Don Caramujo - parte 07 de 10

Ela partiu e eu nunca mais tive notícias suas. Comecei a fazer um curso preparatório para o vestibular e fiz novas amizades em seguida.

Mas apesar de tudo isso, parecia que eu já começava a criar meu casulo. Vivia retraído, com medo das pessoas. Gostava de criticar tudo o que os demais faziam ou diziam. Argumentos eu encontrava de sobra.

Fiz amizade com um rapaz chamado Marcelo.

Ele fazia estágio no Banco do Brasil, e morava retirado do centro da cidade. Simples e comedido em suas palavras, era o oposto de mim. Eu me tornara mesmo um chato, ou até aquele tipo de pessoa que sempre detestei, eu agora virara um metido a bacana.

Marcelo logo se tornou como um irmão para mim. Eu gostava da sua companhia. Me acalmava e me mostrava o quão distante eu estava do que sonhara como minha personalidade ideal. Como não tinha muitos amigos, eu ás vezes ia almoçar na casa de Marcelo. Sua família sempre me recebia de braços abertos. Sua mãe já era uma senhora de cãs protuberantes, mas mesmo sofrendo de bronquite não dispensava o velho cigarro de palha e nem de cuidar dos animaizinhos que tinha; coelhos, galinhas, patos, gatos e cães. Era um verdadeiro zoológico, mas tudo muito bom e bem limpo. Era um excelente clima.

O rapaz com quem eu dividia a casa arrumara uma namorada e eu os deixava sozinhos, para poderem desfrutar melhor o namoro.

Mas a casa onde eu morava com esse amigo, Mirosmar, apresentava certos problemas; chovia dentro, as portas não tinham trancas, o encanamento muitas vezes entupia, etc...casa de pobre o leitor sabe como é.

Comentei com Marcelo a necessidade de arrumar outro local para morar. Uns dois meses depois ele apareceu para mim e disse que seu irmão havia desocupado uma casa. O local era próximo a casa de Marcelo. Como eu já conhecia o lugar não encontrei palavras para agradecer.

Eu e Mirosmar nos mudamos no fim da semana seguinte.

Não tínhamos móveis. Apenas um fogão de quatro bocas, meu; a geladeira, do miro; as camas , um aparelho de televisão, meu; e um aparelho de som, dele. Com umas tábuas arrumamos umas prateleiras e conseguimos uma pia com uma vizinha. Marcelo nos conseguiu um jogo de sofá velho que não mais ocupava.

Em seguida Marcelo conseguiu para mim uma vaga de estagiário no Banco do Brasil. Tudo em seqüência, coisa de três meses e eu já tinha em novo emprego, uma nova casa, graças a ajuda daquele que sempre fui grato. Agora você leitor pode entender porque o queria tão bem. Ele realmente se tornou como um irmão para mim.

O Estágio era de seis horas, pela manhã. Logo comecei a trabalhar no período da tarde também. E estudava á noite. O leitor deve perceber que quando a noite chegava eu estava em frangalhos. Dormia em muitas aulas, e só conseguia me manter acordado quando surgia alguma discussão.

E o pior é que me alimentava mal, pois só comia pão e leite quando chegava em casa á noite.

Mas eu estava no meu auge. No domingo eu fazia uma maionese e uma boa macarronada e forrava o estômago. Meu amigo Mirosmar, não era dado a comidas sem gordura. A frigideira estava sempre com quase um metro de óleo, e quando inventava de fazer um guisado de frango, credo! Era gordura pra tudo quanto é lado.

Mas à nossa maneira nos entendíamos.

Miro, como eu chamava Mirosmar, gostava muito de ir a bailões. Locais onde música sertaneja e gauchesca espocavam no ar. Eu não era muito de sair, mas nas raras vezes em que saia, ia com ele para os ditos bailões. A namorada dele o esperava lá nos Sábados a noite e de lá vinham para casa.

