Memórias de Nina - Terrestre

Parte ínfima

Se os raios foscos que emanam de um abajur de lâmpada vermelha desse tamanha dimensão ao dia em possibilidades de nos tornarmos cegos e promíscuos ultrapassariam as barreiras da arte, porque a luz vermelha nos indicam coisas pecaminosas e com trevas entre os traços avermelhados da mobília? O verde propõe outra situação, e o azul a palidez belíssima dos céus. Asseguraria a mim mesma uma noite com todas as luzes, uma caixa estilizada pela técnica decoupage, com pequenas dobradiças em prata, um puxador vítreo rosado.

Embora os números de nossas pegadas na terra não tenham sido contabilizados por nós mesmos, o solo adquire tal obrigação, se eu tivesse ainda meus pensamentos quando pequenina, concordaria com esse que escapou do fundo de minhas lembranças, sou uma contadora de memórias, mas a menina que há em mim sim, não eu mesma.

Uma certa vez tive um sonho, e neste era um homem, talvez uma vida há alguns bons anos atrás, se realmente isso existir, eu adoraria ter sido aquele homem do plano onírico. Era rude e deflorado dos teus anos áureos da juventude, com seu caminhão e um companheiro. Viajava sentindo o norte do país, o caminho era feito de terra batida, assim como vamos para a zona rural de algum município, o calor escaldante e a pouca quantidade de água em seu galão. Se estivesse em outro lugar do planeta, talvez adquirisse outras descrições, eu o via em meu sono como um homem tenaz.

No caminho o peso da carga e a precariedade do veículo colidiram junto ao tempo e o marasmo, estava numa via nua, sem pessoas, asfalto ou placas, eu, meu companheiro e o caminhão. O sol lançava rajadas de calor tão altas que a impressão de que estávamos sendo crestados a luz do dia.

- Poderia pedir ajuda a alguém na última cidade?

- Assim que o primeiro veículo apontar, acenarei em ajuda.

- Traga: Parafusos dianteiros para rodas, cordas, e chaves, se possível graxa - com o sol e toda esta areia as peças foram empanadas – e não te esqueças, mais água.

Ao trajeto de ida e volta de meu companheiro, enrubesci de cansaço e sede, as condições de entretenimento de um homem maduro eram as mínimas, o rádio deveria ser poupado devido as circunstâncias óbvias de uma bateria limitada. Cartas? Não havia parceiro. Um livro? Não vi em qualquer parte deste, talvez eu não fosse instruída nesta ocasião e vida.

Com a volta do outro, percebi que os parafusos estavam errados, eram um pouco menores, as consequências de tal descuido ou ignorância de minha companhia, nos atingiu com o tempo, a cada dez a quinze quilômetros a roda entortava, pois, os parafusos saltavam das rodas, e sabe la quantas vezes desci do caminhão, todavia em meu peito tive a anunciação de coragem e força. Um desafio que nenhum outro lugar poderia me propor, a vida em versos crus.

Percebo então que neste momento efêmero a misericórdia rogada. Enquanto o charco de oposições humanas ludibriavam o consciente de minha existência. A presença cândida de minhas preces procediam com ímpeto a sisudez de minhas vasta as transgressões.

Se houvesse qualquer hipótese de ser uma seguidora de outros princípios cumprindo o papel de uma imperatriz, bruxa ou sereia que habitasse qualquer parte do universo, de que importaria? Seria ainda assim a mesma, entre os olhos que cercam meus horizontes, e asseguram meus sonhos mais estranhos. Serei sempre um único exemplar em toda a existência de vida na terra.

Se os cadáveres tomassem conta de espaço que vivem, a terra seria ainda mais que uma simples composição de gases, o solo, traria uma civilização transitória para todo o sempre, se a matéria termina em pó, assim como os fragmentos rochosos que duram milhões de anos, se transformam em um solo quase próprio para o plantio, mas ainda com pequenas rochas e deste com o passar de eras se transforma cultivável. Mas os fósseis e cadáveres não tem tal poder não é Miss Nina? Se tivessem, a dimensão do globo teria triplicado, e teríamos uma camada de pessoas e animais, crosta, manto e núcleo.

Mas não esqueci dos mares, e ainda reitero que meu devaneio é em vão. Se não houvesse decomposição facilitada de corpos, teríamos um grande oceano deles, os camponeses e imperadores não aceitariam que em suas terras tivessem tal lixo orgânico nada fácil de ser decomposto ou reciclado.

- Marcos Leite

Folheto Nanquim: http://www.folhetonanquim.com/2014/01/memorias-de-nina-terrestre.html

https://www.facebook.com/folhetonanquim