteressante. Às vezes, saia para caminhar pela orla, mas não despertava interesse nas paisagens, nas pessoas ou nos acontecimentos diários da cidade. Sentia falta das festas, da música alta e dos risos desconcertantes dos amigos de copo. A vida pacata era um tédio profundo, uma prisão sem grades, sem chances de libertação. Seu ânimo melhorava um pouco, mas não o suficiente. Quando o marido ligava, ela lhe contava seu dia e os sacrifícios que se submetia para evitar o vício. Jean, mesmo desconfiado, a encorajava a suportar a dor, a não se deixar vencer, a continuar com a luta. Ela não poderia desistir agora que estava tão próxima da libertação.

Cinco dias eram passados desde que Jean viajara. Fernanda estava só e triste a vagar pela casa. O sol era infernal. Os termômetros marcavam quarenta graus e o calor dentro da casa era insuportável. Mais um minuto e enlouqueceria. Precisava sair, refrescar-se. Apanhou as coisas de que precisaria para um banho de mar e saiu, dirigindo seu carro.

A praia estava cheia, pessoas iam e vinham pulando os corpos estirados na areia quente. Os quiosques estavam amontoados de gente de toda a sorte. Crianças corriam por toda a parte, a água parecia encoberta por um tapete flutuante de cabeças.

Ela estendeu sua canga perto do quiosque que parecia ser o mais tranqüilo, porém, não menos vazio. Dispôs suas coisas de maneira que pudesse vê-las mesmo estando na água. Deitou-se na areia e fechou os olhos. Sentia o sol queimar sua pele, o suor romper pelos poros e escorrer pelo corpo. A boca estava seca, precisava hidratar-se, precisava saciar a sede.

Ao primeiro aceno, o garçom veio lhe atender. Fernanda não sabia o que pedir, pensou, pensou e pediu um copo de água, mas, antes que o rapaz pudesse anotar o pedido, ela resolveu mudar, quis um Martini com gelo. É apenas uma dose, pensou ela, convencendo-se de que não seria um crime beber um pouco. Quando recebeu o copo, segurou-o com ambas as mãos, o fitando indecisa. Vou mesmo estragar seis dias de abstinência, pensava, sentada na areia quente sob o efeito do sol em sua cabeça. Bebeu lenta e prazerosamente seu pecado, satisfazia-se a cada gole, sorria ao levar o copo à boca. Era magnífico, mas pararia ali. Seria somente aquele, não pediria outro.

Minutos depois, o garçom aproximou-se com outra dose, dizendo que o rapaz da mesa ao lado oferecia-lhe aquele copo. Ela tentou recusar, mas, por educação, aceitou a bebida. Virou-se para o desconhecido e agradeceu, acenando com um sorriso encabulado. Percebeu que o rapaz não tirava os olhos dela, a encarava sem descanso, sem disfarce. Constrangida com os olhares, correu para a água, mergulhou, nadou e parou diante de suas coisas.

As ondas batiam contra seu corpo suavemente, refrescavam-lhe a pele queimada e a sacudiam delicadamente. O movimento constante provocado pela água a entontecia. O gosto do sal em sua boca retirava o hálito da bebida, perdendo assim a noção da quantidade ingerida há pouco. Passava a língua pelos lábios para não ressecá-los e movia-se ao balançar das ondas como se dançasse. Eram sensuais seus movimentos e atraiam a atenção dos homens, principalmente a do rapaz que lhe oferecera o segundo copo.

Ela olhava despretensiosamente ao seu redor, corria os olhos pela extensão da praia, perdendo-se em imagens feitas de alegrias inocentes. Estava tão distraída que não percebeu a chegada do rapaz. Ele puxou assunto, mas ela não se interessou em responder. A situação era óbvia, ele sentia-se atraído por ela. Fernanda estava impaciente, não lhe agradava flertar com outro homem. Queria distância, mas não sabia como proceder sem ser grosseira com o simpático rapaz. Porém, em suas mãos, ele tinha uma arma, um ponto ao seu favor, segurava um copo de rum e o aroma penetrava em suas narinas, a levando à loucura. Precisava de álcool, seu corpo pedia desesperadamente.

Não reteve a consciência por muito tempo, o instinto foi mais forte e ela aceitou um gole, dois, três. Pouco depois, estava sentada à mesa dele, totalmente fora de si.