Numa destas idas encontrei ao lado de Cilene, a namorada de Miro, uma linda morena, um tanto mais baixa que eu. Ao nosso convite elas sentaram-se a nossa mesa. Logo Miro e Cilene saíram para dançar. Fiquei sozinho na mesa com a morena. Me disse chamar-se Helena e ato pronto perguntou se eu não dançava. Meio sem jeito, revelei que não sabia dançar muito bem. Ela sorriu, um sorriso bonito, simples, honesto.

Me pegou pela mão e levou-me até o centro do salão.

Sem jeito, meio envergonhado, me deixei levar por suas pequenas e macias mãos.

Eu estava já a algum tempo sem mulher, quase seis meses. A última vez fora quando a loira viera me visitar ainda na outra casa.

Meus instintos e hormônios afloraram quando senti seu corpo junto ao meu. Ela percebeu meu estado de excitação e resolvemos nos sentar.

Helena e Cilene passaram a ir em nossa casa todo final de semana. Algumas vezes saíamos para algum baile, mas a maioria da vezes ficávamos ali, conversávamos um pouco os quatro juntos, jogávamos baralhos e depois nos retirávamos. Cada casal para seu quarto.

Helena me parecia inexperiente no sexo, mas logo isso foi passado. Era uma moça de aproximadamente 1.50, cabelos curtos e pele bronzeada. Morava na beira da praia. Seus pais eram de uma comunidade de pescadores. E o que me cativou nela foi sua simplicidade, seu jeito de menina e ao mesmo tempo sua maturidade.

Haa, quantos erros a gente comete na mocidade! Quantos desejos nos atropelam e não conseguimos ver que ás vezes o que temos pode ser o melhor que vida irá nos oferecer.

O leitor por certo já passou por essa idade, ou ainda o passa quiçá, então o que falo já não é tão desconhecido.

Ás vezes nossa memória pula fatos e volta no tempo sem marcadores cronológicos. Então por isso muitas vezes encontrará falhas temporais nestes escritos, mas não se apoquente, pois logo conseguirá colocar as coisas em ordem. Mas talvez isso não seja necessário.

Por mais que eu gostasse de Helena, o preconceito estava em mim, enrraizado como um câncer e seus tentáculos. Por Helena ser de estatura um pouco menor que a normal, eu me sentia ridicularizado em sair com ela. E devo ter deixado isso transparecer pois logo começou a insistir comigo para sair com ela durante o dia. Sempre inventava uma desculpa.

Mas ainda hoje me recordo de uma das poucas vezes em que saímos durante o dia. Fomos até o cinema. O filme era bem romântico, muitas lágrimas na tela e em nossos olhos também. Era a história de um homem que fora assassinado e que voltara para proteger sua esposa. O filme foi um dos recordistas de permanência em exibição na cidade. Helena se comoveu demais e quis voltar para assisti-lo novamente. Se foi ou não, nunca fiquei sabendo. Ficamos juntos durante quase um ano. Então a coisa acabou sem mais nem menos. Nenhuma explicação. Nenhuma discussão.

Eu não a procurei mais, e ela também não apareceu. O casulo estava ficando mais forte, mais firme.

Na rua onde morava havia uma moça de aparência muito bonita. Eu a vi pela primeira vez quando estava ajudando a construir um muro na minha casa. O pedreiro era o irmão do Marcelo e eu ajudava fazendo massa e levando tijolos e cimento.

Certo dia ela passou pela rua. Talvez sempre fizesse isso, naquele horário, mas eu a vi somente naquele instante.

Alegre, sempre sorrindo, eu comecei a prestar atenção naquela figura feminina que desfilava sua beleza diante da janela da minha casa. Aos poucos fui criando coragem e comecei a conversar com ela.

Seu nome era Marli.

Era mais jovem que Helena e nessa época eu ainda estava com esta última, o que gerou um sem número de discussões por ciúme.

A baixinha, como chamava Helena, um dia encontrou um grande número de poemas e poesias dedicados a jovem Marli. Mas não me disse nada. Dias depois quando eu rabiscava alguma coisa percebi que ela havia lido os poemas a outra dedicados.

