Céu e mar

Quando fecho os olhos fica escuro aqui dentro.

Volto para a posição inicial. Meus pés se movem, mas não sei onde eles estão. Estão comigo aqui. Estão onde está o meu corpo. Queria ir para outros lugares sem precisar me levar junto. Ir sem mim. Seria possível?

As ondas balançam suaves, como um carinho no silêncio. É misterioso e acolhedor.

Deitada no barco no breu da noite, somente ondas, vento e cheiro.

Ergo minhas mãos para o alto, quase toco as estrelas. Quem me dera! Quem poderia tocar as estrelas?

Abro os olhos novamente. Quando abro os olhos, o mundo se reconstrói ao meu redor.

Ondas respingam em meu rosto e me refrescam. Ainda estou aqui. Queria mudar as cores e as coisas de lugar, mas não alcanço. Queria poder colocar a Lua em minha boca e senti-la deslizando em minha língua. Seria doce?

Balanço as minhas mãos em minha frente. Aproximo elas de mim. Só enxergo as minhas próprias mãos. Será que sou essas mãos? Os outros têm rostos.

Me ajoelho próximo a proa. No grande negro que é esse azul profundo, sinto algo que me cativa. As ondas balançam como um orgasmo. E se toda essa água pudesse enluvar meu corpo e tocá-lo tão profundamente com sua beleza?

Me viro um pouco. Coloco as mãos na boca. A minha baba escorre entre os dedos. Ainda tenho gosto.

Quando fecho os olhos tudo ao meu redor acaba. Quando fecho os olhos as coisas se quebram e cada pedaço do céu despenca. São lâminas de vidro caindo como chuva, são estilhaços. São estrelas dançando véus ao meu redor.

Estou protegida aqui dentro.

Eu estou?

É escuro aqui dentro. De longe consigo ver a Terra. Nado no ar, mas não tem ar, não tem cheiro. Isso me conforta. Aqui não tem nada.

Coloco a nebulosa entre meus dedos e ela se desfaz como espuma do mar. A Via Láctea é uma ninfa que me abraça em seu corpo etéreo.

Se eu existo somente pra mim, eu existo?

Apesar de tudo ainda sou eu.

Eu não consigo falar.

Se as coisas acabam ao meu redor, eu ainda existo?

Me viro novamente. A Lua está brilhante e marota refletindo nas ondas. Toda essa imensidão líquida me envolve com sua escuridão macia. Me jogo no mar e afundo no céu. Nas profundezas do oceano, a Lua ainda consegue me tocar.

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Escrever nua e como me mataram
Enviado por Escrever nua e como me mataram em 21/05/2022
Código do texto: T7521087
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