Dom Caramujo - parte final

O primeiro baque do metal nas costas deve ter quebrado umas duas costelas, depois ainda bateram nas articulações das pernas, nos dois joelhos, a dor era tanta que desmaiei.

Na verdade pensei ter morrido mas cá estou dois anos depois do acontecido.

É bem verdade que não posso me mover. Soube que pelo menos o pescoço e o movimento dos dedos da mão esquerda ainda controlo.

Os miseráveis me deixaram com a coluna esfacelada e com as pernas imóveis. Todo meu corpo imprestável. Meus rins ficaram comprometidos e meu pulmão havia sido perfurado por uma das costelas.

Não morri ali por que um dos índios me seguira logo que saíra da aldeia. Ficou do lado de fora da delegacia me esperando. Quando vira que fora seqüestrado por alguém com carro correra até o telefone da cidade e chamara o pajé e o médico da Funai.

Ambos chegaram no local e impediram que os miseráveis me estocassem o crânio com a barra de ferro.

Com o barulho do carro da Funai chegando, os bandidos fugiram.

Minha sorte foi que o médico agiu rápido e conseguiram um monomotor para me levar até um hospital na capital Mato-grossense. Devo minha vida a eles.

Recentemente a policia pegou os agressores e também o filho do coronel. Não puderam provar que os patifes que cortaram essa história trabalhavam para o coronel.

Eu lhes contei minha vida, ou seja a metade dela, a parte que eu vivi. Pois depois que saí do coma notei que havia morrido.

De que adianta ter olhos se não posso ir até o quintal do hospital ver a vida lá fora? De que adianta ter nariz se sequer consigo sentir o aroma da sopa que me enfiam pela garganta? Não, eu morri, o corpo ainda está aqui, mas eu morri.

Qual a mulher que irá me dar seu carinho, seu amor? Não, se alguém me quiser será com pena. E o pior é a sensação de ser um nada. A humilhação é diária. Me sinto um vegetal. Apesar de mover meu pescoço, meu sistema fonoaudiológico foi pra cucuia.

Para fazer minhas necessidades fisiológicas uma enfermeira vem até aqui e enfia um tubo em minha bunda, assim eu posso defecar sem precisar me mover e sem ela precisar segurar o pinico. Mas ainda assim ela tem que usar suas mãos para me limpar. Sofri uma atrofia no pênis e foi enxertada uma sonda direto dos rins.

Uma enfermeira caridosa me auxilia no meu dia a dia

Meus irmãos que a tanto tempo não os vejo, me perdõem por meu egoísmo, por favor. Creio que logo irei me juntar aos meus pais.

Dos amigos que acima citei, nenhum se lembrará de mim. Nenhum poderá fazer nada por mim. Estou inválido. Tetraplégico. Se soubessem a dificuldade que é escrever essas linhas. Escrevo uma palavra e tenho que parar. Depois de uns minutos é que consigo seguir adiante. Não me pergunte como consigo escrever com a mão esquerda. Como consigo mexer os dedos dessa mão é um mistério. É só os dedos, pois não há nenhum outro músculo do meu corpo, a não ser a cabeça que se move. Agradeço a Deus por pelo menos me deixar fazer a lápis um retrato do que fui.

O pior de tudo, é a consciência! Viver sabendo que não há nada que possa ser feito para modificar o resto dos meus dias. Dia após dia, noite após noite! Nunca mais uma mulher irá me olhar com desejo, nunca mais.... tantas coisas .... Vai ser um eterna agonia. Por favor! Eu quero morrer!..... o casulo, a concha, fechem-na por favor!

SENHORE LEITORES, SOU UMA HUMILDE ENFERMEIRA E RESOLVI FAZER A ÚLTIMA VONTADE DESSE HOMEM QUE CHEGOU CERTO DIA NESTE HOSPITAL E QUEM SEM DOCUMENTOS SE DIZIA CHAMAR-SE DOM CARAMUJO. EU FECHEI SUA CONCHA! DEUS ME PERDOE, NÃO CONSEGUIA MAIS VÊ-LO SOFRENDO DAQUELE JEITO.

O RELATO QUE VOCÊS ACABARAM DE LER É VERÍDICO (CONSEGUI OS CADERNOS DO PACIENTE JUNTO COM A DIRETORA DO HOSPITAL JÁ QUE NINGUÉM RECLAMARA-OS. ESTAVAM JUNTOS COM SUAS COISAS VELHAS QUE TROUXERAM LÁ DO MATO GROSSO)

RESOLVI TORNÁ-LO PÚBLICO POR INSISTÊNCIA DE MINHA IRMÃ QUE É UMA FILHA DE MARIA, E QUANTO AO MEU ATO, OS JUIZES TERRENOS QUE O JULGUEM,POIS O DO CÉUS JÁ ME PERDOOU, TENHO CERTEZA POIS DIAS DESTES SONHEI COM DOM CARAMUJO SORRINDO PARA MIM E CORRENDO POR UM EXTENSO CANAVIAL.