Desde esse dia ela começou a diminuir as visitas lá em casa e então de repente não apareceu mais. Mirosmar logo acabou o namoro com Cilene. Nunca mais tive notícias de Helena. Cilene era o elo de ligação e quando ela e o Miro acabaram o namoro até esse elo foi cortado.

Me lembro uma noite quando Marli voltava da escola. Nessa época eu já havia acabado com Helena, mas não tinha nenhuma ligação mais intima com Marli. Apenas a desejava e ela fingia indiferença.

Bom, eu comecei a trabalhar de madrugada e de manhã. Chegava em casa perto das duas da tarde, dormia e acordava lá pelas nove da noite. à meia-noite começava o serviço em uma outra firma. Como eu ia dizendo nessa noite Marli vinha voltando da escola mais cedo. Eu estava no portão da casa e ao ouvir sua voz me postei de modo que ela pudesse me ver também. Vinha com outra amiga, dando risada e falando alegremente. Ao me ver se despediu da amiga e veio até o portão.

Começamos a conversar e em dado momento eu a abracei. Foi um ato sem estudos, sem preparação. Aconteceu normalmente. Ela, meio assustada, olhou em volta e quando viu que não havia ninguém nos enxergando me beijou com alegria. Foi um beijo rápido, impulsivo, mas que me agradou de sobremaneira. A peguei no colo e a levei para dentro da casa. Miro estava ouvindo rádio em seu quarto. Marli tentou reclamar, mas com a boca coberta pelos meus lábios não podia fazer muita coisa.

Fiquei apenas nas caricias pois Miro ouviu os gemidos dela e veio até a porta do meu quarto espionar. Ela ficou um pouco envergonhada e decidiu sair. Fiquei naquele momento com raiva do colega com quem dividia a casa. Não me lembro de outra oportunidade ter ficado tão a sós com Marli como naquela noite.

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Como eu disse nessa época eu já estava em outro trabalho. Meu estágio no Banco do Brasil havia acabado, e eu não havia passado no vestibular que fizera. A firma onde eu trabalhava prestava serviços para na área de processamento e compensação de cheques. Eu era digitador do turno da madrugada. Poucos funcionários. Oito ao todo, mais os funcionários da C.E.F. .

Era uma turma bem integrada. Todos bem jovens. O mais velho além de mim, era um rapaz moreno com 29 anos.

Trabalhávamos com alegria. Sempre com piadas e música. Nosso supervisor tinha 25 anos e acabara de se formar na faculdade em ciências contábeis. Gostava muito de filmes e não era raro as vezes em que ele mesmo começava um papo sobre determinado assunto. Claro que impunha limites para nossa bagunça. Digamos que era uma bagunça organizada.

Havia também um digitador que tocava guitarra em uma banda de rock. Magro, alto, espichado e de jeitos tresloucados, com ele não tinha mau humor. Ao seu lado todos estavam sempre bem. Junto a esse roqueiro juntava-se um outro rapaz, alto, forte, e musculoso, que praticava remo como esporte. Eram os dois o centro da animação do grupo. Havia ainda um rapaz que trabalhava na operação de sistemas, um outro na seção dos malotes e ainda um moreno que ficava na operação das impressoras.

Éramos sem dúvida uma equipe e tanto. Organizávamos torneios de futebol e estávamos sempre juntos. Festas, bailes e até mesmo na loucuras que cometíamos no auge de nossa juventude. Parecia que eu estava saindo de vez do casulo.

Certa feita eu e o remador, Carlos Schiatell, aprontamos uma. Acabáramos de digitar todo o serviço e tínhamos o intervalo de lanche pela frente. Eram 02:30 da manhã e teríamos que ficar até ás 06:00 da manhã sem fazer mais nada. Talvez jogar xadrez ou contar histórias ou mesmo passar o resto da madrugada contando piadas. Saímos então eu e o futuro melhor amigo, para fora. Enquanto os demais desciam até a praça ( época boa, sem violência alguma), nós olhamos um pára o outro e decidimos ir até uma boate. Quer dizer, chamavam de Wiskeria, para mim era uma boate, ou zona, como queiram.

Credo, lembro até hoje a garota que fazia streeper; Paulinha, foi o nome que ela deu. Claro que não devia ser o nome verdadeiro. Eu era besta mas nem tanto.

Bom, resultado. Chegamos de volta no serviço perto das 04:30. Levamos uma bronca danada do Supervisor. Mas ele era gente boa e nos perdoou. Claro que nos dias seguintes, tivemos que digitar o serviço dos outros digitadores, mas tudo bem.

Schiatell eu já tinha visto quando trabalhava como estagiário no Banco do Brasil mas nunca sequer chegáramos a conversar. No entanto dentro desse serviço havíamos nos tornado grandes amigos. Foi sem dúvida com ele que eu tive grandes aventuras nesse tempo.

Mateus Lago era o rapaz que ficava no departamento das correspondências, ou seja malotes. Era o responsável pelo setor. Foi outra pessoa com quem me apeguei de sobremaneira. Explico como foi.

Dentro da Caixa, vez por outra era necessário alguém ajudar no setor dos malotes então certa feita eu fui sorteado. O sorteado deveria ficar um mês prestando ajuda ao Lago. Eu não quis mais digitar.

Aos poucos eu comecei a confiar mais no rapaz, moreno e com um sorriso de lagarto.

Não demorou muito e logo estávamos escalando montanhas e instalando acampamentos nas praias e matas vizinhas.

Sem dúvida nenhuma era um dos poucos que tinham o mesmo pique que eu, no entanto era casado e tinha dois filhos. Mas este rapaz era sincero e leal na amizade e isso eu não esqueço. Por várias vezes, quando eu estava em profunda depressão, foi a palavra dele que me colocou de pé. Se um dia você chegar a ler, saiba meu amigo, do fundo do coração que não o esqueci.

Esse trecho sobre o trabalho ali é longo, mas é onde eu mais imaginei ter me livrado do casulo, por isso me estendo um pouco mais.

Também tínhamos junto a nós um rapaz de poucas palavras que no início o taxei de metido pois raras vezes conversava conosco. Ele tinha umas sardas no rosto e trabalhava como operador, mais junto aos funcionários da Caixa que junto de nós. Uma parede de vidro, qual uma redoma, que o rapaz do rock, o Bonifácio, apelidara de aquário. O nome tinha tudo a ver.

Pois bem, o rapaz das sardas se chamava Pércio e aos poucos eu o fui conhecendo mais. Era um dos mais antigos ali dentro, juntamente com o nosso supervisor. Como não nos conhecíamos, ambos tínhamos suposições errôneas um a respeito do outro. Com o passar dos anos ele se tornou um grande amigo. Talvez eu o tenha decepcionado alguma vez, mas devo muito a ele. Tinha um fusca, que de tanto eu o convidar para passear no sítio de um amigo, acabamos por arruinar o fusca amarelo. Outra feita, por ele tentar cantar uma conhecida minha eu quis conversar sério com ele.

Eu rio lembrando de mim. Como fui idiota. Para colocar medo no Pércio o chamei para tomar cerveja em um bar barra pesada. Depois de rejeitar a carona que ele me oferecera fui para casa morrendo de medo.

É por isso que digo que pensava ter saído do casulo. Realmente, convivendo com essas pessoas extraordinárias, raramente eu me sentia depressivo. Ao contrário eu me sentia expansivo, como se pudesse fazer tudo e de tudo.

Mas o tempo passou e um dia cada um foi para um lado. A firma perdeu a licitação. O Pércio saiu em seguida, o Bonifácio montou uma banda, o Schiatell foi para o Japão tentar sorte no remo e o Lago montou uma empresa.

Eu saí e fui tentar a sorte no Mato Grosso.